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Brasil

É preciso repetir e repetir: o povo não come PIB

Acadêmico esquerdista fia-se em indicadores nada confiáveis para falar em "sucesso" do governo e "enigma" da impopularidade

No artigo O maior enigma do Brasil publicado no portal Brasil 247, Emir Sader se debruça sobre a surra acachapante sofrida pela esquerda nas eleições municipais para fazer um questionamento no mínimo curioso: “o enigma maior do país reside em que o Lula faz um bom governo, mas as pesquisas não lhe dão um resultado favorável, proporcional ao sucesso do seu governo no plano econômico”. Curioso porque reflete um estado de loucura que acomete ou uma nação de 210 milhões de pessoas, ou o colunista e o setor da pequena burguesia que se expressa por Sader, e que não se ruboriza ao caracterizar a política econômica do governo como um “sucesso”. Diz Sader:

“A economia do Brasil continua tendo no capital especulativo sua espinha dorsal. Revela a atração que a ainda alta taxa de juros exerce, canalizando recursos para a especulação financeira e não para os investimentos produtivos.

Essa situação bloqueia a possibilidade do país retomar um ciclo de crescimento e expansão econômica, apesar da superação da estagnação. A recuperação, pelo governo, do controle do Banco Central pode ser um elemento importante para elevar o ritmo de crescimento da economia.”

O sociólogo dá de barato que a estagnação econômica foi superada, porém não é verdade. O que ocorre é que o Produto Interno Bruto (PIB, a soma das riquezas produzidas por uma sociedade) vem apresentando uma variação positiva, algo que normalmente se traduz em expansão da atividade econômica, um fenômeno que os brasileiros conhecem bem, especialmente quem se lembra da crise inflacionária dos anos 1980 e 1990.

Durante este período, a inflação no Brasil alcançou taxas anuais superiores a 100%, com alguns anos de hiperinflação ultrapassando os 1.000%. O PIB nominal registrava crescimento, mas não refletia uma expansão real da atividade econômica, pois o aumento era impulsionado principalmente pela elevação dos preços.

Oficialmente, a inflação medida pelo IPCA se encontra em 4,76% ao ano, ligeiramente acima do teto de 4,5% da meta estabelecida pelo governo, de 3%. Esses números são extremamente manipulados, de modo que não devem ser tomados como um reflexo real do estágio da carestia no País, mas para o debate que nos propomos, é suficiente lembrar que mesmo terminando no teto de 45%, a escalada dos preços superará o “crescimento” do PIB previsto para esse ano, de 3,4% segundo a Confederação Nacional da Indústria. Esse dado permite uma distorção no indicador do PIB que o torna pouco confiável como referência da atividade econômica real, que sem a inflação, ficaria negativa.

“Bolsonaro está derrotado, mas o bolsonarismo sobrevive, sem que se entenda suficientemente as razões para isso. Nem o governo de Bolsonaro deixou uma herança positiva, nem o sucesso do governo Lula se reflete em um grau de aprovação amplamente majoritário na opinião pública.

O resultado das eleições municipais reflete essa situação. A direita, entre o bolsonarismo, o Centrão e outras expressões da direita e da extrema direita, saíram vitoriosos ao longo de todo o país. O PT manteve resultados razoáveis, dado o previsível enfraquecimento do partido a nível nacional. Significa que o prestígio da liderança do Lula no país não se traduz amplamente em resultados favoráveis ao PT. Os resultados eleitorais municipais mostram que a esquerda não é mais maioria no país.”

Sader insiste em um tipo de política de avestruz, ignorando a realidade e enfiando a cabeça na areia com o argumento de que “Bolsonaro está derrotado”. Nada mais falso e perigoso. Bolsonaro não apenas continua politicamente ativo, mas seu movimento elegeu representantes em várias capitais importantes, reforçando a influência da direita no país.

A “derrota” de Bolsonaro, na visão de Sader, é uma negação total do que ocorre diante dos olhos de qualquer um. O bolsonarismo, longe de ser uma sombra do passado, permanece vivo e atuante, explorando justamente a incapacidade do governo Lula de governar com as massas populares, com medidas que valorizem a expansão da atividade econômica a patamares capazes de acomodar também a imensa maioria dos desempregados, dando dinamismo real à economia e melhorando os padrões de vida da população.

O “sucesso do governo Lula” no plano econômico, como apregoa Sader, é uma fantasia criada para enganar tolos. Sader fala em “sucesso”, porém o custo de vida para a maioria dos brasileiros se torna cada vez mais insuportável. A lógica é simples: quem não sente no bolso não se convence por propaganda.

A verdade é que, enquanto o governo se ocupa em divulgar indicadores de PIB, desemprego e inflação, a realidade das pessoas é de salários arrochados e dificuldades cotidianas para fechar o mês. Ao afirmar que “o sucesso do governo não se reflete em um grau de aprovação amplamente majoritário”, o acadêmico tenta transformar o fracasso evidente em uma questão de percepção. Mas a população não é enganada tão facilmente, pois sente, dia após dia, os efeitos dessa política econômica que beneficia o capital financeiro e não resolve a vida dos trabalhadores.

Sader também comete o erro grotesco de reduzir a situação ao “enigma” da economia brasileira. O verdadeiro enigma, se é que existe, é a capacidade de setores da esquerda em ignorar o que está acontecendo nas ruas. A política do governo Lula tem favorecido bancos e grandes corporações enquanto os trabalhadores continuam a sofrer. A realidade, no entanto, é que a maioria dos brasileiros não vê essa recuperação e, consequentemente, não tem motivos para apoiar o governo.

O povo não come PIB, não vive de propaganda e não se alimenta de discursos de “sucesso” que nada significam para a sua realidade. Para conquistar o apoio popular não passa por manipular indicadores ou criar fantasias, mas por atender os interesses da população.

A burguesia pode se dar ao luxo de manter vigaristas no poder e vendê-los como grandes líderes, pois controla a imprensa e os demais aparatos estatais que criam essa ilusão. Com a esquerda, no entanto, não é possível reproduzir as táticas direitistas. A única força do campo está na luta pela melhoria real das condições de vida da população.

Repetir e repetir que o povo não come PIB é lembrar que a única vitória possível para a esquerda é ao lado dos trabalhadores e não defendendo uma política econômica que torna incompreensível a razão da crise no apoio popular a Lula. Essa crise não é outra coisa, mas reflexo do que propagandistas como Sader lutam para esconder: sem uma guinada total na economia e usando manipulações para disfarçar o fracasso do governo até aqui, a única coisa que a esquerda conseguirá são debates metafísicos sobre o fortalecimento da extrema direita e a crise da esquerda.

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