Em coluna publicada no portal Brasil 247, As criaturas que a esquerda tentou inventar nas eleições municipais, Moisés Mendes se dedica a analisar as estratégias da esquerda nas eleições municipais deste ano, focando sua atenção às cidades de Porto Alegre e São Paulo, onde presta um enorme favor ao psolista Guilherme Boulos de colocá-lo no campo da esquerda, mas questiona: “quanto do verdadeiro Boulos esteve presente na campanha?” Ora, se é possível destacar algo positivo das eleições deste ano, é que finalmente o “verdadeiro Boulos” apareceu tal como realmente é e não como a esquerda pequeno-burguesa fantasiou.
O Boulos dedicado a ser o braço esquerdo do golpe de 2016 em campanhas de verniz esquerdista como o “Não vai ter Copa” e a mobilização contra o ajuste fiscal, empreendido em 2015 pela então presidenta Dilma Rousseff (PT), é o mesmo Boulos que São Paulo e o Brasil viram defendendo o encarceramento em massa contra a população (sobretudo negra), a título de combater o tráfico de drogas, e também cobrando a falta de uso de fuzis pela Guarda Civil Metropolitana (GCM), do que se deduz que o psolista está, na realidade, à direita do atual prefeito Ricardo Nunes (MDB). Se algo mudou em Boulos é que, ao longo da campanha, o parlamentar e ex-funcionário da IREE (ONG financiada pela CIA) deu uma guinada ao bolsonarismo. Abusando da criatividade, Mendes continua:
“A esquerda ficou cuidadosa demais” diz. A esquerda, porém, não ficou “cuidadosa demais”, o problema é o exato oposto. Ao aceitar um embuste direitista como Guilherme Boulos em suas fileiras, a esquerda demonstrou uma inacreditável falta de discernimento.
“Não vai ter Copa”, uma campanha de esquerda? O homem que durante plena ofensiva contra Dilma resolve chamar atos contra o governo é realmente de esquerda? As supostas credenciais de Boulos nunca foram mais do que um engodo. Foi a Folha de S. Paulo que o tornou “esquerdista” e a esquerda pequeno-burguesa desorientada o adotou sem questionar porque exatamente ele seria de esquerda.
Seria o fato de estar em movimento social? Ora, e desde quando isso torna um indivíduo um esquerdista? Fosse esse o critério, o famigerado sindicalista da Ditadura Militar (1964-1985) “Joaquinzão” e o golpista Paulinho da Força também seriam, o que naturalmente, está muito longe da verdade.
Tampouco é o bastante proclamar-se de esquerda, como frequentemente fez ninguém menos do que Fernando Henrique Cardoso, seguramente um dos maiores criminosos que ocuparam o Palácio do Planalto (sede do governo federal). Ser de esquerda, acima de tudo, significa ter uma atuação política verdadeiramente ligada aos interesses dos trabalhadores e isso, a esquerda pequeno-burguesa que se expressa por Mendes jamais demonstrou concretamente no caso de Boulos.
“Onde estamos errando e o que podemos fazer? Em nome da racionalidade pragmática, vamos nos aproximar mais do jeito de ser do centro e da direita, até no modo de caminhar e de vestir, ou vamos tentar ser o que éramos?”
A crise do campo não tem origem num envelhecimento em abstrato, mas em criar fantasias como “Boulos de esquerda”, o que por sua vez, deriva da capitulação das direções pequeno-burguesas da esquerda à frente ampla. Ao eleger o bolsonarismo como o principal inimigo a ser combatido, tratando-o como um caso de histeria coletiva que assaltara uma parte da população e não como um fenômeno político, o passo seguinte tomado pela esquerda brasileira foi aliar-se com a chamada “direita civilizada”, isto é, os setores responsáveis por criarem o bolsonarismo.
Isso se deu na forma de compromissos firmados que permitiram a inserção de Boulos e muitos direitistas igualmente nocivos às bases da esquerda, entre eles o vice-presidente de Lula, Geraldo Alckmin. Esse é um dado da realidade política que deve ser especialmente considerado quando o autor questiona:
“Se tivéssemos mais jovens impulsivos dispostos a decifrar e encarar essas encruzilhadas, como a direita tem, parece que ficaria mais fácil. Mas essa, dirão, é mais uma conversa de velho, como de fato é. Os velhos ficaram muito chatos.”
Não se trata de um conflito geracional, mas de uma tática derrotista que tornou a esquerda ferozmente contrária ao dinamismo que Mendes demanda. “Dirão cansativamente”, arrisca-se a explicar o jornalista de Brasil 247, “que todos mudam e que, assim como aconteceu com Lula, a esquerda vai tentando apoiar uma perna ao centro”, ao que conclui: “era preciso ser menos de esquerda”. Foi fazendo exatamente isso que os “jovens impulsivos” deram lugar aos “velhos chatos” como diz o jornalista.
Ocorre que a crítica de Mendes não é consequente, porque dá uma indicação do problema, mas teima em não o reconhecer em sua essência, a infiltração de elementos da burguesia na esquerda. Ao limpar a barra de Boulos, o que o jornalista evidencia é disposição para a manutenção da crise que afeta o campo, que se expressou de maneira contundente nas eleições.
“Quanto do verdadeiro Boulos esteve presente na campanha?”, no final, é uma pergunta errada. Quanto da ilusão criada em torno de Boulos foi derrubada durante todas as loucuras cometidas pela campanha do psolista? A julgar pela disposição de Mendes em defendê-lo, ainda não foi o bastante, o que responde a outro questionamento do jornalista, quando diz: “qual é o limite dessas concessões?” Isso depende muito da droga usada para ver cores vermelhas no parlamentar do PSOL, que parece ser bastante potente, mas veremos após o término das eleições.