O artigo O golpismo e o limite da tolerância, escrito por Aldo Fornazieri para o portal de esquerda Brasil 247, é mais uma peça da esquerda pequeno-burguesa chave de cadeia, ao dizer que “é preciso usar a força do Estado de Direito” para a luta política a título de “coibir a intolerância”, concluindo que “as esquerdas precisam ser tolerantes apenas com aqueles que são tolerantes”, reproduzindo o lema do filósofo fascista Karl Popper, acrescentando ainda:
“Convém lembrar o paradoxo da tolerância de Karl Popper: ‘tolerância ilimitada levará ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos tolerância até àqueles que são intolerantes, se não estamos prontos para defender a sociedade tolerante contra o ataque dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, juntamente com a tolerância’.
Popper não está dizendo que se saia por aí a brandir ideias intolerantes. Mas cobra uma ação combativa quando os intolerantes agem para destruir a tolerância, a democracia, a liberdade, os direitos e o Estado de Direito. Se for necessário é preciso usar a força do Estado de Direito para coibir a intolerância. Não há meio termo nisso: ou a intolerância é combatida ou ela destruirá a tolerância.”
Como muitos esquerdistas pequeno-burgueses, Fornazieri se atrai por uma frase de efeito sem, no entanto, refletir melhor sobre o conteúdo real do que está defendendo. O chamado “Paradoxo da Intolerância de Popper” é um paradoxo em si porque pressupõe que a intolerância, no final, é positiva, dado que protege os autoproclamados “tolerantes”. Ocorre que sendo uma necessidade inerente ao sistema, como diferenciar quem é quem?
A divisão da sociedade em termos totalmente artificiais como “tolerantes e intolerantes” é uma loucura do ponto de vista social e uma malandragem do ponto de vista político, na medida em que produz o seguinte dilema: como defender a tolerância reforçando a intolerância? A utilização de forças coercitivas para reprimir aqueles que atacam a tolerância, independentemente do pretexto usado, é acima de tudo uma ação de intolerância. O verdadeiro paradoxo se mostra um golpe ainda mais claro quando a “intolerância” a ser combatida não é definida de maneira clara, dando margem à manipulação e distorção dos conceitos para interesses políticos, especialmente aqueles que não podem ser confessados abertamente.
Para proteger uma dita sociedade de convivência “tolerante”, o argumento propõe usar a força e a repressão, ou seja, adotar a intolerância (aqui, sem aspas) para garantir a manutenção de uma ordem supostamente tolerante. O sofisma aqui é claro: sendo a intolerância uma política válida para a preservação da tolerância, o que se constrói é uma ditadura, não mais tolerante, mas mais intolerante, controlada por um regime que determina quem deve ser silenciado e quem deve ser protegido a partir de critérios propositalmente vagos.
Esse sofisma é reforçado pela ambiguidade de quem, exatamente, deve ser considerado “intolerante”. Quem define essa linha de demarcação? Ao não se oferecer uma definição clara, o argumento se torna maleável, sujeito às interpretações e aí, cumpre lembrar que o Estado não é uma entidade neutra, mas um instrumento de administração de pessoas e com uma classe dominante. Logo, tem um dono e esse dono é o verdadeiro juiz da dicotomia “tolerantes e intolerantes”.
Companheiro do notório fascista Ludwig von Mises na confecção do fundamento intelectual da chamada “Sociedade Aberta” (Open Society no original e responsável pela fundação de uma ONG homônima administrada pelo banqueiro George Soros), Popper deixa propositalmente em aberto quem seriam os intolerantes, mas o conjunto da obra não deixa dúvidas de que esses são os setores que ameaçam a ordem burguesa, em especial os trabalhadores, a esquerda e os movimentos populares. Mais do que uma defesa da liberdade, o que realmente se propaga com o argumento de Popper é a manutenção da ordem social existente, que privilegia a classe dominante e subjuga os que desafiam essa ordem.