Na última segunda-feira (4), o portal Esquerda Online publicou um artigo intitulado “Pela derrota de Trump, a ameaça fascista”, propondo-se a apresentar o que seria uma posição marxista quanto às eleições nos EUA. Apesar de publicada antes do resultado eleitoral, acreditamos ser útil contrapor os argumentos defendidos na peça. Vejamos.
“Donald Trump não representa apenas uma versão mais conservadora e reacionária da direita estadunidense. Trump é um fascista e lidera a extrema direita internacional. Sua aposta estratégica é a da supressão das liberdades democráticas, para impor, aos poucos, nos EUA e em toda parte, regimes autoritários de extrema direita.
O supremacismo branco descarado, a misoginia incontida, o ódio visceral aos imigrantes, o negacionismo climático bárbaro, o anticomunismo febril, entre tantas outras aberrações, estão no centro de seu programa. Trump encarna a resposta contrarrevolucionária, em versão neofascista, à crise do capitalismo e ao declínio paulatino do imperialismo norte-americano. O triunfo do republicano será comemorado efusivamente por Bolsonaro, Milei, Bukele, Putin, enfim, pelo conjunto da extrema direita global, que se verá fortalecida em seu projeto estratégico.”
Aqui vemos como as ideias apresentadas pelo Esquerda Online não correspondem à realidade. De fato, o que temos é um subjetivismo total. Se fala que Trump é um fascista repetidas vezes, mas tomemos algumas acusações mais concretas: a tal liderança da extrema direita internacional e a estratégia de supressão das liberdades democráticas.
Até o momento, comparando Biden e Trump, o governo que mais impôs golpes pelo mundo, colocando no poder a extrema direita, foi o governo Joe Biden. Ora, se fala no governo Putin, um governo nacionalista de tipo conservador, como se fosse uma ditadura, muito bem. E o governo ucraniano, apoiado em milícias nazistas, fruto de um golpe promovido por Joe Biden? A ofensiva russa na Ucrânia, contra a OTAN, se deu após oito anos de bombardeio de civis no Donbas pelo governo de Vladimir Zelenski. E que dizer da América Latina, dos inúmeros golpes, como o golpe de 2016, prosseguido pela retirada de Lula das eleições em 2018, que colocou Bolsonaro na presidência do Brasil?
Só isso evidencia que as demais acusações não significam coisa alguma. O supremacismo de Trump o faz mais genocida do que Kamala Harris e Joe Biden? Não há análise marxista alguma. Não se fala em que setores da sociedade dão base a Trump ou a Harris, não há um argumento materialista. Vamos à supressão das liberdades.
O Partido Democrata, impulsionador da política identitária, e seus aliados políticos e servos têm travado uma ofensiva contra as liberdades democráticas por quase todo o planeta. Nas redes, a censura se expande gradativamente. Falar sobre a Palestina, em determinados veículos, é quase impossível. Processos pelo chamado antissemitismo abundam, na busca por reduzir a oposição ao genocídio perpetrado pelo imperialismo. E o que Trump tem feito? Campanha, apesar de demagógica, contra essa censura. E diz o Esquerda Online:
“Não temos nenhuma ilusão em Kamala Harris e no partido democrata. Não há dúvidas de que o governo Biden tem as mãos sujas de sangue palestino. Não há dúvidas de que a vitória da democrata não interromperá o apoio estadunidense ao genocídio em Gaza, à guerra na Ucrânia, ao bloqueio à Cuba e nenhuma outra ação perversa do imperialismo ianque pelo globo. Não há dúvidas, portanto, de que Kamala e o partido democrata são, por sua natureza de classe capitalista, inimigos dos povos oprimidos e da classe trabalhadora dentro e fora dos EUA. Não há dúvidas, por fim, de que será preciso construir a luta contra o governo democrata, se eleito for.
Mas entendemos que Trump e Kamala não são iguais. Porque não é indiferente à humanidade se no comando dos EUA estará um fascistóide. Não é indiferente aos milhões de imigrantes ameaçados de deportação em massa, aos negros, às mulheres, às LGBTs, à luta contra o ecocídio, à defesa das liberdades democráticas em todo mundo. Não é indiferente nem mesmo ao povo palestino. Ou há dúvidas de que o apoio de Trump aos sionistas-fascistas em Israel será ainda mais intenso e indiscriminado do que o dado por Biden até aqui?
Em particular, para o Brasil e a América Latina, o impacto será brutal. A vitória de Trump dará um impulso gigante a Bolsonaro, a Milei, na Argentina, a Kast, no Chile, ao golpismo na Colômbia e na Venezuela. A ofensiva neofascista inevitavelmente se intensificará.”
É curioso o enorme parágrafo elencando os crimes do setor majoritário do imperialismo representado pelo Partido Democrata, para tão desavergonhadamente na sequência prestar-se ao papel de apoiá-lo. Até o momento, Trump vem falando em pôr fim à guerra na Ucrânia e ao genocídio na Palestina. Se de fato colocará essas questões, ou se terá condição de implementá-las, não é possível saber. E que medidas o governo Biden promoveu em favor do negros, imigrantes, e etc.?
“Os acontecimentos quando da ascensão do nazi-fascismo, no século passado, jogam luz à questão abordada neste editorial. Hitler e Churchill, Roosevelt e Mussolini, todos lideraram governos capitalistas responsáveis por massacres e genocídios. De modo que mereciam apenas o justo desprezo e ódio dos trabalhadores e povos oprimidos. No entanto, corretamente, a então União Soviética fez uma unidade tática com os ‘Aliados’ na guerra. Porque não se tratava somente de um confronto entre potências imperialistas, como na 1° Guerra Mundial. Dizia respeito também à luta contra o triunfo do nazifascismo em escala mundial.”
Ora, a “união tática” do stalinismo com o imperialismo dos Aliados nada mais foi que fruto do ataque sofrido, por parte da Alemanha. Se tratou de fato de uma guerra imperialista, com a diferença de que o Estado operário, governado pelo stalinismo, deixou o movimento operário à míngua, levando ao crescimento e à vitória do fascismo na Itália e na Alemanha.
“Os setores da esquerda que dizem que não importa se vence Trump ou Kamala, que ambos são ‘farinha do mesmo saco’, ignoram o perigo do fascismo representado pelo republicano. Cometem o mesmo erro que os comunistas ultra esquerdistas, os quais, à sua época, diziam que o fascismo e a socialdemocracia eram ‘duas faces da mesma moeda’, na medida em que ambos encarnavam projetos capitalistas nas grandes potências.”
A união da social democracia com o fascismo, contra os comunistas, no período anterior, levou à derrota histórica dos trabalhadores que permitiu a ascensão contrarrevolucionária do fascismo. Contudo, isso não se deu eleitoralmente, uma leitura extremamente superficial. Mais que isso, comparar Kamala Harris à social democracia é um tanto quanto forçado, tendo em vista a ligação da social democracia com a classe operária, algo que difere totalmente do setor majoritário do imperialismo representado por Kamala Harris. E o confirma o Esquerda Online:
“O partido democrata é a representação política de um amplo setor da poderosa burguesia norte-americana. Seus governos estarão sempre umbilicalmente ligados aos interesses da rapina das grandes corporações nos países periféricos. Fomentam guerras, promovem golpes, patrocinam genocídios, usurpam a riqueza, endividam países, destroem o meio ambiente. Se vestem de democratas, fazem juras de amor aos direitos humanos, vendem a promessa de liberdade. Pura falsidade. Basta olhar a longa e sombria história de seus governos.”
Logo antes de, novamente, escancarar uma capitulação, apesar de envergonhada, diante do imperialismo.
“Por consequência, o voto tático em Kamala, nos estados ‘pêndulos’ (onde a disputa está indefinida e cujo resultado definirá o vencedor nacional) tem um único, mas importante significado positivo: servir como instrumento para impedir que Trump, o fascista, assuma o poder da maior potência do planeta e, assim, acelere a ofensiva da extrema direita em todo mundo. Nos estados onde antecipadamente já se sabe quem vencerá, Trump ou Kamala, nos parece correta a opção dos socialistas norte-americanos pelo voto em candidaturas minoritárias à esquerda, como a de Jill Stein e a de Cornel West.
Em suma, nossa posição é: Trump, não!”
Em suma, a posição do Esquerda Online é: Kamala, sim!
Não cabe a qualquer grupo marxista apoiar um setor do imperialismo contra o outro, mas apresentar um programa próprio da classe operária aos trabalhadores. Assim como o fascismo não ocorre por causa de eleições, também não decorre delas uma revolução, ou mesmo a oposição ao fascismo. É preciso organizar os trabalhadores, e é a isso que o Esquerda Online não se propõe.