No artigo EUA e Brasil: vitórias do sistema, publicado pelo Brasil 247, Aldo Fornazieri procura apresentar a vitória da extrema direita no Brasil e nos Estados Unidos como uma vitória do regime político – isto é, do “sistema”. O argumento simplório do articulista é o de que Donald Trump, Jair Bolsonaro e Marine Le Pen não seriam verdadeiramente “antissistema” – daí a sua conclusão de que o “sistema” venceu.
Se isso fosse inteiramente verdade, fica então a questão: por que as eleições norte-americanas foram tão polarizadas? Por que Donald Trump sofreu duas tentativas de assassinato, se ele seria simplesmente um representante do sistema? Por que Bolsonaro foi tornado inelegível pelo Judiciário – isto é, pelo “sistema”? Não faz sentido algum.
Seria correto afirmar que tanto Trump, quanto Bolsonaro como Le Pen são representantes da política burguesa. Isto é, fazem parte da classe dominante. No entanto, a extrema direita expressa, sim, uma tendência de rejeição ao regime político de conjunto. Isto é, mesmo que Donald Trump não seja consequente com o que promete, apesar de sua demagogia, a força do trumpismo está não no “sistema” – pois o sistema tentou matá-lo -, mas sim em um movimento que acredita que o “sistema” deveria ser, no mínimo, reformado.
Isso fica evidente no caso recente das eleições alemães. Lá, um partido de esquerda, ao contrário da esquerda norte-americana, decidiu partir para uma política de enfrentamento contra o regime político. Esse partido, o Aliança Sahra Wagenknecht, foi tão bem-sucedido eleitoralmente quanto a extrema direita. Isto é, há uma revolta social contra o regime político, e a votação na extrema direita, independentemente do que pensam ou pretendem as suas lideranças, é expressa essa revolta.
Discutir se Trump é “antissistema” ou não, ou até onde vão as suas contradições com o “sistema” pode ter, em grande medida, um caráter puramente especulativo. A questão é: a que serve a colocação de Fornazieri?
O articulista é claro. Ele critica a esquerda por fazer o balanço de que a extrema direita ganha popularidade ao combater o sistema:
“Leituras de setores liberais e de esquerda acerca dos resultados das eleições presidenciais dos Estados Unidos, que marcaram o retorno de Trump à presidência, e das eleições municipais do Brasil, que garantiram vitórias dos setores de centro-direita, sugerem que os resultados, ao menos em parte, se devem aos discursos antissistema dos candidatos e políticos desses agrupamentos ideológicos. As análises enfatizam, particularmente, que a extrema-direita que cresce em vários países é antissistema. Trata-se de um equívoco que pode levar ao aprofundamento dos graves erros políticos que as esquerdas vêm cometendo.”
O único “equívoco” que poderia ser cometido é o de querer imitar o que faz a extrema direita – ou o que diz que faz – e ser “antissistema”. O que haveria de grave nisso? Nada. Essa é, no final das contas, a única solução possível para a esquerda: romper completamente com o imperialismo e a política neoliberal.
Mas não é isso o que quer Fornazieri. Para ele, a esquerda deve ser apenas uma torcedora do sistema. Não é à toa que ele saúda uma das maiores catástrofes recentes da esquerda europeia:
“Adotar uma postulação programática clara, firme e mudancista não significa que não se possa fazer alianças pontuais com setores de centro para derrotar a extrema-direita quando se faz necessário. Foi isso que a esquerda fez para evitar a vitória da Reunião Nacional no segundo turno das eleições francesas.”
Toda a elaboração de Fornazieri sobre Trump ser ou não “antissistema” tem, portanto, um único objetivo: defender que a esquerda fique a reboque do “sistema”. Defender a política criminosa e covarde da “democracia” contra o “fascismo” – isto é, a política de defesa do imperialismo, dos piores inimigos da esquerda. A defesa intransigente do sistema.