Após mais de um ano do conflito em Gaza, o Hamas continua amplamente mal compreendido. Devido à deturpação persistente pela imprensa, o grupo é frequentemente comparado ao Estado Islâmico do Iraque e Síria (EI, um grupo terrorista cuja criação é atribuída ao serviço secreto britânico) usado para justificar as táticas militares agressivas de “Israel” e até retratado como um grupo supostamente criado e controlado por “Israel”.
Há algumas semanas, publicamos a primeira parte desta série de vídeos. Nela, explicamos as origens do Hamas, distinguindo fatos de mitos sobre o financiamento do grupo, a conjuntura histórica e como ele emergiu como o partido islâmico mais popular na Palestina.
Neste vídeo, examinamos o argumento de que o Hamas, junto com uma facção marginal da direita israelense, foi responsável por descarrilar as chamadas negociações de paz, que visavam assegurar uma solução de dois Estados. Como é frequente em questões como esta, a discussão exige uma análise cuidadosa da história.
Quando a Declaração de Princípios foi assinada entre a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e “Israel” em setembro de 1993, marcou-se o fim da Primeira Intifada. Esta grande revolta palestina trouxe o Hamas à proeminência como força política. Muitos viam os Acordos de Oslo como um farol de esperança, uma chance de paz na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. No entanto, o caminho para o fracasso já havia sido traçado muito antes de o Hamas se tornar um fator significativo.
Para entender por que Oslo fracassou, precisamos voltar a 1974, quando o presidente da OLP, Yasser Arafat, discursou na ONU, oferecendo paz, ao mesmo tempo que mantinha o direito à luta armada. Isso ocorreu após a emissão do plano de dez pontos da OLP, que muitos consideravam um passo em direção ao diálogo com “Israel”.
A resposta de “Israel” foi rejeitar o que descreveu como uma “ofensiva de paz” de um grupo terrorista. Curiosamente, o primeiro-ministro de “Israel”, Yitzhak Rabin, que outrora rotulou a OLP como organização terrorista, viria a assinar os Acordos de Oslo com Arafat.
Então, o que mudou?
Em 1981, a Liga Árabe havia ratificado a Iniciativa de Fez, defendendo uma solução de dois Estados — uma proposta que a OLP estava disposta a considerar. No entanto, a resposta de “Israel” não foi a paz, mas sim a guerra.
Em 1982, “Israel” invadiu o Líbano, forçando a OLP a fugir para a Tunísia e resultando na morte de cerca de 20.000 palestinos e libaneses. Esse conflito enfraqueceu severamente a OLP, diminuindo sua capacidade tanto para a resistência armada quanto para a liderança política.
Quando a Intifada Palestina eclodiu no final da década de 1980, a OLP lutou para controlar a revolta, que era liderada localmente nos territórios ocupados. Durante a Intifada, a OLP também perdeu o apoio de um de seus principais financiadores, o Cuiate, após se alinhar com o presidente iraquiano Saddam Hussein durante a Primeira Guerra do Golfo. Enquanto isso, “Israel” enfrentava uma crise de relações públicas, com imagens de jovens palestinos atirando pedras contra tanques, criando uma propaganda de Davi contra Golias que “Israel” achou difícil de contornar.
Reconhecendo o insustentável peso econômico e de segurança da ocupação, o primeiro-ministro Yitzhak Rabin — infamemente apelidado de “quebrador de ossos” pela repressão brutal a protestos não violentos — acabou aceitando um acordo com a enfraquecida OLP. Isso levou à criação da Autoridade Nacional Palestina, transferindo responsabilidades administrativas e de segurança nas Áreas A e B da Cisjordânia e Gaza, retirando-as de “Israel”. “Israel” manteve o controle total sobre a maior parte do território, designada como Área C.
O arranjo foi ainda mais vantajoso para “Israel”, já que a Autoridade Palestina foi financiada pelos EUA e pela União Europeia, tornando o custo da ocupação nulo para “Israel” e permitindo-lhe alocar recursos militares em outras áreas.
O Hamas, que havia emergido durante a Intifada, rejeitou os Acordos de Oslo, assim como outras facções palestinas. Em 1995, após o fascista sionista Baruch Goldstein massacrar palestinos em oração na Mesquita de Ibrahimi, na Cisjordânia, o Hamas lançou uma série de ataques suicidas. Mais tarde naquele ano, Rabin foi assassinado pela extrema direita israelense, e em 1996, Benjamin Netaniahu chegou ao poder, agravando a situação em direção a mais violência e instabilidade. Isso levou à Segunda Intifada em 2000, após o colapso das esperanças para uma solução de dois Estados.
O Hamas é frequentemente responsabilizado pelo fracasso das negociações de paz e pela recusa do governo israelense em ceder. No entanto, o grupo estava longe de ser o primeiro a usar ataques suicidas — a Jiade Islâmica Palestina introduziu essa tática em 1989, com vários grupos realizando ataques semelhantes ao longo da década de 1990.
O auge desses ataques ocorreu durante a Segunda Intifada no início dos anos 2000, sendo o Hamas responsável por 39,9% dos mesmos. Fatá, Jiade Islâmica e, especialmente, a organização socialista marxista-leninista FPLP foram responsáveis pelo restante. A violência do Hamas veio como resposta direta às políticas violentas de “Israel”, incluindo a contínua expansão de assentamentos, o apartheid e, claro, a ocupação militar em curso, fatores que desempenharam um papel significativo no fracasso do processo de paz.
Mesmo com a repressão aos grupos armados palestinos na Cisjordânia, especialmente durante a Operação Escudo Defensivo de “Israel” em 2002, a resiliência do Hamas em Gaza obrigou “Israel” a repensar sua abordagem. Em 2005, “Israel” se retirou de Gaza, mas não antes de assegurar o controle sobre a Cisjordânia, reestruturando e reaproveitando as forças de segurança da Autoridade Palestina para garantir sua coordenação com as forças de ocupação israelenses.
Governos israelenses sucessivos, incluindo aqueles liderados pelo partido Likud de Netaniahu, continuaram expandindo assentamentos em flagrante violação do direito internacional, enquanto culpavam o Hamas pelo progresso paralisado. A propaganda de uma suposta aliança radical Hamas-Netaniahu, promovida por alguns sionistas liberais, foca menos nas ações do Hamas e mais em desviar a responsabilidade das políticas de “Israel”.
Na era pós-11 de setembro, o extremismo islâmico se tornou um conveniente bicho-papão para “Israel”. Em 2008, o próprio Netaniahu declarou que os ataques de 11 de setembro foram benéficos para “Israel” porque havia encontrado um novo equivalente à União Soviética no Irã e à OLP no Hamas, armando-se com duas novas ferramentas de propaganda. A primeira era afirmar que a Autoridade Palestina não era uma negociadora racional pela paz, e a segunda era enquadrar o próprio “problema do tipo Al-Qaeda” de “Israel”, usando o espectro do terrorismo islâmico como distração.
Emprestando da estratégia consolidada pela administração Bush pós-11 de setembro, hoje Netaniahu afirma que 7 de Outubro foi “o 11 de setembro de Israel.” É o mesmo artifício que ele usou para defender — duas vezes — a ação militar dos EUA no Iraque. No entanto, a Al-Qaeda era uma organização terrorista transnacional cujos fundadores foram armados e treinados pela CIA para enfrentar um governo apoiado pela União Soviética no Afeganistão. A única semelhança real entre Al-Qaeda e Hamas é que compartilham uma mesma fé, o Islã sunita. No entanto, cada organização tem objetivos e origens distintos: a Al-Qaeda surgiu como resposta transnacional às guerras dos EUA no Oriente Médio, enquanto o Hamas foi fundado com foco na libertação nacional palestina.
Enquanto o Hamas e outros movimentos armados palestinos podem ter sido usados como justificativa para a postura linha-dura de “Israel”, ele não foi o principal fator no fracasso do Processo de Paz de Oslo. As raízes desse fracasso residem em múltiplas variáveis: as decisões estratégicas de “Israel”, sua ocupação contínua, o apoio incondicional dos EUA a “Israel” e a dinâmica mais ampla da resistência palestina. Suponha que o Hamas fosse realmente a questão central no fracasso de Oslo. Por que “Israel” continuaria a expandir assentamentos, atacar civis e apertar seu controle sobre a Cisjordânia — uma região onde, ao contrário de Gaza, a Autoridade Palestina promove a não-violência e suprime ativamente aqueles que resistem à ocupação pela força?
A questão é menos ideológica e mais sobre o fato de que os palestinos estão engajados em uma luta armada pela sua existência contra a expansão de um projeto colonial de assentamento em sua terra — uma abordagem que remonta à Revolta Árabe de 1936 e anteriormente. Quase todas as principais facções políticas palestinas, sejam elas de orientação secular-nacionalista, marxista ou islâmica, foram rotuladas como organizações terroristas por “Israel”, com a notável exceção da corrente majoritária do Fatá, que governa a Autoridade Palestina. No entanto, antes dos Acordos de Oslo, até mesmo o Fatá era apontado por “Israel” como um obstáculo à paz.