Entre 2020 e setembro deste ano, o Programa de Interrupção Gestacional Previsto em Lei (PIGL) do Distrito Federal, que oferece suporte a mulheres vítimas de violência sexual, recebeu 863 solicitações para aborto legal. Destas, 191 foram negadas pela Secretaria de Saúde do DF (SES-DF), justificadas por uma série de critérios questionáveis que têm restringido o acesso ao direito estabelecido por lei.
Os motivos apresentados pela SES-DF para as recusas incluem casos onde a gestação não foi confirmada, a mulher não retornou ao atendimento ou decidiu seguir com a gestação. Além disso, 22 pedidos foram negados sob o argumento de que a gravidez já ultrapassava 22 semanas — uma interpretação baseada em uma norma técnica de 2012 do Ministério da Saúde, sem força de lei, que vai contra o Código Penal, o qual não estipula tempo máximo para a interrupção gestacional em casos de estupro.
Em contradição com o que estabelece a legislação federal, o PIGL utiliza normas técnicas como parâmetro para vetar pedidos, ainda que esses documentos não possuam respaldo legal. A Secretaria de Saúde ampara-se em interpretações rígidas que, na prática, dificultam o exercício de direitos fundamentais para as vítimas de estupro e para as mulheres como um todo. Para gestantes com mais de 22 semanas, o programa do DF redireciona as vítimas apenas para o acompanhamento pré-natal ou para entrega do recém-nascido à adoção, desconsiderando a opção do aborto legal.
Entre as recusas, 48 foram negadas alegando que a gravidez decorreu de uma “relação consentida” ou por “incompatibilidade com a data da violência”. Isso contraria a Lei Federal nº 12.845/2013, que garante atendimento integral às vítimas de estupro sem exigência de boletim de ocorrência.
Outros motivos de negativa incluíram gravidez ectópica e mola, que são tratadas como emergências clínicas e conduzidas nos hospitais Materno Infantil e Asa Norte, respectivamente. Em casos de pacientes de outros estados, o programa orienta a busca de atendimento no estado de origem, mas, se o acesso for negado, o DF deveria realizar o atendimento.
A ausência de um sistema estruturado para o PIGL até 2020 indica uma tentativa de impedir o direito ao aborto legal no Distrito Federal. Mesmo diante das regulamentações que amparam o aborto em casos de estupro, o governo Ibaneis implementa barreiras, reafirmando uma política de ataque aos direitos das mulheres.