A escalada do conflito na Ucrânia nos últimos dias obrigou a “esquerda” imperialista a sair a campo para manifestar sua oposição ao “imperialismo russo” e seu apoio à “resistência popular-militar ucraniana”. Falamos da Unidade Internacional de Trabalhadoras e Trabalhadores – Quarta Internacional (UIT-QI), entidade à qual a Corrente Socialista de Trabalhadores e Trabalhadoras (CST), uma corrente interna do PSOL, está ligada.
Publicada no sítio da sua filial brasileira, a nota da “Internacional” vem por ocasião dos últimos acontecimentos do conflito na Ucrânia. Na última semana, a Ucrânia realizou ataques com mísseis de longo alcance Storm Shadow, fornecidos pelo Reino Unido, contra a região de Kursk, no território russo. Como resposta direta, a Rússia empregou pela primeira vez seu míssil balístico hipersônico “Oreshnik” em um ataque a uma instalação militar na cidade de Dnepropetrovsk.
A culpa é do “imperialismo Russo”!
A nota começa explicando as origens do conflito: “Tal guerra é o produto da invasão genocida do imperialismo Russo, com o autocrata Putin no comando, para tentar colonizar a Ucrânia e o seu povo”.
Não há diferença entre essa versão e a versão difundida pelos EUA, pelo imperialismo europeu e seus órgãos de imprensa. O ditador Putin, em nome dos interesses do imperialismo russo, invadiu e se apoderou de parte do território ucraniano ― diz essa mitologia. Nada mais distante da realidade.
A Ucrânia sofreu um golpe de Estado em 2014 e desde então é governada pela extrema-direita, com influência decisiva na vida institucional do país por parte de grupos nazistas. Esse golpe foi notoriamente financiado e organizado pelos Estados Unidos, União Europeia e Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) a fim de retirar qualquer possibilidade de influência da Rússia sobre a Ucrânia. Desde então, a Ucrânia vem caminhando a passos largos para ser incorporada à OTAN, tendo recebido armamentos, treinamento, financiamento e exercícios militares da aliança imperialista em seu território. Um dos aspectos principais da política do regime golpista ucraniano é a guerra desencadeada contra os povos do Donbass, que se recusaram a aceitar o novo governo e declararam a independência das Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk.
Em meio às fortes ameaças de entrada da Ucrânia na OTAN e com a continuação da agressão de Kiev ao Donbass, no dia 21 de fevereiro o presidente russo Vladimir Putin anunciou o reconhecimento de seu país das repúblicas de Donetsk e Lugansk como países independentes. Logo em seguida, as autoridades das duas repúblicas pediram apoio militar russo para proteger seus territórios, o que foi atendido. No dia 24 de fevereiro, a Rússia iniciou a operação militar especial para ajudar as forças do Donbass a recuperar seu território completo e enfrentar o exército e as forças nazistas ucranianas na região. Tratou-se de uma ação defensiva, e não de uma guerra de colonização, como quer fazer a propaganda imperialista, reproduzida pela esquerda pequeno-burguesa.
A alegação de que a Rússia seria um país imperialista em pé de igualdade com os EUA, Europa e Japão são cômicas. O papel econômico da Federação Russa no mercado mundial não é mais do que o de um grande fornecedor de matérias primas brutas para os países imperialistas. A confusão se dá porque, historicamente, a Rússia, desde o império russo, se constituiu num país armado em função das suas necessidades de defesa. Isso se manteve durante os anos da União Soviética e se mantém até hoje. A Rússia é, na verdade, um país atrasado, oprimido pelo imperialismo, e sua ação não tem outro sentido senão como uma defesa diante do avanço e da ofensiva das forças imperialistas contra seu território.
Quem está do lado da Ucrânia está com o imperialismo?
A posição que a organização defende, de apoio à Ucrânia, gera um embaraço inevitável. É preciso explicar por que os EUA, as nações imperialistas da Europa e a OTAN estão ao lado do governo ucraniano de Zelensky. A explicação é ridícula:
“Não somos neutros nesse tipo de guerra. As dúvidas surgem do fato de Biden, o imperialismo europeu e a OTAN aparecerem ao lado da Ucrânia. É claro que esses imperialistas têm fricções e choques de interesses econômicos com a Rússia e as suas multinacionais. No entanto, se olharmos de perto veremos que a política do imperialismo estadunidense e europeu tem sido, desde o início da invasão – e continua sendo –, evitar uma vitória retumbante da Ucrânia e também uma derrota contundente de Putin e da Rússia.”
A UIT-QI assevera que “os EUA e o imperialismo europeu nunca quiseram a derrota de Putin, mas sim uma solução negociada”; que as nações imperialistas “desde o primeiro momento, retiveram a ajuda militar à Ucrânia e tentaram de todas as maneiras pressionar Zelensky a abrir uma negociação, na qual ele entregaria parte do território ucraniano”; que só “agora, depois de mil dias de guerra, Biden autorizou o uso de mísseis de longo alcance ATACMS em alguns territórios russos”; que “o centro do imperialismo estadunidense é a negociação, não a derrota militar de Putin”. “É simples assim”, termina a explicação da nota.
A colocação é tão ou mais cômica que a caracterização da Rússia como país imperialista. A nota situa o governo Zelensky, que é quem lidera o confronto com a Rússia, e não uma resistência popular imaginária, como uma espécie de governo sabotado pelos EUA e pela OTAN, quando, na verdade, ele deve sua inteiramente sua existência e suas ações contra os russos a essas entidades.
O imperialismo norte-americano e europeu já despenderam centenas de bilhões de dólares, em ajuda militar, financeira e de recursos humanos, para a Ucrânia. Os tanques, a defesa aérea e a artilharia de longo alcance de que o exército ucraniano se valeu no conflito foram todos fornecidos ou pelos EUA, ou pela Inglaterra ou pela Alemanha etc. Se passamos dos mil dias de conflito, e a Ucrânia ainda não foi completamente derrotada, isso se deve graças ao imperialismo mundial, que continua impulsionando o conflito, embora com restrições, causadas pelas inúmeras derrotas no campo de batalha. A guerra na Ucrânia é um empreendimento do imperialismo mundial contra a Rússia de Putin. A ideia de que EUA e União Europeia atuam para impedir uma vitória da Ucrânia é algo que beira a insanidade.
A posição dos marxistas
A UIT-QI resume seu posicionamento nos seguintes termos:
“Defendemos os/as trabalhadores/as e os povos contra a opressão e a agressão militar das grandes potências, de onde quer que venham, e contra todos os imperialismos, seja dos EUA e da OTAN, seja da Rússia ou da China. Estamos ao lado dos povos oprimidos e contra os opressores. Estamos com os povos que se levantam contra regimes reacionários. É por isso que estamos com a Palestina e com o povo e as mulheres do Irã, contra o regime teocrático e repressivo. É por isso que, hoje, estamos ao lado do povo ucraniano, que se recusa a estar sob as botas do imperialismo russo.”
A fraseologia pseudorevolucionária não obscurecer a política prática que deriva das colocações políticas da UIT-QI. Aqui, o “invasor” é o “imperialismo russo”. A luta, portanto, é contra ele, independente das ressalvas contra o governo Zelensky e contra a OTAN. Tais ressalvas são simples frases vazias, sem substância prática e política. O inimigo, segundo essa visão, é a Rússia.
Nem é preciso dizer que, para os EUA, a Inglaterra, a Alemanha e os outros países imperialistas, o inimigo também é a Rússia. A posição da UIT-QI é a posição do imperialismo.
A verdadeira posição dos socialistas revolucionários, dos marxistas, da vanguarda da classe operária mundial é a de se colocar sempre, em conflitos do imperialismo com países oprimidos por este, de uma maneira clara e ativa ao lado destes últimos, independentemente do caráter do regime político e do governo destes países. É uma farsa propagandística a ideia de que estamos diante de uma luta entre a democracia e autocratas, o que temos aqui é uma luta entre os povos e países oprimidos e o imperialismo. Esta é a verdadeira essência do conflito. Isto é o que vimos no caso do Iraque, no caso do Afeganistão, Panamá, Irã, Granada, Iugoslávia, Líbia, Síria, Iêmen, Líbano, Palestina e tantas outras aventuras militares do imperialismo e de governos controlados por ele.
Todas as lutas contra o imperialismo são lutas de libertação nacional. Todas as guerras contra o imperialismo ou países por eles controlados são guerras de libertação nacional. O imperialismo, que impõe uma ditadura mundial, não pode alegar atualmente que suas guerras sejam de caráter democrático ou defensivo. As guerras onde o imperialismo está envolvido são todas guerras coloniais.