Em seu artigo publicado no portal de esquerda Brasil 247 e intitulado O indiscreto charme da modernidade caquética, Marcelo Zero tenta explicar o desempenho “não muito bom” do PT nas eleições municipais de 2024, creditando esse resultado à compra de votos e manipulações eleitorais da direita, como as “emendas pix”. Embora as manobras da direita sejam uma realidade, Zero perde o ponto central da questão: se o apoio ao PT fosse sólido, essas manipulações seriam muito mais difíceis de surtir efeito.
Seu texto ignora, mas é fundamental para a análise da derrota observar a crescente desmoralização do partido entre a população, especialmente nas regiões mais dinâmicas do Centro-Sul do Brasil, onde o PT foi varrido das capitais, salvo as exceções de Porto Alegre e Cuiabá onde ainda disputa o segundo turno. Desde 2016, o PT não consegue chegar ao segundo turno em São Paulo, a maior capital do País. Em Porto Alegre, é verdade que Maria do Rosário foi para o segundo turno, mas isso não altera o quadro geral.
Em toda a região, a fragorosa derrota petista evidencia um campo fértil para as manipulações tradicionais da direita, que se aproveitam da crise do apoio popular ao PT. A análise de Zero desvia dessa realidade, preferindo culpar exclusivamente as manobras eleitorais, sem reconhecer que elas só funcionam porque os erros crassos do governo criaram o ambiente favorável para isso.
Zero argumenta que “nenhum governo estimulou o empreendedorismo da população como os governos do PT fizeram e fazem”, e enaltece o programa Acredita, que busca impulsionar o microcrédito. Aparentemente, na visão do colunista, essas iniciativas seriam responsáveis por resultados positivos que, em sua análise, estariam sendo ignorados pela imprensa. No entanto, os dados eleitorais sugerem outra realidade.
A queda eleitoral do PT é um sinal claro de que o povo não está vendo essas melhorias que Zero menciona. Depois de dois anos de governo Lula, o eleitorado está respondendo com rejeição, algo que o petista insiste em varrer para debaixo do tapete.
No artigo, Zero critica os “paleomitos” do neoliberalismo e se orgulha do papel do PT no combate à fome, desigualdade e miséria, aspectos que ele considera o lado “renovador da história”. Porém, a realidade eleitoral mostra que o partido está longe de ser visto dessa forma pela população hoje.
Ao invés disso, o PT enfrenta um cenário de profundo desgaste, onde as políticas sociais, outrora o grande trunfo da legenda, já não são suficientes para garantir um apoio eleitoral estável. É preciso reconhecer que as manipulações eleitorais da direita são um problema real, mas elas explicam apenas parte da questão.
O fato de o PT correr o risco de não ter nenhuma capital do Centro-Sul mostra uma tendência muito mais ampla: a guinada direitista do governo Lula na questão palestina, na política econômica e o identitarismo estão arruinando o capital político do partido. O problema central, que Zero se recusa a abordar, é que o PT vem sendo desmoralizado aos olhos do povo.
Essa desmoralização não começou ontem, é um processo que obedece às dificuldades enfrentadas pelo governo federal, que incapaz de livrar-se das amarras do imperialismo, cede cada vez mais à direita. Longe de enfrentar os vampiros que infernizam o povo, o governo acuado tornou-se fiador de um sistema podre, corrupto e odiado pelo povo.
O resultado catastrófico de 2024 é mais um reflexo dessa desmoralização. Em vez de focar nas “emendas pix” e nas estratégias da direita, Zero deveria questionar por que o PT, após dois anos no poder, não conseguiu construir uma base de apoio sólida o suficiente para resistir a esses ataques. Se o governo anda fazendo tanta coisa boa para o povo, teria uma epidemia de loucura acometido a população, que em um surto de esquizofrenia, não percebe como a própria vida tem melhorado?
A crítica ao governo Bolsonaro, que Zero insiste em repetir ao longo de seu texto, não é suficiente para encobrir as falhas internas do PT. O partido se afastou da base popular que lhe deu sustentação no passado, e, sem essa conexão, não há manobra eleitoral que possa ser efetivamente combatida.
Finalmente, Zero afirma que o PT está “no renovador lado certo da história”, um exemplo claro de uma ilusão política. O PT não está no lado renovador da história, ao contrário, parece estar sendo superado por ela.
Se o partido não fizer uma mudança radical em sua política e continuar desprezando a perda de conexão com o povo, não será capaz de reverter o processo de desmoralização. O resultado eleitoral de 2024 é um alerta contundente de que, sem uma guinada significativa, o PT continuará a ser superado pelos acontecimentos e pelas manobras da direita. O problema não é a modernidade caquética da direita, mas o envelhecimento e a estagnação do próprio PT.