O jornal The Economist, na última quinta-feira, dia 31 de outubro, publicou um artigo dando sua posição editorial sobre a eleição nos EUA, que se aproxima. Intitulado A second Trump term comes with unacceptable risks (Um segundo mandato Trump vem com riscos inaceitáveis), o artigo apresenta o que seriam as falhas de Donald Trump, debatendo com a posição de voto no presidenciável como um “risco calculado”.
“Ao fazer de Trump o líder do mundo livre, os americanos estariam apostando com a economia, o estado de direito e a paz internacional.”
“Alguns desconsiderarão isso como alarmismo. É verdade que nossos maiores medos sobre o primeiro mandato do Sr. Trump não vieram a ocorrer.”
The Economist, contudo, justifica sua posição afirmando que a atual posição de Donald Trump “é mais extremada. O Sr. Trump é a favor de uma tarifa de 20% sobre todas as importações e falou em cobrar mais que 200% ou mesmo 500% sobre carros do México. Ele propõe deportar milhões de imigrantes irregulares, muitos com empregos e filhos americanos. Ele aumentaria os cortes de impostos apesar de o défice orçamentário estar num nível geralmente visto apenas em guerras ou recessão, sugerindo uma alegre indiferença a uma gestão fiscal sensata.”
Aqui The Economist revela, para os mais atentos em economia, um objetivo popular da campanha do republicano. Explicamos: o imperialismo, para se manter, e na busca por controlar a inevitável crise de superprodução do capitalismo, deve poder se expandir livremente, dominando regiões, destruindo-as, transferindo os centros produtivos. Para os trabalhadores, isso significa surtos súbitos de desemprego e um rebaixamento geral nas condições de vida, e para setores minoritários da burguesia, incapazes de realizar tal operação, uma falência inevitável se apresenta, pela incapacidade de competir com os setores majoritários da burguesia imperialista. Afinal, o polo produtivo se dirige aos locais em que a remuneração e as garantias trabalhistas sejam as menores.
Em outras palavras, Trump busca manter o setor produtivo dentro dos EUA, garantindo emprego (ou reduzindo o desemprego) para os trabalhadores norte-americanos, e a participação no mercado desses setores minoritários da indústria. Essa medida, porém, se choca diretamente com o imperialismo, com o capital financeiro. Mais que isso, o candidato ainda apela demagogicamente aos anseios de um setor mais atrasado dos trabalhadores, culpando os imigrantes pelo desemprego, o que divide a classe operária, uma política tradicional da direita. O trabalho desses imigrantes, novamente, é muito favorável para a indústria norte-americana, afinal, sua situação irregular os torna passíveis de deportação caso se revoltem contra determinada condição de trabalho, uma arma central contra o movimento operário, além de rebaixar a média salarial norte-americana.
Mais que isso, apresenta The Economist, as guerras na Ucrânia e na Palestina testariam Trump, e “ainda pior é seu desprezo por alianças“. Ou seja, sua recusa, mesmo que retórica, em participar do bloco imperialista, é colocada como um problema para o jornal do imperialismo. “Fanfarronices e ameaças podem ajudar o Sr. Trump, mas podem igualmente destruir a OTAN.“
Junto a tudo isso, o risco maior, conclui o jornal, é que Trump “estaria menos constrito“. O chamado establishment, o conjunto das instituições dos EUA, já não estão unanimemente compostos por agentes contrários a Donald Trump. “O Partido Republicano se organizou em torno da fidelidade ao Sr. Trump.” Assim, as contradições entre o setor minoritário da burguesia imperialista representado efetivamente por Trump, além de seu apelo popular, o colocariam como peça chave num incremento progressivo da crise no núcleo do imperialismo.
“Bons presidentes unificam o país. O gênio político do Sr. Trump é por colocar as pessoas umas contra as outras. (…) Ao lado de Trump, Kamala Harris representa a estabilidade. (…) Se o The Economist tivesse um voto, nós o daremos para a Sra. Harris.”
A questão é clara: Donald Trump representa um quase certo acirramento da crise do imperialismo. A estabilidade representada por Kamala não é definida pelo veículo, mas é justo dizer que significa a permanência da situação como está, em um grau maior ou menor, ou seja, golpes de Estado pelo mundo, como o que jogou a Ucrânia numa guerra contra a Rússia, o genocídio na Palestina, a destruição das condições de vida dos trabalhadores em todo o mundo.
A questão se exemplifica em parte num texto de Vladimir Lênin, datado de 1915, sobre o próprio The Economist. Os filantropos burgueses e a social-democracia revolucionária é uma polêmica sobre o problema da paz. Aqui, a paz está colocada como a estabilidade representada por Harris. O estímulo ao conflito reunido na figura de Trump, tal qual a guerra, pode abrir caminho a um período revolucionário, como o que se deu ao fim da Primeira Guerra Mundial. Citando o dirigente revolucionário russo:
“The Economist, um jornal que fala pelos milionários britânicos, (…) se coloca em defesa da paz apenas por que tem medo da revolução.”
O problema é claro: nem Trump, nem Kamala representam os interesses da classe operária. Mas ao passo em que Kamala Harris permite um maior controle do imperialismo ao navegar pela crise em que está colocado, sendo a candidata majoritária do imperialismo, Donald Trump representa para o imperialismo, ainda que de maneira contraditória, a própria crise.