O artigo Lula tem oposição de esquerda, publicado em 4 de novembro pelo Brasil 247, é parte de uma campanha de calúnias do blogueiro Eduardo Guimarães contra aqueles que se negam a baixar a cabeça para a política capituladora e pró-imperialista do governo Lula diante da tentativa de golpe na Venezuela. O blogueiro deu início a essa campanha em artigo anterior, publicado no dia 3 de novembro e intitulado A volta das ‘burradas’ de Junho de 2013.
No texto de 3 de novembro, Guimarães nos ensina que:
“A mesma esquerda que derrubou a popularidade de Dilma em junho de 2013, abrindo as portas para o golpe de 2016, é a esquerda que critica Lula impiedosamente hoje porque ele não se dispõe a perder a respeitabilidade em um mundo que condena veementemente a patranha eleitoral de Nicolás Maduro. A mesma esquerda radicalizada que derrubou Dilma, agora ataca Lula sem parar em defesa não de melhorias na Educação, na Saúde, no emprego etc., mas em defesa do ditador venezuelano, que, segundo o Instituto Vox Populi, a maioria da esquerda rejeita — por razões de uma clareza solar.”
Antes de qualquer coisa, é preciso sinalizar que o blogueiro confunde três processos políticos completamente distintos. As jornadas de 2013 foram o resultado de um verdadeiro levante popular contra a política neoliberal, responsável pelo aumento das tarifas de transporte e pela repressão, e não um movimento contra o governo federal. A derrubada de Dilma Rousseff ocorreu em 2016, por meio de um golpe de Estado organizado pelo imperialismo e que procurou encobrir o seu caráter autoritário por meio de manifestações de rua artificiais. Por fim, o governo Lula está, claramente, em uma política de colaboração com o imperialismo em questões cruciais, como a crise na Venezuela, a crise na Palestina e a política econômica interna.
Dito isso, agora é hora de dar nome aos bois. Quem saiu às ruas em 2013? Manifestantes de várias organizações distintas, incluindo uma juventude que não era de organização alguma. E em 2016, quem saiu às ruas em favor do golpe? Pela direita, o que hoje seria chamado de “bolsonaristas”. Pela “esquerda”, o PSTU e correntes do PSOL. E quem saiu às ruas contra o golpe? A CUT, militantes do PT, o PCO e várias organizações que compunham a Frente Brasil Popular.
E hoje, quem está a favor do golpe na Venezuela? Quem é que está acusando Nicolás Maduro de fraude eleitoral? Não é o PCO, nem o PT. São aqueles mesmos que estavam nas ruas pedindo a derrubada do governo de Dilma Rousseff. Isto é, são o PSTU e correntes do PSOL – e, é claro, a direita. O governo Lula, ao se juntar às hostilidades à Venezuela, está se somando aos golpistas de 2016.
Contrastar a defesa do povo venezuelano em sua luta contra a ingerência imperialista com as melhorias na saúde e na educação é simplesmente uma desonestidade por parte de Eduardo Guimarães. A posição do governo Lula em relação à Venezuela não está garantindo ao povo brasileiro absolutamente nenhum avanço. Criticar a política externa brasileira em nada atrapalha a educação – trata-se apenas de um truque para tentar calar aqueles que denunciam o caráter direitista do governo.
Tudo o que Lula está conseguindo fazer ao capitular diante do imperialismo na questão da Venezuela é demonstrar fraqueza diante de seus inimigos. Demonstrando fraqueza, Lula não terá mais facilidades para aprovar medidas que favoreçam a saúde e a educação. Pelo contrário, terá ainda mais dificuldades.
Vejamos, agora, o que Guimarães diz em seu segundo texto. O autor começa falando que da “visão irracional de setores da esquerda que atacam o governo que nos separa do neonazismo bolsonarista por exigirem que o presidente Lula se acumplicie ao golpe eleitoral na Venezuela, enquanto minimizam um risco que assombra a humanidade apenas porque Donald Trump é amiguinho de Vladimir Putin”.
Essa colocação traz a vantagem de tornar ainda mais explícito quem é o alvo da crítica de Guimarães. Apesar de o blogueiro não ter coragem de dizê-lo abertamente, não há espaço para dúvida: Guimarães está incomodado com a política que vem sendo defendida pelo Partido da Causa Operária (PCO). Afinal, este é o único partido que, em contraste com a covardia do governo Lula, fala abertamente que Kamala Harris é o que poderia haver de pior para a América Latina.
Chama a atenção, no entanto, o caráter calunioso da fala de Guimarães. Em vez de discutir o mérito das críticas do PCO à política do governo Lula, o blogueiro tenta apresentar o PCO como um suposto simpatizante do fascistoide Donald Trump. Não há nada disso: o que o PCO defende simplesmente é que o papel da esquerda não pode ser o de torcer pela vitória da genocida Kamala Harris, mas sim o de denunciar o regime político norte-americano e lutar por uma alternativa dos trabalhadores.
Guimarães segue, então, dizendo que o PCO “faz isso achando que não está fazendo e que é sua obrigação criticar o governo se este não seguir, ipsis litteris, a cartilha ideológica de gente que crê em revolução socialista em pleno século 21”. Pode parecer estranho para alguém que apoie um partido como o PT, que não tem um programa definido e que está infestado de burocratas que se importam somente com os cargos públicos que irão ocupar. No entanto, fato é que o PCO é um partido de programa – um partido que defende não os “amigos”, mas os seus princípios. Se o objetivo do PCO for servir de claque para algum governo, então não há necessidade de o partido existir. Se o partido não luta por seu programa, não luta por fazer o seu programa ser compreendido e assimilado, então não merece existir.
O que é especialmente preocupante é alguém que apoie um governo de esquerda com a concepção de que a crítica seja algo necessariamente negativo. Se o governo realmente defende os interesses da população, por que estaria preocupado em suprimir as críticas?
O pior, contudo, ainda estaria por vir. Guimarães nos ensina que:
“Enquanto a centro-esquerda e a centro-direita enxergam um risco inaceitável e ameaçador no bolsonarismo, essa gente não está nem aí. Enquanto o Mundo Livre se assusta com as sandices e ameaças de Donald Trump, os kamikazes de esquerda dizem que não têm a menor preocupação com ele e que o barato deles mesmo é santificar Nicolás Maduro, Vladimir Putin, Daniel Ortega e outros bichos.”
Trata-se, acima de tudo, de uma confissão. Guimarães, ao dizê-lo, está praticamente dizendo que não é de esquerda. Afinal, para o blogueiro, a política correta a ser seguida seria a da “centro-esquerda” e da “centro-direita”, seja lá o que isso queira dizer. Caso o blogueiro não lembre, são justamente os setores que participaram do golpe de Estado de 2016: PSB, PDT, PSDB, MDB, PSD etc. Guimarães, então, nos brinda com a seguinte ideia: “a oposição de esquerda a Lula quer também um estelionato eleitoral de Lula contra a Frente Ampla que lhe permitiu se eleger. Não aceita que os setores de centro-direita dessa rede participem do governo, não aceita o Marco Fiscal, não aceita a Reforma Tributária, não aceita responsabilidade fiscal, não aceita medidas que nos estão levando ao Grau de Investimento”.
A grande divergência de Guimarães com o PCO e com a base do PT, portanto, é que o blogueiro expressa o desespero do presidente Lula de se manter na presidência da República, mesmo que isso signifique virar as costas para quem o elegeu. Lula não deve nada aos bandidos da frente ampla – não foram eles que o elegeram. No entanto, ao se comprometer com a política neoliberal e às agressões imperialistas contra a Venezuela, está se preparando para um estelionato eleitoral contra o povo.