No artigo Um giro à direita. Um não ao extremismo, publicado por Tereza Cruvinel, encontramos uma análise dos resultados das eleições municipais de 2024 que, à primeira vista, pode parecer uma leitura ponderada. No entanto, um exame mais atento revela uma interpretação do mundo da lua.
Cruvinel sugere que o “centro político” saiu fortalecido do pleito, enquanto os extremos, tanto à direita quanto à esquerda, teriam sido rejeitados nas urnas. A partir dessa tese, ela defende que Lula, mesmo não participando ativamente da campanha, não saiu derrotado -uma conclusão que, à luz dos números, soa mais como um desejo de suavizar a realidade do que como uma análise factual.
Conforme demonstrado pelos dados da DataDCO, o verdadeiro resultado eleitoral aponta para um fortalecimento expressivo da extrema direita, que empatou ou até superou a direita tradicional em importantes cidades do Brasil. A agência de dados do Diário Causa Operária (DCO) comprova que esse foi o bloco que mais conquistou prefeituras nas 103 maiores cidades, aquelas com mais de 200 mil eleitores, sendo uma evidência clara de que não houve qualquer rejeição ao “extremismo”, como Cruvinel tenta fazer parecer. Ao contrário, a extrema direita consolidou sua posição, atingindo quase os mesmos números que o “centro” no primeiro turno e prevalecendo no segundo, especialmente nas capitais e grandes cidades.
A farsa do ‘não ao extremismo’
Cruvinel desenvolve seu argumento em torno da ideia de que houve uma rejeição popular ao extremismo. A realidade, no entanto, mostra-se bastante distinta. Para desmentir essa alegação, basta observar o comportamento das urnas nas grandes cidades, onde a extrema direita dominou o segundo turno. Foram 18 prefeituras conquistadas pela extrema direita, incluindo vitórias expressivas em São Paulo, onde o prefeito Ricardo Nunes (MDB), que conta com o apoio de Jair Bolsonaro, manteve sua posição.
A DataDCO destaca que, ao analisar as grandes cidades e capitais, a extrema direita supera o centro em quantidade de prefeituras conquistadas. Para quem acompanhou de perto o avanço dessa corrente política nos últimos anos, o resultado não surpreende. A rejeição do eleitorado, portanto, não se dirigiu ao extremismo, mas justamente ao “centro político”. Não é à toa que o PSDB foi praticamente varrido do mapa.
A humilhação da esquerda
Outro ponto que Cruvinel evita encarar com clareza é a situação da esquerda. É irrefutável que a esquerda sofreu uma derrota histórica, como revelam os números. No primeiro turno, os partidos de esquerda tiveram apenas 10,35% dos votos. O caso das capitais reforça ainda mais essa derrota, com o Partido dos Trabalhadores (PT) ganhando apenas uma prefeitura.
O desprezo de Cruvinel por esse dado, preferindo suavizar a derrota como um “gol de honra” da esquerda em Fortaleza, reflete uma leitura intencionalmente limitada. A realidade é que a esquerda, devido à sua política de se assemelhar cada vez mais ao “centro político”, foi rejeitada pelo eleitorado. Em estados como São Paulo, o desempenho da extrema direita quase supera, sozinho, toda a votação da esquerda no país.
A ilusão do ‘centro político’
Cruvinel posiciona o “centro político” como uma força moderadora e conciliadora, ignorando que, na prática, esse mesmo centro apoiou o golpe contra Dilma Rousseff em 2016 e deu sustentação à eleição de Bolsonaro em 2018. Considerar que forças como MDB, PSDB e PSD, entre outros, representam uma opção de “direita moderada” é uma forma de amenizar o histórico desses partidos, que sempre atuaram como aliados do grande capital, servindo ao imperialismo e atuando contra os interesses do povo.
Os dados mostram que, ainda hoje, o MDB, PSD e outros partidos de centro representam, na verdade, a burguesia nacional, aliada ao imperialismo e às forças reacionárias. Basta recordar que esses mesmos partidos apoiaram a política neoliberal de Michel Temer de privatizações, ataques aos direitos dos trabalhadores e outras políticas que beneficiaram o capital estrangeiro e destruíram ainda mais a economia nacional e, consequentemente, as condições de vida do trabalhador brasileiro.
O apoio dessas forças à extrema direita, em casos como São Paulo, torna ainda mais evidente que não existe um “centro moderado”; existe, sim, um bloco reacionário que atua conforme os interesses da burguesia.
A esquerda que se perde em meio ao ‘centro’
Cruvinel e outros setores da esquerda que celebram a vitória do “centro” confundem um movimento de neutralidade com um alinhamento ao progressismo. Esse apoio ao “centro” significa, na prática, um afastamento da verdadeira luta de classes.
A esquerda que elogia uma suposta vitória do centro político e ignora a ameaça da extrema direita está caminhando para a irrelevância. Conforme ressaltado na análise da DataDCO, alianças com o centro enfraquecem e descaracterizam a esquerda, que se torna uma nulidade política.
Para a esquerda, transformar-se em “centro” significa aceitar as políticas anti-povo que sustentam o imperialismo e intensificam a exploração do trabalhador brasileiro. Os partidos que Cruvinel chama de “centro”, como MDB e PSD, não são neutros ou moderados. Esses partidos foram responsáveis pela destruição das riquezas nacionais durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, pela entrega do patrimônio nacional ao capital estrangeiro e pela repressão violenta dos movimentos populares.