O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) extinguiu as penas dos policiais militares condenados pelo Massacre do Carandiru, ocorrido em 1992. A decisão, publicada pela 4ª Câmara de Direito Criminal do TJSP no último dia 2 de outubro, se baseia no indulto natalino concedido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em dezembro de 2022, que perdoa agentes de segurança pública condenados por crimes praticados há mais de 30 anos.
A medida beneficia diretamente os 73 policiais que, entre 2013 e 2014, foram condenados a penas que variavam de 48 a 624 anos de prisão, mas nunca cumpriram a sentença devido a sucessivos trâmites e suspensões judiciais.
O massacre ocorreu quando a Polícia Militar de São Paulo invadiu a penitenciária do Carandiru para reprimir uma suposta rebelião, assassinando, oficialmente, 111 presos. As sentenças, que já haviam passado por inúmeros recursos e manobras legais, foram anuladas definitivamente com o entendimento do tribunal de que os crimes cometidos não eram considerados hediondos no momento de sua prática, já que o homicídio qualificado só foi enquadrado como crime hediondo dois anos após o massacre, em 1994.
Os trâmites legais que beneficiaram os policiais
O indulto concedido por Bolsonaro, e agora validado pelo TJSP, foi inicialmente suspenso pela então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, após uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) protocolada pelo ex-Procurador-Geral da República, Augusto Aras. A ADI contestava a constitucionalidade do perdão aos agentes de segurança pública, especialmente em um caso como o do Carandiru.
Apesar da suspensão temporária, o relator do caso, ministro Luiz Fux, decidiu, em junho deste ano, dar andamento ao processo no TJSP, culminando na decisão de outubro. O julgamento, que durou meses, terminou com os magistrados do TJSP concluindo que a medida presidencial de indulto era constitucional, por considerar que os crimes não eram tipificados como hediondos à época dos acontecimentos.
MP-SP recorre da decisão
Na quinta-feira (10), o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) entrou com recurso contra a decisão do TJSP, questionando a constitucionalidade do indulto e o próprio processo de extinção das penas. O MP-SP argumenta que a decisão foi tomada sem que a promotoria tivesse a chance de se manifestar, o que fere o princípio do contraditório e o direito de ampla defesa.
Segundo o órgão, a ausência de manifestação da promotoria antes da decisão final compromete a legitimidade do veredicto e a análise dos méritos do indulto. O recurso foi encaminhado ao próprio Tribunal de Justiça de São Paulo, que agora terá que reavaliar se a decisão anterior deve ou não ser mantida.
A manifestação do MP-SP também questiona a interpretação do TJSP em relação ao indulto presidencial, ressaltando que, mesmo se considerado constitucional, o benefício não poderia ser aplicado em um caso que envolveu a morte de 111 pessoas e que gerou repercussão nacional e internacional.
32 anos de um dos maiores massacres da história do Brasil
O Massacre do Carandiru, que completou 32 anos em 2024, é lembrado como um dos episódios mais brutais de repressão policial na história do País. Em 2 de outubro de 1992, uma operação da Polícia Militar foi desencadeada para, supostamente, controlar uma briga interna na Casa de Detenção de São Paulo, no bairro do Carandiru.
O que era para ser uma ação de contenção terminou em um verdadeiro banho de sangue: 111 detentos foram assassinados, muitos dos quais já estavam rendidos e desarmados, segundo relatórios de investigação e depoimentos de sobreviventes.
À época, a operação foi amplamente criticada por sua brutalidade, levando a pedidos internacionais para que o Brasil revisse suas políticas de segurança pública. O então comandante da operação, coronel Ubiratan Guimarães, foi condenado inicialmente a 632 anos de prisão, mas teve a sentença anulada em 2006 pelo TJSP sob o argumento de que ele agiu em “cumprimento do dever”.
Desde então, o processo enfrentou uma série de idas e vindas, com os policiais envolvidos recorrendo constantemente às instâncias superiores para reverter as sentenças. Nenhum dos agentes passou um dia sequer na prisão.
Judiciário serve para proteger os interesses da burguesia
O episódio do Carandiru e sua posterior impunidade evidenciam como o Judiciário funciona para proteger os interesses dos poderosos e do aparato de repressão do Estado. Enquanto milhares de pessoas são encarceradas diariamente por crimes menores, os responsáveis por um massacre com mais de 100 mortos são perdoados sem maiores consequências.