Jornalista e editor do Blog da Cidadania, Eduardo Guimarães publicou na edição do último dia 25 do portal de esquerda Brasil 247, um artigo intitulado Falta pouco para matar o bolsonarismo, defendendo que é hora de “dizimar o bolsonarismo”, ao que acrescenta: “não os bolsonaristas, mas a ideologia deles”. Dada a escolha das palavras, o leitor mais entusiasmado poderia supor que o texto faz uma defesa de um combate político contra o setor mais mobilizado da direita, especialmente após Guimarães dizer que “a hora é agora”, e que “para que quem sabe fazer a hora não espere acontecer”. Antes que alguém tenha a ideia de que posições verdadeiramente combativas estão sendo anunciadas, no entanto, o autor continua a frase: “é preciso que o sistema de Justiça tenha nosso apoio”, dizendo ainda:
“Os homens que vão nos livrar dessa escória estão no sistema de Justiça, na Polícia Federal e nas cúpulas do Ministério Público e do Judiciário.
Andrei Rodrigues, Paulo Gonet, Alexandre de Moraes e seus pares, todos precisam do apoio daqueles que prezam a democracia, a Constituição e os seus ditames pétreos, os quais devemos guardar e defender com as nossas próprias vidas.”
Ao pedir apoio para figuras como Alexandre de Moraes, Andrei Rodrigues e Paulo Gonet, o autor está, na verdade, promovendo os agentes dos golpes reais, que há menos de uma década, orquestraram a prisão política de Luiz Inácio Lula da Silva, impediram sua candidatura em 2018 e depuseram a presidenta Dilma Rousseff em 2016. São essas mesmas figuras que, ao longo dos últimos anos, trabalharam incansavelmente para criminalizar a política de esquerda e criar as condições para o avanço de uma política golpista e antidemocrática, diretamente responsável pela ascensão do bolsonarismo. Defender o fortalecimento dessas instituições burocráticas, portanto, é defender os verdadeiros golpistas.
Ao contrário do que sugere Guimarães, o sistema de Justiça, a Polícia Federal e o Ministério Público não são aliados da esquerda, mas instrumentos da ditadura da burguesia que, historicamente, se opôs aos interesses dos trabalhadores. São eles que patrocinaram as investigações fraudulentas da Lava Jato, que atuaram para desestabilizar o governo Dilma e que interferiram diretamente nas eleições gerais de 2018, para impedir o retorno certo de Lula à presidência e assim, permitir a eleição de ninguém menos do que o próprio Jair Bolsonaro (PL). Ao chamar o apoio à Justiça, Polícia Federal, Ministério Público e Judiciário, Guimarães não está combatendo o fascismo ou a ameaça representada por Bolsonaro e seus seguidores, mas sim reforçando as instituições que engendraram essa ameaça em primeiro lugar.
Além disso, o pedido de apoio a essas figuras é uma contradição total para aqueles que realmente desejam derrotar o bolsonarismo. Os mesmos que ajudaram a criar o ambiente político que favoreceu a ascensão de Bolsonaro não podem ser os “heróis” de uma luta pela sua destruição.
Essa política não só é um contrassenso do ponto de vista lógico, como também coloca a esquerda em um caminho perigoso: se essas forças realmente derrotarem o bolsonarismo, o farão não para beneficiar a classe operária, mas para os interesses deles próprios, da burguesia e do imperialismo, que não custa lembrar, criaram o bolsonarismo para enfrentar a esquerda.
Fatalmente, portanto, o que farão é a atualização da extrema direita por algo ainda mais ameaçador para os trabalhadores e para a esquerda. Assim, ao apoiar as instituições que geraram o bolsonarismo, Guimarães não está defendendo a luta popular, mas sim abrindo caminho para uma nova fase da ofensiva contra o campo.
“Há muita prova contra todos eles, a começar pelo chefe. Provas de todas as formas, cores, texturas, quantidades… Provas cabais!
Vamos jogar os mais criminosos em uma cela até que o povo entenda que fascistas não podem ser eleitos pelo povo pela única e simples razão de que desprezam as classes populares, enxergando-as como mera escada para atingir seus objetivos malignos.”
É preciso, primeiro, entender que a proposta de Guimarães se encaixa com perfeição em um cenário político em que as forças que ele enaltece, como “heróis” da luta contra o bolsonarismo são, na verdade, os maiores responsáveis pelo aprofundamento da crise política e social do Brasil. Dentre esses “heróis”, destaca-se Alexandre de Moraes, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e figura central no golpe que impediu Lula de ser candidato em 2018.
Importante lembrar que Moraes foi, até 2016, secretário de Segurança Pública de Geraldo Alckmin, à época governador de São Paulo. Durante seu comando da máquina de matar pobres em escala industrial, foi responsável pela repressão feroz contra os estudantes secundaristas, que se mobilizaram contra a tentativa de Alckmin de fechar escolas.
A repressão brutal a esses jovens demonstra o verdadeiro caráter da política de Moraes, incluindo o seu apreço pela “democracia”. Longe de ser um aliado da classe trabalhadora, Moraes é um elemento chave da estrutura golpista que, sob a égide do PSDB e da falida direita tradicional, é diretamente responsável pela atual conjuntura política.
Além disso, ao apoiar o fortalecimento do sistema judiciário e suas esferas de repressão, como a Polícia Federal e o Ministério Público, Guimarães parece ignorar os efeitos destrutivos que essa política pode gerar. Quando Lula foi preso em 2018, ele se encontrava em uma posição favorável para vencer as eleições no primeiro turno, mas foi barrado pela ação desses mesmos órgãos, que agiram não apenas para neutralizar sua candidatura, mas para deslegitimar todo o campo da esquerda.
Ocorre que é exatamente esse tipo de repressão judicial que se fortalece com as ações das figuras exaltadas por Guimarães. A tentativa de atacar Bolsonaro por esse expediente, longe de produzir o efeito desejado, terá como efeito colateral inevitável o fortalecimento do próprio bolsonarismo, com a crescente radicalização de suas bases, o que culminaria em uma situação ainda mais explosiva para a esquerda.
Por fim, o que está em jogo é a própria possibilidade de a esquerda recuperar sua força e construir um projeto popular e progressista. O problema não é só o bolsonarismo em si, mas o terreno fértil que a política da “bancada judicial” tem criado para o crescimento da direita.
Para vencer a ofensiva fascista, é preciso compreender que o bolsonarismo não é apenas uma ameaça de uma pessoa, um partido ou um grupo isolado, mas um fenômeno social que se alimenta de um ambiente da crise geral do capitalismo e não encontra outra solução para sobreviver, exceto aumentar a espoliação e a repressão contra o povo. A luta contra o bolsonarismo, portanto, não pode ser feita por aqueles que, ao longo dos últimos anos, tiveram papel central na desestabilização das forças progressistas no Brasil.
A verdadeira luta deve se dar contra toda a direita, incluindo os responsáveis pela ascensão do PSDB, que com sua política neoliberal e autoritária, construiu a base para o golpe de 2016 e a ascensão de Bolsonaro. Se a esquerda não tomar cuidado, ao se aliar ao que há de mais reacionário no País, não só estará enfraquecendo seu próprio campo, mas também será utilizada como correia de transmissão da política dos monopólios internacionais em primeiro lugar e da burguesia nacional.
Em última instância, é necessário entender que a verdadeira força da esquerda vem da mobilização popular, que se organiza pela defesa dos direitos concretos da população, como salários, empregos e acesso a serviços essenciais, além do enfrentamento dos crimes cometidos pelo bolsonarismo, como a gestão da pandemia e a privatização de setores estratégicos. Apenas dessa forma, a esquerda poderá contar com o apoio do povo e não cair na armadilha de reforçar ainda mais a direita, ressuscitar o PSDB e com ele, a direita tradicional e verdadeiramente golpista.