Nossa redação se deparou com uma pérola nesta semana. O colunista César Fonseca, que publica no sítio Brasil 247 escreveu a seguinte matéria, publicada no dia 14 de novembro: “Terrorismo bolsonarista bombeia candidatura de Lula em 2026”.
O título pode parecer confuso, já que o que a esquerda vem chamando de “terrorismo” foi a tentativa de explodir a escultura A Justiça de Alfredo Ceschiatti, que se encontra na frente do prédio do STF, na Praça dos Três Poderes em Brasília, no dia 13 de novembro. No entanto, a palavra “bombeia”, que pode parecer ter relação com as explosões, não vem do verbo “bombar” nem do “bombardear”, mas sim, do “bombear”, utilizado, por exemplo, quando se enche o pneu de um carro ou de uma bicicleta.
O título do texto, assim como seu corpo, sugere que o suposto atentado terrorista que não conseguiu sequer explodir uma estátua, mas acabou tirando a vida do próprio suposto terrorista, ajudaria a campanha de Lula em 2026, ou, para se usar uma expressão popular ligada ao verbo do título da matéria, o suposto atentado encheria a bola da candidatura de Lula, cuja eleição está prevista apenas para daqui a dois anos.
Qual a relação de uma coisa com a outra? É uma pergunta difícil de se responder. No entanto, o autor da matéria insiste na ideia, vejamos alguns pontos:
A ideia inicial do texto é a seguinte:
“O presidente Lula é o grande beneficiado pelo atentado terrorista na Praça dos Três Poderes, no qual morreu o terrorista bolsonarista de Santa Catarina, Francisco Wanderley Luiz.
O atentado afasta a direita da ultra direita fascista e fortalece o centro-esquerda, beneficiando a candidatura Lula-2026.”
Segundo o articulista, portanto, as duas bombas caseiras atiradas na Praça dos Três Poderes selariam a separação entre a direita e a extrema direita, beneficiando Lula.
“Os ultra radicais se isolam e levam a direita – potencial aliada dos fascistas – a se deslocar para o centro, aumentando sua propensão de apoio ao centro-esquerda, para fugir do estigma do fascismo.”
Segundo o que pensa o autor da matéria, a direita tradicional é pacifista e ficou espantada com a extrema violência praticada em Brasília. Ou seja, a mesma direita que não dá a mínima para a destruição completa da Palestina por Israel e que, mesmo estando dentro do governo de Lula, se mexe para comprar armas de “Israel” e garantir com isso que o estado sionista tenha dinheiro para explodir mais mulheres e crianças na Palestina e no Líbano, seria o pessoal que estaria disposto a se afastar de Bolsonaro por conta de duas bombas incapazes de destruir uma pequena escultura.
A mesma direita que sempre apoiou a perseguição aos sem-terra, que todos os anos realiza a famigerada Operação Verão dedicada ao extermínio lento da população da Baixada Santista e que neste ano matou cerca de 60 pessoas, a mesma direita que apoiou a violenta tentativa de golpe de estado na Venezuela neste ano, é a direita que se choca com fogos de artifício na Praça dos Três Poderes.
Mas não para por aí, vejamos o próximo recorte:
“O terrorismo bolsonarista joga combustível para a candidatura Lula que voltou ao terceiro mandato, lutando contra a hegemonia bolsonarista terrorista neoliberal, levantando a bandeira do pacifismo e do desenvolvimento econômico com distribuição de renda.
A essência fundamental da luta lulista é anti-neoliberal.”
A direita dita moderada, então, não somente se afastaria de Bolsonaro, mas também se afastaria do neoliberalismo. A mesma parcela do governo que impede a extração de petróleo na margem equatorial do Brasil, que impediu que Lula indicasse para a presidência do Banco Central alguém que não fosse neoliberal, a mesma direita que deu o golpe de Estado em Dilma em 2016 e, após isso, acabou com os direitos dos trabalhadores impondo a reforma trabalhista, a reforma da previdência, o Teto de Gastos e outros, seria a direita que romperia com o neoliberalismo por conta do suposto atentado.
A ideia central do texto é a de que a direita tradicional brasileira é bem intencionada e que tem feito todas as maldades contra o povo brasileiro desde sempre não por ser esse justamente seu programa político, refletindo os interesses da burguesia imperialista dentro do Brasil, mas sim, por não ter visto até o dia 13 de novembro de 2024 a explosão de duas bombas capazes tão somente de matar uma única pessoa, justamente o autor do suposto atentado.
Se o texto estivesse correto, seria o caso de transformar Francisco Wanderley Luiz, autor das explosões, em herói nacional, pois seu suicídio é comparável à martirização de Tiradentes. Francisco seria o grande responsável por convencer a burguesia entreguista a deixar de atacar o próprio País em benefício do imperialismo. É praticamente uma ode à atitude idiota de seu Francisco.
O texto, no entanto, segue:
“Graças ao neoliberalismo armado por Bolsonaro e Paulo Guedes, a sociedade se tornou mais violenta em decorrência da maior exploração do trabalho e da redução dos salários, obra da destruição dos direitos sociais sob reforma trabalhista neoliberal.
Os fascistas bolsonaristas tentam destruir Lula com discurso de ódio que o neoliberalismo bolsonarista despertou.”
Aqui, concordamos com a ideia de que o neoliberalismo tem deixado a população mais violenta, o que é completamente normal. A piora na qualidade de vida, o aumento do desemprego, a piora da educação e todos os males que o neoliberalismo desperta na sociedade faz com que o número de crimes aumente no país. Basta ver o que acontece hoje em dia na Europa e nos EUA, por exemplo.
No entanto, não só o governo Bolsonaro não foi o único neoliberal que tivemos – de longe os dois governos de FHC foram mais neoliberais e causaram mais destruição do que os quatro anos de Bolsonaro, assim como os problemas do governo de Temer também são difíceis de se superar – como o fato de o neoliberalismo aumentar a violência na sociedade não comprova a ideia do texto, mas a refuta.
A piora da vida da população leva inevitavelmente à polarização política. Não é somente o bolsonarismo que ganha uma parcela da população com a piora da vida da população, mas também a esquerda. A política neoliberal é levada adiante principalmente por aquilo que é chamado de “centro político”. São os partidos como PSDB, MDB, o antigo DEM e até partidos praticamente bolsonaristas, como o PSD. A população vê a política neoliberal como sinônimo do centro político e passa a buscar respostas mais radicais para lidar com os problemas.
Basta ver como aquilo que vem sendo chamado como “ida ao centro” por parte do governo Lula é a aplicação da política neoliberal. É a política de Haddad, apelidado com carinho pela população de “Taxad”, justamente pela política neoliberal do “mais tucano de todos os petistas”, palavras de Lula.
A confusão se dá, justamente, por se imaginar que a direita tradicional não é violenta e, pior do que isso, que ela abandonaria sua política por medo de fogos de artifício. Acontece que a direita, que já apoiou um governo de Bolsonaro, não deseja o bolsonarismo pois sabe que um novo governo seu polarizaria ainda mais a situação política, o que é perigoso, já que isso inevitavelmente faria a esquerda se radicalizar também. No entanto, quando isso acontecer, não podem sobrar dúvidas de que a direita correrá para o colo de Bolsonaro. Basta ver o caso francês, no qual a esquerda se aliou a Macron para derrotar a extrema direita, venceu as eleições, mas viu a formação de um governo de Macron com a extrema direita contra a esquerda.
O autor do texto segue:
“Os bolsonaristas pensaram alto que a vitória eleitoral municipal garantiria a volta do bolsonarismo.
Mas o germe terrorista antidemocrático bolsonarista cresceu e explodiu na Praça dos 3 Poderes outra vez.”
A pergunta que fica é: os bolsonaristas, que nem assumiram os municípios que ganharam neste ano, deixarão de governar nos próximos quatro anos por causa das explosões na Praça dos Três Poderes? O controle da maioria dos municípios no Brasil, somado ao governo de vários estados, só não configura a “volta do bolsonarismo” porque este nunca se foi.
É uma grande ilusão da esquerda pensar que Bolsonaro morreu por Lula ser o presidente do Brasil hoje. Pior ainda é pensar que o movimento político, que vai muito além de Bolsonaro, desapareceu com a inelegibilidade de seu líder. Vale lembrar que até novembro de 2019, exatos 5 anos atrás, Lula estava preso e impedido de concorrer às eleições.
Faltam ainda dois anos para as eleições presidenciais no Brasil e o que vemos é que a direita só se fortalece, principalmente após as eleições municipais. Além disso, o governo Lula está cercado pela direita por todos os lados e tem sido obrigado a levar adiante uma política diferente daquela pela qual foi eleito.
O autor, então, passa a dizer que Bolsonaro tenta se passar por pacifista, como segue:
“As palavras, como diz Freud, servem para esconder o pensamento.
Bolsonaro tentou se esconder em artigo pacifista na Folha de São Paulo, mas encarna a ideia nos fiéis adeptos do terror.
Ele tenta jogar fora sua fantasia terrorista e vestir a fantasia do pacifista.”
No entanto, Bolsonaro não quer se passar por pacifista. O que ele tenta fazer, como observado em sua matéria publicada na Folha, é se passar por alguém que defende os direitos democráticos da população. O problema reside justamente em que a esquerda acredita na farsa de Bolsonaro.
Após o bolsonarismo, uma parte da esquerda passou a defender o fim de direitos democráticos que a população brasileira conquistou com o fim da ditadura, como o direito à liberdade de expressão. A ideia é a de que a censura por parte do Estado impediria o chamado “discurso de ódio” contra as minorias, os gays, os negros, as mulheres, os transsexuais etc.
Da mesma forma, essa parcela da esquerda também passou a defender todos os desmandos antidemocráticos de Alexandre de Moraes no STF.
Bolsonaro, perseguido pela justiça brasileira, passou a se defender e, para isso, lançou mão dos direitos da população que a esquerda abandonou. Sendo assim, não é Bolsonaro que se veste com uma fantasia de pacifista, mas a própria esquerda que veste em Bolsonaro a fantasia de democrata e veste em si mesma a fantasia de ditador.
Por fim, o autor diz o seguinte:
“Os seus seguidores não obedecem ao pacifismo, porque são a encarnação do ódio destilado pela essência bolsonarista.”
Segundo a ideia do autor, Che Guevara, Mao Zedong, Lênin e Sinuar estariam completamente errados por não serem pacifistas, o que levará a mais uma capitulação gigantesca se a esquerda embarcar nessa ideia. Seria o abandono completo da luta política contra a burguesia por conta de duas bombinhas atiradas em uma praça e que resultaram tão somente na morte de quem as atirou. Parece que quem se assustou com as bombas de seu Francisco não foi a direita, mas o autor da matéria de Brasil 247.