O artigo Não é hora para auto-engano, mas não é caso para desespero…, de Tereza Cruvinel, é um exemplo de como a esquerda nacional, mesmo diante de uma catástrofe absoluta, procura apresentar o cenário como favorável.
As eleições municipais de 2024 foi um atropelo. O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que tinha cinco prefeituras, perdeu todas elas, e agora não administrará mais uma única cidade. O Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que se fundiu anteriormente com o Partido Pátria Livre (PPL) para não ser atingido pela cláusula de barreira, e posteriormente ingressou em uma federação com o Partido Verde (PV) e o Partido dos Trabalhadores (PT) pelo mesmo motivo, agora amarga o fato de ter perdido mais da metade de suas prefeituras. A legenda está à beira de sua dissolução.
O resultado não é apenas ruim. É o sinal de que a situação política evolui muito rapidamente à direita. É sinal de que a esquerda está sendo expulsa do regime político – ainda que, ironicamente, ela procure se apresentar como uma grande defensora deste.
A argumentação de Cruvinel tem basicamente duas premissas. A primeira é a de que, embora o PSOL tenha sido tão derrotado, ele teria conseguido levar a candidatura de Guilherme Boulos ao segundo turno. Ora, mas nem mesmo do ponto de vista numérico, isso pode ser considerado um avanço. O próprio Boulos já foi ao segundo turno na eleição anterior (2020). Cabe destacar, ainda, que, da eleição anterior para esta, o candidato teve apenas 8% de votos a mais no primeiro turno. No entanto, diferentemente das eleições passadas, Boulos já recebeu o apoio do PT antes mesmo do início da campanha eleitoral.
Esse não é, contudo, o único problema. Ainda que Boulos vencesse o pleito, não seria uma vitória para a esquerda. Boulos não representa a luta dos trabalhadores, não representa a luta contra o golpe de 2016, não representa nem mesmo a luta contra o bolsonarismo. Ele é um candidato da burguesia, um candidato da direita golpista. Sua vitória singificaria apenas que os poderosos, diante da crise do PSDB, decidiram chamar Boulos para assumir os seus negócios.
A segunda premissa de Cruvinel é a de que não houve vencedor na eleição. Seu grande argumento é o de que os partidos com maior número de prefeitos eleitos são o PSD e o MDB, partidos que não são nem de esquerda, nem de extrema direita. O erro desse raciocínio é que ele ignora que, na disputa entre a esquerda e a extrema direita, esta saiu muito fortalecida. O partido do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi o que mais elegeu prefeitos nas grandes cidades.
Isso mostra que há uma tendência de deslocamento da situação política para a direita. E, assim sendo, os partidos “de centro” irão procurar um acordo com a extrema direita, e não com a esquerda. Já há o precedente: em 2016, tanto MDB quanto PSD, vendo a tendência à direita, embarcaram de cabeça no golpe de Estado. E da maneira mais golpista possível: o cacique-mor do PSD, Gilberto Kassab, abandonou o governo Dilma Rousseff semanas antes da votação do impeachment e foi agraciado com um ministério no golpista de Michel Temer; o próprio Temer era, por sua vez, vice-presidente na chapa comandada pelo PT.
Ignorar que a extrema direita está na ofensiva só irá levar a novas derrotas da esquerda. É preciso um balanço claro e honesto: a esquerda, na medida em que vem se apresentando como uma defensora do regime, está indo em alta velocidade para o abismo.