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HISTÓRIA DA PALESTINA

Mahmoud Darwish, o poeta da nação palestina

Autor também da Declaração de Independência da Palestina, sua obra é central para a literatura e também um símbolo da luta revolucionária do povo palestino

Mahmoud Darwish, um dos mais proeminentes poetas palestinos, nasceu em 13 de março de 1941, na antiga aldeia de al-Birwa (destruída pelo sionismo), na Galileia. Sua infância foi marcada pela tragédia da Nakba (palavra árabe que significa “Catástrofe”, usada para descrever a criminosa expulsão de quase um milhão de palestinos de suas terras) em 1948, quando sua família foi forçada a deixar sua casa devido à criação do Estado de “Israel”. Essa experiência de deslocamento e perda moldou não apenas sua identidade, mas também sua obra poética, que se tornaria um símbolo da resistência e da luta pela libertação do povo palestino.

Darwish começou a escrever poesia ainda jovem, e suas primeiras publicações apareceram na década de 1960, quando se tornou membro do Partido Comunista de “Israel”. A sua primeira coleção de poemas, A Batalha da Memória, foi lançada no mesmo ano e logo o destacou como uma voz importante na literatura árabe contemporânea. Ao longo de sua carreira, ele escreveu mais de 30 obras, incluindo poemas, ensaios e romances, sempre abordando temas de exílio, identidade e pertencimento.

Em 1967, durante a Guerra dos Seis Dias, foi preso pela ditadura sionista e, após sua libertação, viveu em exílio em vários países, incluindo Rússia, França e Estados Unidos. A experiência do exílio tornou-se uma constante em sua poesia, refletindo o pesar da diáspora e a esperança de retorno. Em 1988, o poeta participou da redação da Declaração de Independência da Palestina.

A importância de Darwish vai além de sua produção literária. Ele se tornou uma figura central na cultura palestina, canalizando para a literatura os anseios daquele que é um dos povos mais martirizados da história, como expresso no poema abaixo:

JOSÉ EU SOU, meu pai

José eu sou, meu pai. Meus irmãos não me amam, não me querem entre

eles. Tramam contra mim, meu pai, me atiram pedras e más palavras.

Querem que eu morra para então me louvar. A tua porta bateram na minha

cara.

Me expulsaram do campo. Envenenaram minha vinha, ó meu pai. Quebra-

ram meus brinquedos.

Quando a brisa passou e revolveu meu cabelo, se enciumaram, se rebelaram

contra ti. E tu, o que lhes fizeste, meu pai?

As borboletas pousam nos meus ombros, as espigas arqueiam sobre meu

corpo, os pássaros pousam nas minhas palmas.

O que eu fiz, meu pai, por que eu? Tu me chamaste José, e eles me jogaram

no poço, incriminaram o lobo, mas o lobo é mais clemente que meus ir-

mãos, ó meu pai!

Fiz mal a alguém quando eu disse que onze astros eu vira, e que o sol e a

lua se prostravam diante de mim?

*Tradução de Michel Sleiman (extraído da Revista Brasileira, nº 77).

O poema é uma metáfora sobre a experiência de opressão e isolamento do povo palestino, utilizando a figura bíblica de José, filho de Jacó (“Israel”) e um dos personagens centrais da cultura judaica. Segundo o livro de Gênesis, José enfrentou traição por parte de seus irmãos, da mesma forma que o povo palestino. Ao longo do poema, Darwish articula a dor do exílio e a luta pela identidade em uma conjuntura de opressão.

A referência a José, que foi vendido por seus irmãos e, posteriormente, se tornou uma figura de destaque no Egito, evoca a sensação de abandono e traição que o eu lírico experimenta. Assim como José, que se viu em um poço e foi injustamente acusado, o palestino é alvo de hostilidade e incompreensão. 

Os elementos naturais, como as borboletas e os pássaros, que pousam sobre ele, contrastam com a violência e a traição, sugerindo uma busca por beleza e liberdade em meio ao sofrimento. Eles também simbolizam a resistência e a esperança de um retorno a uma vida de harmonia e conexão com a natureza, que é constantemente ameaçada pela opressão.

O poema de Darwish não é apenas uma reflexão pessoal sobre a dor do eu lírico, mas também um grito do povo palestino. Ele utiliza a narrativa de José como um símbolo de resistência, esperança em um mundo que constantemente tenta silenciar essa voz.

A força de sua obra, porém, causou também controvérsias, especialmente entre os setores mais conservadores da sociedade israelense. Em 2016, uma de suas poesias, Bilhete de Identidade (reproduzida abaixo), foi incluída em uma transmissão da Rádio do Exército de “Israel”. O então ministro da Defesa de “Israel”, Avigdor Lieberman, denunciou a escolha como “equivalente a Minha Luta”, de Adolf Hitler, como destaca uma matéria do jornal britânico The Guardian intitulada Palestinian poet at heart of row on Israeli army radio broadcast e publicada em 23 de julho daquele ano:

“De acordo com relatos do Canal 2 de Israel, foi essa frase que provocou a fúria de Lieberman, levando-o a dizer que Darwish, ‘que pediu em sua poesia a expulsão do povo judeu do estado de Israel e que escreveu que’a carne do ocupante será meu sustento’, não pode fazer parte do programa narrativo israelense que foi ao ar.

Por essa lógica, o legado completo do Mufti al-Husseini ou os méritos literários de Minha Luta também poderiam ter sido incluídos.’”

Darwish faleceu em 9 de agosto de 2008, mas seu legado continua inspirando a resistência palestina, sendo não apenas uma figura central para a literatura, mas também um símbolo da luta do povo palestino por sua libertação. Sua vida e obra refletem a intersecção entre arte e política, demonstrando como a poesia pode ser uma poderosa arma da luta dos oprimidos contra seus opressores.

Abaixo, reproduzimos o poema Bilhete de Identidade, em tradução de Júlio de Magalhães e extraído do sítio Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente:

Bilhete de Identidade

 

Toma nota!

Sou árabe

O número do meu bilhete de identidade: cinquenta mil

Número de filhos: oito

E o nono… chegará depois do verão!

Será que ficas irritado?

 

Toma nota!

Sou árabe

Trabalho numa pedreira com os meus companheiros de fadiga

E tenho oito filhos

O seu pedaço de pão

As suas roupas, os seus cadernos

Arranco-os dos rochedos…

E não venho mendigar à tua porta

Nem me encolho no átrio do teu palácio.

Será que ficas irritado?

 

Toma nota!

Sou árabe

Sou o meu nome próprio – sem apelido

Infinitamente paciente num país onde todos

Vivem sobre as brasas da raiva.

As minhas raízes…

Foram lançadas antes do nascimento do tempo

Antes da efusão do que é duradouro

Antes do cipreste e da oliveira

Antes da eclosão da erva

O meu pai… é de uma família de lavradores

Nada tem a ver com as pessoas notáveis

O meu avô era camponês – um ser

Sem valor – nem ascendência.

A minha casa, uma cabana de guarda

Feita de troncos e ramos

Eis o que eu sou – Agrada-te?

Sou o meu nome próprio – sem apelido!

 

Toma nota!

Sou árabe

Os meus cabelos… da cor do carvão

Os meus olhos… da cor do café

Sinais particulares:

Na cabeça uma kufia com o cordão bem apertado

E a palma da minha mão é dura como uma pedra

… esfola quem a aperta

A minha morada:

Sou de uma aldeia isolada…

Onde as ruas já não têm nomes

E todos os homens… trabalham no campo e na pedreira.

Será que ficas irritado?

 

Toma nota!

Sou árabe

Tu saqueaste as vinhas dos meus pais

E a terra que eu cultivava

Eu e os meus filhos

Levaste-nos tudo excepto

Estas rochas

Para a sobrevivência dos meus netos

Mas o vosso governo vai também apoderar-se delas

… ao que dizem!

 

… Então

 

Toma nota!

Ao alto da primeira página

Eu não odeio os homens

E não ataco ninguém mas

Se tiver fome

Comerei a carne de quem violou os meus direitos

Cuidado! Cuidado

Com a minha fome e com a minha raiva!

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