Editor do Blog da Cidadania e colunista regular do portal de esquerda Brasil 247, o jornalista Eduardo Guimarães publicou um artigo no último dia 18 intitulado Ficar cobrando Gonet é “efeito manada”, defendendo, entre outras coisas, a tese de que o devido processo legal deve ser respeitado no Estado democrático de direito, não considerando, no entanto, a influência da política nas campanhas de perseguições policiais e judiciais. Diz Guimarães que:
“No contexto político, temos um exemplo no bolsonarismo, que consegue direcionar seus militantes para onde quiser, contanto que o influenciador dominante — no caso, Jair Bolsonaro — aponte a direção. Na esquerda mais sanguínea, isso vem acontecendo muito em relação a teorias da conspiração, que também atingem com igual intensidade a extrema-direita.”
A afirmação é falsa, antes de mais nada. Conforme se observou nas eleições municipais em São Paulo, Bolsonaro “apontou na direção” de Ricardo Nunes (MDB), porém, no primeiro turno, quase metade de sua base eleitoral paulistana apoiou Pablo Marçal (PRTB), que, por uma diferença muito pequena, quase acabou indo para o segundo turno contra o apoiado pela cúpula bolsonarista. No caso da esquerda, porém, vemos que, embora o fenômeno também não se verifique, um setor do campo, ligada à pequena burguesia, insiste em tentar emular exatamente esse comportamento e decretar que as bases da esquerda têm, necessariamente, de ir para a direção apontada por Lula.
Uma delas é da suposta necessidade de se defender a política econômica de cortes, sob ameaça de ser implementada pelo mais tucano dos petistas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Outra, é de que a esquerda deve apoiar as loucuras cometidas pelo Judiciário, supostamente, a título de “combater o bolsonarismo”. Sobre isso, diz o autor:
“Seria possível citar muitas teorias da conspiração que certa esquerda abraça tanto quanto certa direita, mas vamos nos concentrar em uma só: a teoria conspiratória de que o Sistema de Justiça brasileiro está fazendo corpo-mole em relação a Jair Bolsonaro.
(…)
Ah, Eduardo, mas Lula foi julgado e preso sumariamente. Já abordei várias vezes o processo que levou o hoje presidente da República ao cárcere, lembrando que a denúncia do Triplex ficou flanando pelo cenário político por cerca de cinco anos até que ele fosse denunciado pelo famigerado Power Point de Deltan Dallagno. Dali em diante, sim, foi rápido: em cerca de um ano e meio Lula foi denunciado, julgado em duas instâncias, condenado e preso.”
Curiosamente, o autor reconhece o papel político de ambos os casos, mas se esquece que, entre a queda do governo do PT e a prisão de Lula, transcorreu-se cerca de dois anos, ao passo que estamos indo para três desde o fim do governo Bolsonaro, sem que as eternamente “iminentes” prisões anunciadas para o líder da extrema direita brasileira tenham se cumprido. Não que devessem, porém. Para o debate que Guimarães se propõe a fazer, é preciso observar que, claramente, há uma diferença significativa na marcha dos acontecimentos, assim como na disposição da justiça em realmente fazer qualquer coisa séria contra Bolsonaro.
Não acontecerá porque ambos servem ao mesmo “mestre”, que, embora despreze Bolsonaro, entende que eventualmente precisará do fascista novamente, algo que a leitura dos editoriais dos principais jornais do Brasil já indica, como do último dia 20 do Estadão, intitulado A alquimia de Lula.
Observando os movimentos políticos como expressões da vontade de indivíduos e não de classes sociais, o deslocamento da burguesia à direita é algo que escapa a Guimarães, mas que é fundamental para compreendermos que o Estado tem donos, que, por sua vez, têm interesses e eles podem divergir em campos identificados como direita e extrema direita. Porém, sua oposição fundamental é contra os trabalhadores, contra a esquerda e os representantes das massas operárias.
Isso pode ser desconsiderado pela esquerda, mas sempre foi e sempre será levado em conta pela classe dominante, até que ela seja definitivamente derrubada de sua posição e sua ditadura seja extinta.