O jornalista Gilberto Maringoni publicou um artigo no portal Brasil 247 chamado Notas sobre a disputa em São Paulo. Trata-se de um longo texto, com críticas à postura eleitoral da esquerda, principalmente ao candidato do PSOL em São Paulo, Guilherme Boulos.
Várias das críticas e apontamentos feitos pelo autor do texto são corretos. O que nos interessa aqui é apenas chamar a atenção para um ponto que foge à análise e à crítica de Maringoni, ele mesmo um membro do PSOL.
Para o autor, o principal motivo pela lambança direitista feita nas eleições municipais seria a aproximação com o PT. Assim, o PSOL seria um partido de esquerda, combativo, mas que estaria andando com más companhias.
O PSOL, diz ele, “buscou em todo momento se desviar de alguns dos principais problemas da cidade de São Paulo, como a privatização da energia e a especulação imobiliária, possivelmente para não criar arestas com o PT, seu aliado”. Ou seja, segundo Maringoni, Boulos e o PSOL não defenderam questões fundamentais da esquerda, como a luta contra a privatização porque não queriam desagradar o PT.
Na concepção de Maringoni, Boulos e a direção do PSOL envolvida na candidatura seriam pessoas de instinto combativo, mas foram contidas pelo PT. Da maneira como ele coloca, parece até que o PSOL era contra colocar Marta Suplicy, recém saída da prefeitura de Nunes. Parece até que Boulos se rebelou contra essa ideia e o pobrezinho foi derrotado pelos perversos oportunistas do PT.
Logicamente que nem Maringoni acredita nisso, tanto que, no final do texto, ele lembra as declarações direitistas de Boulos:
“Em outras oportunidades, o psolista se aproximou de teses conservadoras, buscando ampliar um hipotético eleitorado a ser disputado. Em fevereiro último, numa entrevista à rádio Band News, quando confrontado com as críticas do presidente Lula à política genocida de Israel, ele se desviou do assunto: ‘Eu não sou candidato a prefeito de Tel Aviv. Eu sou candidato a prefeito de São Paulo’. Em setembro, à TV Globo, classificou o governo venezuelano como ‘um regime ditatorial’. No mês seguinte, ao UOL, o parlamentar afirmou que a esquerda precisa defender o empreendedorismo como uma das saídas para a população da periferia.”
Os fatos são muito bem lembrados por Maringoni. No caso específico da fala sobre “não ser prefeito de Telavive”, uma colocação abjeta vindo de qualquer pessoa, ainda mais alguém que se passa por esquerda, Boulos não precisou de Lula para ir à direita. Pelo contrário, o próprio relato de Maringoni mostra que a posição de Lula estava muito mais à esquerda que a de Boulos.
A mesma coisa no caso da Venezuela. Embora Lula tenha tido uma política completamente absurda ao não reconhecer a eleição no país vizinho, Lula nunca acusou a Venezuela de ser uma ditadura, posição exatamente igual à dos bolsonaristas, da rede Globo etc. Também nesse caso, Boulos estava à direita de Lula, por livre e espontânea vontade, vontade de ganhar votos a qualquer custo.
Sabemos que Maringoni quer convencer seu partido a não ir ainda mais para a direita, mas não adianta se esconder atrás de uma tese de que a culpa seria do PT. Boulos e o PSOL entraram de cabeça no oportunismo mais rasteiro, de maneira consciente.
Maringoni segue afirmando que Boulos “pagou também o preço por ter se subordinado acriticamente ao lulismo e a um governo federal que se mostra decepcionante, diante das expectativas geradas ao longo de 2022”.
Há muitas críticas a serem feitas ao governo do PT, Maringoni faz algumas. Justiça seja feita, a presença do PT na coligação, não pelas lambanças de sua direção, colocando Marta e defendendo uma política direitistas, mas pela base social que o PT e Lula ainda têm foi a única coisa que evitou que a candidatura de Boulos não perdesse completamente a fachada de esquerdista.
Maringoni fecha os olhos para um fato que deve ser doloroso para quem é membro do PSOL. O que aconteceu nessas eleições é apenas o aprofundamento do que o PSOL sempre foi: um partido político sem programa definido, portanto, um partido burguês, mais precisamente pequeno-burguês.
O oportunismo de Boulos é apenas uma evolução necessária da própria essência do PSOL. Quando o partido apareceu, essa essência ficava disfarçada pelo discurso pseudo-radical contra os governos do PT. Mas bastou o PSOL crescer um pouco, ganhar alguns cargos, para rapidamente se transformar em algo pior do que aquilo que eles criticavam no PT. Boulos, que dominou o partido com um projeto oportunista próprio, é a encarnação disso.
Além disso, nesses 20 anos de PSOL, outro fator jogou bruscamente o partido para a direita: a presença das ONGs financiadas pelo imperialismo. As posições de Boulos contra a Venezuela e os palestinos é a expressão dessa verdadeira infiltração imperialista dentro do partido.
Maringoni, decepcionado com o PSOL, acusa os dirigentes do partido: “agora a tendência majoritária do PSOL caminha no sentido de desfazer aquele impulso rebelde e inconformado”. O que ele não entende é que esse “impulso” era apenas superficial, um discurso sem conteúdo e que se aproveitava da crítica aos primeiros governos do PT.