No último domingo, dia 3 de novembro, o portal Brasil 247 publicou um artigo assinado pelo editor do Blog da Cidadania, Eduardo Guimarães, intitulado A volta das ‘burradas’ de Junho de 2013. Começa Guimarães:
“O Brasil que vemos hoje era um país progressista no mês anterior à eclosão das ditas ‘jornadas de junho de 2013’. No mês subsequente, era um país radicalizado e entregue às perversões de uma extrema-direita que aguardara pacientemente no armário a chance de voltar a nos atormentar tal qual um zumbi redivivo.
“No primeiro dia do sexto mês do ano da graça de 2013, pesquisas sobre a popularidade da presidente da República lhe davam números estratosféricos de aprovação — entre 60 e 65 por cento. Ao final daquele mês infame, a aprovação quedava entre 29 e 32 por cento.
“Dilma Rousseff não matara ou roubara, não espancara nenhuma velhinha. E ninguém sabia explicar por que sua popularidade despencara. O país ia bem: nível de desemprego próximo ao pleno emprego, salários subindo, desigualdade e pobreza despencando, investimentos (estrangeiros e nacionais) em nível historicamente recordista…
“Ninguém entendia a queda de popularidade. Exatamente como hoje.”
O primeiro problema no texto é a caracterização de que a população, ao protestar, radicalizou o País. Algo que não faria o menor sentido, porque, afinal, o que teria gerado os protestos? Guimarães inverte causa e consequência para condenar a revolta que eclodiu em 2013. Logo depois, Eduardo Guimarães ignora a campanha golpista do imperialismo, da imprensa pró-imperialista dita nacional, como Folha, Estado, Globo, etc., que encomendaram pesquisas de popularidade para dar base à campanha, ou seja, com resultados absolutamente suspeitos, no mínimo. Para Guimarães, quem deu o golpe não foi o imperialismo, mas a esquerda. O texto é uma procissão de ocultações do papel central do imperialismo no golpe.
A legitimação das tais pesquisas flagrantemente fraudulentas, uma delas, e veremos o porquê na própria escrita de Guimarães: “ninguém entendia a queda de popularidade.” Ora, é lógico, as manifestações, afinal, não eram dirigidas contra o governo federal, portanto, o que se mostra é a farsa das pesquisas. O movimento então era dirigido contra os governos estaduais de direita, em particular em São Paulo e no Rio de Janeiro, primeiro pela questão das passagens, e logo em seguida, o que deu vulto de fato à coisa, contra a brutal repressão da polícia militar. Isso foi flagrante em todos os locais.
Para disfarçar o que ocorre no momento, contudo, Guimarães confunde os cenários declarando “exatamente como hoje”. Vejamos:
“Os empresários resistem, mas logo terão que começar a aumentar salários para roubar trabalhadores um do outro.
“E a surpresa: a popularidade de Lula é medíocre. Empata com a reprovação. Mas o pior não é isso. Se você entrar nos fóruns de discussão na internet, vai ver uma montanha de esquerdistas revoltados com Lula porque ele não tem como passar o vexame internacional de reconhecer uma das fraudes eleitorais mais escancaradas de que se tem notícia.”
Não há semelhança alguma. O governo Lula, durante a eleição, era visto como um retorno da prosperidade, como a reversão do golpe, o que não aconteceu. A economia permanece estagnada, e apesar disso, o governo não está sendo muito criticado nesse sentido, apesar da permanência dos preços elevados em todas as áreas, apesar do desemprego generalizado.
O blogueiro, então, parte para uma comparação infeliz com a Venezuela:
“Durante cerca de duas décadas estive dezenas de vezes na Venezuela. Inclusive quando a tal María Corina Machado e Pedro Carmona, presidente da ‘Fiesp’ venezuelana, a Fedecámaras, deram um golpe e sequestraram Hugo Rafael Chávez Frías, presidente constitucional do país, que voltou três dias depois nos braços do povo… (…)
“Chávez foi um herói. Enfrentou as forças do regime de Carlos Andrés Pérez para combater um massacre de grandes proporções desencadeado após uma explosão social espontânea em Caracas, na Venezuela, no dia 27 de fevereiro de 1989, em repúdio ao aumento do preço do transporte coletivo com a população mergulhada na miséria.
“Chávez ficou indignado ao ver como milhares de manifestantes do povo foram massacrados pelas forças do exército venezuelano, durante o Caracazo.”
Uma onda de protestos difusos fruto da insatisfação popular, catalisado por um aumento no preço de transportes. Ora, mas é justamente de tal ascenso popular que saiu o governo de Hugo Chávez, prosseguido por Nicolás Maduro. Fato é, a diferença fundamental com 2013 é que no Brasil, a esquerda falhou em se somar às manifestações e em traçar uma política que conseguisse acompanhar o movimento, o que levou as manifestações de 2013 à confusão política e à derrota, e ao ascenso de uma direita contrarrevolucionária, em contraponto ao movimento popular anterior.
“Pela primeira vez as eleições venezuelanas perderam a transparência, ao ponto de que o Centro Carter, a ONU e outros observadores questionaram a lisura do pleito.”
Vemos aqui outro exemplo de quem determina a política de Eduardo Guimarães, o Centro Carter, dos EUA, e a ONU, ferramenta do imperialismo. Guimarães se esquece que as eleições venezuelanas foram questionadas dezenas de vezes após a chegada de Chávez ao poder, e isso é fato notório, basta lembrar de Juan Guaidó, autoproclamado presidente, e reconhecido como tal pelo imperialismo, situação diretamente análoga ao que agora ocorre.
“Com a economia indo bem, salários em nível recorde, desemprego baixíssimo, economia com ‘grau de investimento’, desigualdade e pobreza no chão, a esquerda foi pras ruas atacar Dilma por 20 centavos a mais que o então recém-empossado prefeito paulistano, Fernando Haddad, impôs ao preço das passagens de ônibus.
“Foi um ‘Caracazo’ verde-amarelo, ainda que sem a mesma virulência do caraquenho. A polícia militar desceu a borduna nos manifestantes. E quem pagou o pato nem foi tanto Haddad, mas Dilma Rousseff.”
Não faz sentido a idieia de que manifestações em 2013 atacassem Dilma, o que de fato não ocorreu. Havia sim um setor minoritário que atacava o governo, o que foi possível pela própria incapacidade da esquerda, em particular o PT, de acompanhar as manifestações.
Na sequência, o articulista cita uma suposta rejeição de Nicolás Maduro pela esquerda nacional, segundo o instituto Vox Populi. O que ele não revela, contudo, é de onde partiu de fato a pesquisa, encomendada pela ONG Action For Democracy. O nome em si é revelador, trata-se de mais uma fachada da CIA, com sua política “democrática”. Eduardo Guimarães, porém, se afunda ainda mais na submissão total e completa ao imperialismo ao concluir o texto:
“Mas essa esquerda não se contenta com isso. (…) mesmo que não tenha voto nos Estados Unidos (…) fica espalhando que não se deve tomar partido porque Kamala Harris e Donald Trump são exatamente a mesma coisa.
“Pouco importa que Trump tenha dirigido o bolsonarismo para fazer aqui em 8 de janeiro de 2023 o que fez lá em 6 de janeiro de 2021. Pouco importa que o governo do qual Kamala faz parte tenha impedido que os militares brasileiros barrassem a eleição de Lula não só reconhecendo a vitória dele em primeiro lugar, mas ameaçando os militares brazucas de rompimento de relações diplomáticas em caso de golpe.
“Parcela importante da reprovação alta a Lula, existente apesar das significativas melhorias que o país vê, é resultado desses mesmos autoproclamados ‘esquerdistas’ que defendem, irracionalmente, o neonazista Donald Trump e o autocrata truculento da Venezuela.
“E que protagonizaram junho de 2013.”
Guimarães usa o “golpe” do cocô na mesa de Alexandre de Moraes como exemplo do horror de Donald Trump. Guimarães usa o governo Joe Biden como exemplo de combate ao “golpismo do cocô”. Guimarães, porém, oculta que foi Joe Biden o homem que articulou o golpe de 2016 no Brasil. Ora ora, vemos que o artigo de Eduardo Guimarães chegou a um final perfeitamente coerente. A peça, desde seu início, tem por objetivo fazer propaganda do Partido Democrata dos EUA, no meio da esquerda brasileira, como mais um serviçal do imperialismo infiltrado nesse meio, tal qual aqueles que ajudaram a desarticular e derrotar o movimento de julho de 2013.
Os golpistas de 2016 barraram o golpe de cocô, mas deram o golpe de 2016. Qual seria o fato mais importante?
Mais do que isso, enquanto usa os exemplos ridículos do protesto do homem seminu com um chapéu de chifres nos EUA, e do golpe do cocô no Brasil, Eduardo Guimarães ignora que o governo Joe Biden, que é o governo Kamala Harris, é o principal patrocinador de um genocídio em curso na Faixa de Gaza. Este fato é talvez um pouco mais relevante que uma pilha de excrementos na mesa de um juiz que se considera acima do povo e da Constituição.