No programa matinal da TV 247, um comentarista avisa que o presidente Lula está fazendo seu discurso, via videoconferência, na reunião do Brics. É a deixa para que a transmissão entre ao vivo para os espectadores. Lula lia um texto em que alertava sobre a importância de salvar o planeta ante as mudanças climáticas. Em poucos segundos, o âncora tira o vídeo do ar e volta a falar da eleição paulistana. Decisão sensata.
Outros analistas do mesmo veículo dirão que Lula não quer indispor-se com os Estados Unidos, que quer aproveitar do Brics o que ele tem a oferecer, mas… sem se comprometer. No início do governo, Lula ficava em cima do muro ao tratar da política interna, mas se colocava melhor na política externa, arriscando-se a dar algumas opiniões, inclusive sobre Israel. De lá para cá, a situação piorou muito.
Se antes a pressão era interna, agora é interna e externa. A estratégia de tentar equilibrar-se entre um lado e outro, se pode funcionar em tempos de calmaria, certamente não vai funcionar em tempos de guerra. Não ter lado, nessas circunstâncias, é ter lado.
Lamentar os milhares de mortos e feridos de Gaza, mas não cortar relações com Israel, é apoiar Israel. A imprensa burguesa, desde o início do conflito, trata a população palestina como vítima do Hamas, não como vítima de Israel. Os “terroristas fanáticos”, como ecoaria Lula na ONU, seriam os vilões para o próprio povo palestino, quando, na verdade, são heróis da resistência à opressão.
Breno Altman, ao falar da imprensa burguesa, abriu uma exceção para a Folha de S. Paulo, onde ele próprio já escreveu um ou dois artigos sobre o conflito. O que talvez não tenha notado é que, na versão online, toda vez que se escreve “Hamas”, a edição cria um link que remete a uma definição dada pelo jornal, segundo a qual “Hamas” é um grupo terrorista. Muitos outros links são postos nos textos pela edição e todos remetem às análises da própria Folha. O artifício é sutil, mas não deixa de ser uma interferência no texto original, que milita contra as ideias do autor sempre que elas não são convergentes com as do jornal.
A imprensa pressiona Lula o tempo todo, os bancos pressionam, os sionistas pressionam e Lula não reconhece a vitória de Maduro na eleição venezuelana. Segundo a imprensa, o Brasil teria feito pressão política para evitar a entrada da Nicarágua e da Venezuela no Brics, o que, de fato, ocorreu. Segundo a Rede Globo, as “ditaduras” estariam proibidas de entrar no grupo. Enquanto isso, as eleições brasileiras mostraram que a esquerda não está empolgando ninguém. Por que será?
Segundo Jessé de Souza, o problema seria o “pobre de direita”, resultado de um caldo de racismo, questões morais e religião. A culpa é do povo, não da própria esquerda. No Sermão da Sexagésima, padre Vieira perguntava por que a palavra de Deus não frutificava e, em seguida, apresentava três hipóteses: a culpa é da doutrina, dos pecadores ou dos pregadores. Da doutrina não podia ser, porque era a palavra de Deus; restavam os pecadores e os pregadores – segundo o padre jesuíta, a culpa só podia ser dos pregadores, que não faziam direito o seu trabalho. Mutatis mutandis…
Nos bons tempos do PSDB, quando Geraldo Alckmin era chamado de “picolé de chuchu”, a anedota corrente era que a armadilha para pegar tucano era pôr qualquer coisa em cima de um muro. Ficar em cima do muro era a característica principal dos “tucanos” do PSDB, que falavam tudo por meio de eufemismos. Esse partido se desmanchou, e o Lula, independentemente de seus motivos, está levando a esquerda para cima do muro.
Desse jeito, não dá para reclamar do pobre de direita, que talvez tenha demandas mais urgentes que “salvar o planeta”.