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Paulo Marçaioli

Formado em direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da USP e dono do blog Esperando Paulo

Coluna

A Literatura de Bruno Seabra

Nosso escritor nasceu em 06 de outubro de 1837 a bordo de um barco, em águas paraenses (Tatuoca)

São poucas as informações disponíveis na internet acerca do escritor, jornalista e poeta paraense Bruno Henrique de Almeida Seabra (1837/1876).
Apelidado por um crítico como o João do Rio do Pará[1], consta que a última (e possivelmente única) publicação mais ampla do escritor foi a novela “Paulo” (1861), lançada pela Editora Três dentro da “Coleção: Obras Imortais da Nossa Literatura” no remoto ano de 1972.
Nosso escritor nasceu em 06 de outubro de 1837 a bordo de um barco, em águas paraenses (Tatuoca). Estudou as primeiras letras e o curso preparatório em Belém. Depois, matriculou-se na escola militar no Rio de Janeiro, então capital do Império. Lá publicou textos literários no Jornal Marmota Fluminense, dirigido pelo editor Paula Brito. Publicou folhetins, crônicas e poesias que aguardam há mais de um século a sua devida publicação.
Todo esse desconhecimento pode dizer respeito à ignorância que grassa o público leitor em torno de obras dos nossos escritores do norte, cujos trabalhos estão fora do eixo tradicional da produção artística do país: sul, sudeste e alguns estados do Nordeste. Para pegarmos um exemplo de outro paraense, poderíamos citar Inglês de Sousa (1853/1918), o verdadeiro pioneiro do naturalismo literário em terras brasileiras.
(Costuma-se identificar o início do naturalismo no Brasil com os romances de Aluísio de Azevedo. Ocorre que que sua primeira obra naturalista que foi “O Mulato” data de 1881, enquanto a produção literária de Inglês de Souza data de 1875! E certamente os “Contos Amazônicos” de Souza superam em qualidade literária outros autores bem mais conhecidos do nosso naturalismo, como é o caso do pífio “A Carne” de Júlio Ribeiro).
Voltando à Bruno Seabra, sua obra consiste basicamente nos livros “As cinzas de um livro” (1859), “Flores e frutas” (1862), “O alforje da boa razão” (1870), e “Paulo” (1861).
Parece ter sido antes um poeta do que um romancista: na sua novela “Paulo”, há um estilo não afetado, natural, mas bastante poético. Passagens da história são literalmente intercaladas de cogitações do narrador que poderiam ser tidas como estrofes de um poema.
Trata-se, em todo o caso, de uma novela trágica, que remete de certa forma ao romantismo já em sua fase intermediária, byronista, que teve como principal expoente outro poeta, o paulista Álvares de Azevedo.
Há no livro de Bruno Seabra os elementos principais daquilo que didaticamente se chama de “segunda fase do romantismo” (1853/1869): o pessimismo, a tendência da fuga da realidade, em particular através do suicídio e da loucura, o saudosismo, a idealização do amor e da morte.
Há, porém, um traço da novela que antecipa as próximas etapas do desenvolvimento da literatura nacional: da história, constam exclusivamente personagens dos extratos mais baixos da sociedade, ao passo que o foco em torno das classes populares seria efetivamente uma conquista que se iniciaria bem depois, a partir de alguns romances naturalistas e que se consagraria, de fato, no modernismo em sua fase regionalista, nos conhecidos livros de Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, etc.
Paulo é filho de uma roceira rústica e de um pintor empobrecido. Aprende o ofício das artes com o pai, mas ao invés de artista, é inicialmente encaminhado à Recife para se formar em Direito. Por falta de recursos financeiros, é obrigado à retornar à sua terra natal.
De vota ao lar, apaixona-se por Emília, a filha de um médico e comendador empobrecido por conta de uma frustrada carreira política. Por não dispor de recursos financeiros, resolve fazer uma viagem até o Rio de Janeiro, onde poderia granjear recursos para o casamento através da venda dos seus quadros. Logo vê o seu objetivo frustrado pelo desinteresse e indiferença do mecenato. Para viver do seu trabalho, o artista teve ser apaniguado por alguém ou, alternativamente, corromper a sua arte e produzir aquilo que público quer ouvir. É o se escuta de um editor para quem o poeta pede proteção:
“Ainda mais, o povo, o senhor sabe que nós, os negociantes, só com o povo nos havemos; o povo quer rir-se, dar gargalhadas em horas de descanso, distrair-se, enfim, alegremente, e portanto nunca compra livros tristes quando quer ler. O meu amigo parece ter o seu jeito para a coisa, é só mudar de rumo, isto é, em vez de escrever queixas amorosas, escreva aventuras jocosas que façam rir até doer o umbigo, sirva-lhe de modelo este soneto de Bocage”.
Frustrado em seu intento, Paulo decide retornar ao norte. Pouco antes da sua partida, recebe uma carta do Comendador, desculpando-se e desfazendo o trato do casamento. Apareceu um pretendente de Emília com melhores condições financeiras, obrigando o zeloso pai a romper com o trato.
Posteriormente, Paulo descobre que o rompimento do pacto foi feito à revelia e contragosto de Emília que, no dia do casamento, vem a falecer pelo forte abalo sentimental de se ver definitivamente privada do seu verdadeiro amor. A desilusão amorosa se desdobra nos demais personagens da trama na loucura, no suicídio e na morte, ao estilo ultrarromântico da geração byoronista.
E por último, um último traço característico do livro é uma forte correlação entre a prosa e o verso. Em certas passagens da novela, o romance é literalmente intercalado com a poesia.
O sentimento da saudade de Paulo quando parte de barco para a capital em busca do dinheiro para o casamento é literalmente descrita através de um poema com a forma de prosa:
“Virgem pálida, de olhos elanguescidos, que reclinas as faces sobre a mão tão alva como as penas das garças, e te deixas, à tardinha, ir adormecendo à janela, enquanto os zéfiros vão sorvendo o perfume das tranças de teus cabelos: virgem pálida, que doer é esse que te alenta o coração?
Saudade!
Ancião, que paras à beira do caminho, e arrimando-te ao bastão levantas os olhos ao velho cedro que te fica em frente, e como que o saudando murmuras — bem me lembro! bem me lembro! Que mágico doer é esse e te traspassa até o fundo do coração?
Saudade!
Marinheiro, que ao suspender do ferro, vais soltando esses pesados gemidos, que são como os estribilhos de cantigas tristes as desoras da noite ouvidos; marinheiro, que ao rigor das tempestades e calmarias embruteceste a voz como o semblante, que tristeza é essa que te alinda a fronte? Que voz é essa de entristecer os corações?
Saudade!
Saudade, página de reminiscências íntimas, que a seu tempo se inscreve no coração humano, fadou-te Deus esse mágico doer… Saudade e só saudade era o que restava e o do que se ia alentar o coração do jovem artista.”
A profunda emotividade do livro, sem um exagero romântico que torne a história pouco convincente, revela um artista muito acima da média. Trata-se de uma novela lírica, que se reveste da musicalidade e até metrificação, ao ponto de se poder dizer que é tanto prosa como poesia.
[1] J. Eustáquio de Azevedo. “Antologia Amazônica: poetas paraenses”. 1904. Pesquisa e adaptações ortográficas: Iba Mendes (2019)

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