A matéria Milhares de trabalhadores vão às ruas contra a escala 6×1, publicada no sítio A Verdade nesta sexta-feira (15), não responde a uma pergunta simples: como, do dia para noite, surge um movimento para a redução da jornada de trabalho, uma vez que não existe uma pressão correspondente no movimento sindical?
O texto diz que “cidades de todo o Brasil foram palco de manifestações pelo fim da escala 6×1. Milhares de pessoas se mobilizaram nas ruas e praças do país contra esse regime de trabalho desumano e abusivo, em que o direito ao descanso, lazer e cultura é completamente negado aos trabalhadores e trabalhadoras”.
Durante a Constituinte de 1988, havia uma campanha massiva da CUT (Central Única dos Trabalhadores) para a redução da jornada para 40 horas semanais, mas foram concedidas 44 horas, mesmo após uma greve de um mês dos metalúrgicos do ABC. Por isso, soa no mínimo estranho que uma campanha possa surgir apenas pelo recolhimento de assinaturas.
A “explicação” de A Verdade é que “no início da semana, com o impulso que a pauta tomou na sociedade, uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) ligada ao tema foi protocolada pela deputada Erika Hilton no Congresso Nacional. Se aprovada, a PEC acabaria com a escala 6×1 e promoveria um regime onde o trabalhador teria três dias de folga, incluindo o fim de semana”.
De onde viria o tal “impulso” dessa proposta? Talvez pelo fato de esta receber apoio da própria burguesia. A revista Época, do grupo Globo, publicou uma matéria sob o título ‘Fim da escala 6×1: falar de modelos de trabalho mais flexíveis é caminho sem volta’ diz embaixadora da semana de 4 dias.
A revista inicia dizendo que “as discussões sobre o fim da escala 6X1, em que o funcionário trabalha seis dias na semana e folga um, tomaram conta das redes sociais nesta semana. A proposta que ganhou destaque quer acabar com esse modelo ao adotar o trabalho de 4 dias na semana, modalidade testada no país por 19 empresas no começo deste ano.” (grifo nosso). Como se vê, existe uma iniciativa empresarial.
E segue: “Os modelos atuais já se mostraram insustentáveis e, portanto, é necessário discutir formas de trabalho mais flexíveis, na avaliação de Renata Rivetti, fundadora da Reconnect Happiness at Work, empresa parceira da 4 Day Week Global, organização à frente dos projetos-pilotos da jornada de trabalho de quatro dias”. A tal embaixadora, Renata Rivetti é uma empresária ligada a um movimento que está sendo importado. (grifos nossos)
A Época destaca uma fala de Rivetti que diz: “Acho que é uma discussão muito profunda. O que a gente pensa como sociedade? O que a gente acredita? Que está na hora de rever e ressignificar o trabalho. Porque hoje a gente entende que ele não é saudável. Ele é insustentável. As pessoas estão adoecendo. As empresas também vêm perdendo resultados”. “Acho que é um caminho sem volta a gente começar a falar de modelos [de trabalho] mais flexíveis e saudáveis”. (grifos nossos)
O tempo todo aparece o termo “flexível”, pois é disso que se trata. A burguesia está preocupada em flexibilizar as jornadas de trabalho. Nas empresas, de um modo geral, as demandas por trabalho são intermitentes, alternando períodos de ociosidade com períodos de alta produção, por isso que falaram que “as empresas também vêm perdendo resultados”. Com o trabalho “flexiblizado”, essas empresas poderiam montar um banco de horas institucional, em que contrataria os trabalhadores por quatro dias, e pagarão menos por isso, obrigando-os a fazer horas extras nos períodos de maior demanda.
Folga nos finais de semana?
A flexibilização do trabalho, seguramente, e como o próprio termo diz, não prevê o descanso nos finais de semana, fundamental para que todos os trabalhadores possam desfrutar com familiares e amigos. Trabalhadores poderão trabalhar durante os finais de semana e obterem a folga a partir da quarta ou terça-feira.
Em um depoimento colhido pela matéria de A Verdade, lemos: “Não conseguia estudar, não tinha dinheiro sobrando e nem tempo para me divertir com os amigos e a namorada. Se não morasse em uma casa cedida, não teria como pagar aluguel e comer ao mesmo tempo. Isso tudo enquanto trabalhava para um supermercado internacional que fatura bilhões ao ano”. Porém, com a flexibilização da jornada, o rapaz do depoimento, Victor, continuará sem tempo para o lazer ou mesmo para estudar. Quanto ao pouco dinheiro que recebe, a tendência é piorar, provavelmente terá que ter dois empregos, o que é facilitado pela jornada flexível.
Rumo ao socialismo?
Chama a atenção na matéria de A Verdade, que diz que “Esse é o primeiro passo de muitos que virão na luta para derrubar o capitalismo, que é um sistema opressor e de exploração. Hoje, a pauta é o fim da escala 6×1, mas estamos lutando também para construir uma nova sociedade”.
Não dá para acreditar que um movimento apoiado pela burguesia dê qualquer passo em direção ao socialismo. Antes o contrário. O que estamos testemunhando é a esquerda pequeno-burguesa se atirando de cabeça em uma campanha patrocinada pela grande imprensa.
Trata-se de uma arapuca, uma cilada, como é a questão das “mudanças climáticas”, “energias verdes” e outras bandeiras que o imperialismo levanta e a esquerda descabeçada abraça sem refletir.