O ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), Paulo Pimenta, apresentou recentemente a contratação de Rita Von Hunty pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC), para conduzir um programa televisivo sobre história do Brasil.
A drag queen gerou críticas tanto de filiados ao Partido dos Trabalhadores (PT), dado o caráter anti-petista e crítico à eleição de Lula do apresentador drag, quanto de setores da esquerda que rejeitam a linha identitária adotada pelo governo.
Rita Von Hunty foi chamada para estrelar a série “Como Nascem os Heróis,” com previsão de lançamento para março do próximo ano. No entanto, a decisão não gerou insatisfação por ser vista como uma aposta arriscada, mas por representar o identitarismo, uma política impulsionada pelo imperialismo que fortalece a extrema direita.
As recentes eleições municipais trouxeram à tona um claro esgotamento do identitarismo na política nacional, expresso tanto nas urnas quanto no discurso de líderes e eleitores. Em São Paulo, por exemplo, o vereador mais votado centrou sua campanha em propostas contrárias a pautas identitárias, incluindo a polêmica questão dos banheiros neutros defendida pela trupe da qual Rita Von Hunty faz parte. Os candidatos que basearam suas campanhas em pautas identitárias sofreram uma derrota expressiva, uma tendência que, para especialistas como Rui Costa Pimenta, presidente nacional do Partido da Causa Operária (PCO), reflete uma rejeição crescente por parte da população a um discurso considerado divisivo e pouco representativo das necessidades econômicas e sociais mais amplas da população.
Essa insatisfação com o identitarismo, que busca impor questões específicas como gênero e orientação sexual sobre os trabalhadores, é uma desconexão da esquerda e, neste caso, especificamente do governo com as demandas populares elementares, como emprego, moradia e acesso a serviços básicos. Ao insistir nesse tipo de pauta, o governo estaria alienando eleitores e gerando divisões dentro da própria esquerda, cenário que abre espaço para o avanço de setores conservadores que exploram essas fissuras para expandir sua base de apoio.
Entrando a fundo no programa, surge o problema do teor esperado do programa de Von Hunty sobre os “herois da nação” — se será adotada uma abordagem identitária na análise da história nacional, atacando figuras e eventos considerados centrais na formação do Brasil. Rui Costa Pimenta e outros nomes tradicionais da esquerda, como Breno Altman, do PT, indicam que o identitarismo frequentemente leva a revisões históricas que distorcem, no melhor dos casos, ou desvalorizam conquistas e marcos nacionais, opondo-se quase sempre ao caráter revolucionário das transformações protagonizadas pelo povo brasileiro.
Há uma preocupação de que o programa possa focar em uma linha editorial que despreze personagens históricos como os bandeirantes e os navegadores portugueses, os quais, apesar das tentativas burguesas, fazem parte da história e do progresso do país. Essa abordagem fomenta uma visão fragmentada da história, tendendo apenas ao fim de atacar a história nacional, desconsiderando a conjuntura e as complexidades da época e simplificando temas importantes para a formação da sociedade brasileira.
Essa linha de interpretação histórica mina o entendimento popular sobre as raízes e os processos que ajudaram a moldar o Brasil, promovendo uma visão que enfatiza conflitos e divisões de ordem secundária, em detrimento da luta de classes e dos movimentos sociais e econômicos que promoveram verdadeiras transformações revolucionárias na sociedade.
No caso de Von Hunty, acima de tudo, se trata de uma pessoa que não agiu contra Dilma Rousseff durante a ofensiva golpista da direita, dada a sua irrelevância completa na época, mas sempre se posicionou contrariamente ao governo petista, com ofensas pessoais em suas redes sociais, ofendendo eleitores e posicionando-se ao lado do candidato PSDBista. No caso da guerra de libertação nacional em Gaza, Von Hunty não defendeu abertamente a entidade sionista, não defendendo, também, a resistência palestina. Em uma suposta captura de tela vazada, a grag queen teria, por sua vez, se posicionado contra o fato de gays defenderem o Hamas, acentuando a história sionista de que estes seriam os opressores da população LGBT – ignorando as mortes palestinas causadas pelos israelenses.
Com a decisão de colocar uma figura identitária à frente de um programa sobre história do Brasil, a EBC e o governo parecem ignorar o recado das eleições municipais e a crescente rejeição popular ao identitarismo. Ao insistir nesse caminho, o governo corre o risco de fortalecer ainda mais a base da extrema direita e de alienar setores da população que buscam por pautas mais amplas e que interessam verdadeiramente os trabalhadores.