Desde que estourou a crise da Operação Contragolpe, a esquerda pequeno-burguesa brasileira tem agido da mesma forma que em todas as demais crises envolvendo crimes, ou supostos crimes atribuídos a Bolsonaro, sua família e aliados, pedindo prisão, independentemente de serem apresentadas provas ou de o fato apresentado configurar, realmente, um crime.
Na última quinta-feira, 21 de novembro, foi publicada no sítio Esquerda Online uma matéria com o título: “Já passou da hora: prisão para Bolsonaro e todos os golpistas!”. Logo nos primeiros parágrafos, lê-se o seguinte:
“A operação ‘contra-golpe’ da Polícia Federal revelou acontecimentos assombrosos. Na casa de Braga Netto, foi traçado um plano para assassinar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes. Militares de alta patente estavam preparados para a ação homicida. Dentro do Palácio do Planalto, foi impresso o passo a passo da estratégia golpista. No cardápio: envenenamento, execução com fuzil e explosão com bombas.”
Por muito pouco, em 15 de dezembro de 2022, não foi concretizada a operação para matar o presidente e o vice-presidente da República eleitos, assim como o presidente do TSE e ministro do STF. Pouco antes, no dia 12, quando da diplomação de Lula no TSE, ônibus e carros foram queimados em Brasília e houve a tentativa de invasão da sede da PF. Mas a ousadia do plano golpista iria além. Em 08 de janeiro de 2023, sob condução de agentes das forças especiais do Exército, os chamados “kids pretos”, ocorreu a invasão fascista das sedes dos Três Poderes.”
Ou seja, no primeiro parágrafo, criminaliza-se o direito de reunião e o livre pensamento, já que não há crime em planejar ou discutir qualquer coisa, a menos que o plano seja colocado em prática, o que não ocorreu. Esse, no entanto, é o único parágrafo em que se apresenta a caracterização do que seria, segundo o Esquerda Online, o crime cometido. No restante do texto, predominam frases de efeito, na tentativa de convencer os leitores sobre a necessidade de prisão dos supostos envolvidos.
Já no segundo parágrafo, observa-se a criminalização de mais ações sem sentido, que podem muito bem se voltar contra a esquerda no futuro. A primeira delas são as manifestações bolsonaristas ocorridas no dia da diplomação de Lula; a segunda, as manifestações de 8 de janeiro de 2023, quando bolsonaristas invadiram e vandalizaram os prédios da Praça dos Três Poderes. Esse episódio foi caracterizado pela esquerda, de forma geral, como um golpe de Estado.
O texto segue:
“As robustas evidências coletadas pela PF ao longo de quase dois anos de investigação mostram que o golpe de Estado foi concebido e coordenado pela cúpula do governo Bolsonaro, com o ex-presidente, Jair Messias, como o chefe supremo da conspiração golpista e com generais quatro estrelas no seu assessoramento direto — notadamente Braga Netto e Augusto Heleno.”
Apesar de “robustas” as provas contra Bolsonaro, como diz o texto, não sequer a apresentação de uma dessas supostas provas. Por que não apresentá-las, se são tão robustas assim e se há tanta certeza do envolvimento de Bolsonaro, em um plano que sequer foi levado adiante e que os envolvidos nem tiveram a capacidade de se livrar das supostas provas? Provavelmente por conta de ser algo tão pequeno e localizado que nunca chegaram a imaginar que poderiam ser indiciados.
Mas o texto não para:
“É preciso haver a decretação imediata da prisão preventiva de Braga Netto e de Bolsonaro. Livres, eles podem destruir provas e seguir articulando crimes. A PF e o STF, sob a liderança de Alexandre de Moraes, devem dar o passo necessário: colocar na cadeia a cúpula criminosa, que buscou estabelecer uma ditadura no país, se utilizando do planejamento de atos terroristas e assassinatos políticos.”
E mais adiante:
“Importa também cobrar da grande imprensa e do Congresso Nacional, a começar pelo presidente da Câmara, Artur Lira, que se mantém em vergonhoso silêncio até agora, para que se posicionem categoricamente perante revelações de tamanha gravidade. O projeto de Anistia para os golpistas, urdido pelo bolsonarismo com a condescendência do “centrão”, precisa ser enterrado urgentemente no Congresso.
Além de Lira, Tarcísio de Freitas se mantém em silêncio completo diante da sinistra revelação do plano de assassinatos. A mídia corporativa, que o chama cinicamente de “moderado”, sequer cobra do governador bolsonarista de SP posição sobre o assunto. Um acinte!”
Primeiro, pede-se que alguém seja colocado na cadeia sem julgamento, sem apresentação de provas consistentes de qualquer crime, e dois anos após o suposto fato — algo aberrante. Em seguida, solicita-se que Alexandre de Moraes, uma das supostas vítimas e que tem colecionado entreveros com os réus, seja o juiz responsável por julgar todo o caso.
Além disso, há o pedido para que a “grande imprensa” (imprensa burguesa) e o Congresso Nacional se posicionem sobre o caso. Ora, o processo sequer foi julgado, e o Esquerda Online já exige da burguesia uma resposta o mais rápido possível.
O texto, como um todo, serve para refletirmos sobre a posição a que chegou a esquerda pequeno-burguesa no Brasil. Desde o início do golpe de Estado até as eleições de 2022, não houve luta nem contra os golpistas, nem contra Bolsonaro. É importante lembrar que, desde 2013, o PCO alertava sobre o golpe de 2016, enquanto a maioria da esquerda se manteve inerte diante da derrubada de Dilma Rousseff. Pelo contrário, parte da esquerda chegou a sair às ruas para defender o golpe de Estado.
Já no que diz respeito a Bolsonaro, o PCO iniciou a campanha “Fora Bolsonaro” ainda antes do segundo turno das eleições de 2018, quando já era evidente a vitória bolsonarista sobre Haddad. A esquerda pequeno-burguesa, no entanto, decidiu não lutar e, durante a pandemia, encontrou o pretexto ideal para permanecer em casa.
Somente em 2021, após centenas de milhares de mortes pela Covid-19 no Brasil, diante de uma crise econômica generalizada e pressionados pelo ato de 1º de Maio organizado pelo PCO na praça da Sé, em São Paulo, é que resolveu sair às ruas. No entanto, o objetivo deixou de ser retirar Bolsonaro do governo, passando a permitir que a direita não bolsonarista se inserisse nas manifestações. Isso acabou por enfraquecer a luta contra Bolsonaro naquele momento e abriu espaço para que uma parte considerável da direita integrasse a chapa de Lula, que acabou eleito.
Agora, o mesmo setor da esquerda que se recusa a sair de casa e a levantar suas bandeiras – o que não ocorre desde junho de 2013 – pede que a burguesia combata o bolsonarismo utilizando um dos congressos mais conservadores desde o fim da ditadura, a imprensa burguesa, a polícia e o STF.
Trata-se de uma terceirização da luta política, o que é natural para quem não pretende lutar contra a direita tradicional nem contra o bolsonarismo. O problema que surge é: vai dar certo? As organizações da burguesia — a mesma que implementou a Ditadura Militar de 1964 e deu o golpe de 2016 — irão proteger a esquerda e a população do bolsonarismo para garantir a democracia? Claramente, a resposta é não.
Assim como a burguesia utiliza as leis conhecidas como “leis do crime de ódio” para perseguir a esquerda que luta pela Palestina, ela usará este caso para retirar ainda mais direitos do povo brasileiro. A esquerda caminha para ajudar a burguesia nisso, acabando com direitos fundamentais como o de livre reunião, o de livre pensamento, o direito de manifestação, entre outros.