Em parceria com o Jornal Causa Operária, entrevistamos o candidato do Partido da Causa Operária (PCO) à prefeitura de São Paulo, João Jorge Caproni Pimenta. Jornalista de profissão, Pimenta começou a militar para em junho de 2013, no movimento estudantil. Participou de vários movimentos, da luta contra o golpe de estado de 2016, contra a prisão de Lula, pelo passe livre em São Paulo em vários anos, de greves no movimento estudantil da USP entre outros.
Leia abaixo a entrevista na íntegra:
Quais as características dessas eleições em São Paulo? O problema das eleições em São Paulo é que, primeiro, nós temos uma eleição que tem uma característica muito nacional. Pouca coisa que está diretamente ligada ao problema do município tem um papel central. Tanto que o que estamos vendo é uma eleição profundamente política e não tem necessariamente a ver com as chamadas propostas.
Do ponto de vista da conjuntura, o PT cometeu o erro de abandonar a candidatura própria. No caso da esquerda pequeno-burguesa menor, o PSTU lançou candidato, como é tradicional. A UP apoiou o Boulos antes, não entendo porque não o apoia agora. A campanha do Boulos está sendo muito direitista.
E é impressionante que o candidato do PSOL não consegue inserção no eleitorado de trabalhadores. Isso diz muito sobre o futuro da esquerda se, por ventura, o PSOL suplantar o PT.
Por que o PCO não apoia o candidato oficial da esquerda da coligação PT-PSOL, Guilherme Boulos? Primeiro, o partido tem uma posição clara de só apoiar candidaturas operárias. O que significa isso? Significa que a gente considera que o partido é a ala mais consciente da classe operária.
Ele é a consciência da classe operária em forma material. Portanto, a gente apoiar um candidato significa dizer para o eleitorado que ele faz parte do nosso campo, do campo dos trabalhadores. É um representante dos trabalhadores.
Não quer dizer que o cara é incrível. Por exemplo, nós apoiamos o Lula, porque ele é um representante dos trabalhadores. E também por isso não apoiamos o candidato do PSOL. Segundo, o candidato do PSOL não é só que ele não é um representante dessa ala. Ele levanta dúvidas sobre se ele, de fato, é um candidato de esquerda. A escolha da Marta Suplicy, na minha opinião, ele teve muito peso, demonstra o caráter reacionário da campanha. Essa mulher votou no impeachment da presidenta Dilma Rousseff e estava na prefeitura do Sr. Ricardo Nunes até ontem. Agora está no PT de novo, para servir de vice.
Além disso, as posições que ele tem apresentado são muito direitista. A campanha é muito direitista. Em outros momentos ele falou que era a favor da Venezuela. Agora que a imprensa subiu o tom nesse tema, ele é contra a Venezuela. Durante a campanha golpista ele atacou duramente a presidenta Dilma, disse que o governo era indefensável. E quando a esquerda convocou manifestação para defender a presidenta, ele ficava totalmente contra as manifestações, dividia as manifestações. Então, assim, não considero que seja uma coisa normal. Ele ficou contra a Dilma.
Agora ele está indo na TV falar que Boulos entregou casa para não sei quem. Mas essas casas não foram dadas pelo MTST, movimento que ele integrava, foram dadas pelo governo do PT. Governo esse que eles criticaram o tempo inteiro. Se eles falassem, que através da luta conseguimos as casas… tudo bem. Mas não é isso que eles estão falando. Atua como político burguês.
E a candidatura do PSOL, a falta de inserção dela na classe trabalhadora, mostra o caráter profundamente pequeno-burguês e que o eleitorado operário, trabalhador, estudantil, os que não estão ideologicamente, politicamente enganados pela propaganda, que são uma maioria silenciosa, eles tendem a votar pelo instinto. E o instinto político deles, nesse momento, diz que o Boulos é um cara do sistema. E esse instinto tá certo.
Esse instinto é importante porque o trabalhador tende a tomar decisões. Muitas vezes o pensamento dele não é um pensamento concreto, formal, em que ele concatena as ideias e aí tira uma conclusão. Muito pela situação do trabalhador, ele acaba indo por sinais mais discretos.
No entanto, essa intuição muitas vezes está certa porque ela tende a ser calcada no interesse material do trabalhador.
Qual a posição da esquerda? Existe uma crise? E qual o papel do PCO? Existe uma crise. Por um lado, essa crise passa pelo PT.
O PT tem duas coisas que estão complicando a vida dele. A primeira é a decisão da direção do PT de sacrificar o partido nas cidades, nos estados, inclusive nacionalmente, para fazer acordos que permitiriam uma relativa governabilidade para o presidente Lula. Isso daí não está funcionando porque o governo não tem uma maioria de fato.
Se o governo precisa votar alguma coisa, ele depende que os aliados queiram votar. É uma situação complicada. Isso por um lado.
Segundo, que aí é outra coisa, o sacrifício se dá por entregar a candidatura, desistir da disputa política para facilitar as alianças. São várias as cidades onde eles estão apoiando candidatos que são direitistas.
O PSOL passa por outra crise. Nós estamos vendo a crise da política identitária, e eles estão dobrando a aposta nisso daí. Nós estamos vendo o partido com uma aparência cada vez mais direitista. A fusão com a Rede mostra isso, pois a Rede é um partido de direita.
A posição deles cada vez mais pró-imperialista mostra isso também. E a dificuldade que eles estão tendo de avançar eleitoralmente com essa política direitista e, ao mesmo tempo, se manter com uma fisionomia diferente da esquerda, isso tudo tem sido complicado. Cada vez mais parece que o PSOL se sustenta diretamente na propaganda da burguesia e da imprensa.
Os partidos menores não sabem onde pôr a cabeça, porque o espaço tradicional deles foi ocupado pelo PCO. Você vê que aquilo que era assim, vamos ser radicais, etc., agora faz com que ele seja uma versão um pouco mais concentrada do PSOL propriamente. Na sua maioria, eles têm posições muito pró-imperialistas.
Tem exceções, mas nas questões nacionais relevantes, a esquerda toda tem posições muito ruins. Por exemplo, a questão da liberdade de expressão, posição muito ruim.
A posição dos direitos democráticos básicos, posição muito ruim. Essas questões dos direitos individuais e dos direitos democráticos coletivos, a posição da esquerda é ruim e abre a porta para a extrema-direita. Bem, pressionados pela extrema-direita também, a esquerda abriu mão de defender publicamente várias posições que são consideradas impopulares, como o aborto.
Mas, ao mesmo tempo, eles fazem uma propaganda intensa da política identitária que eles acham que é uma coisa popular quando, na verdade, é uma coisa que o trabalhador considera abjeta. Então, essa crise está se manifestando numa exclusão da influência deles sobre os trabalhadores e, uma coisa que eu acho muito relevante, é no encolhimento desses partidos, que é visível pelas estatísticas eleitorais.
O papel do PCO nesta crise é importante. Por um lado, tem acelerado a decomposição dos partidos menores da esquerda e tem acelerado as contradições dos maiores, porque estabelece um contraste, mostra que há um outro caminho, um caminho revolucionário.
E isso faz com que o pessoal tenda a se deslocar para a esquerda e a rejeição a esses grupos aumente. E, ao mesmo tempo, esses grupos, para se delimitar do PCO, estão indo mais à direita, o que só aumenta ainda mais essas contradições e essa polarização.
Pode comentar o ascenso eleitoral de Pablo Marçal e o fracasso da política de tentar caçar a direita? Como combater Pablo Marçal à direita? O primeiro gás do Pablo Marçal se deu porque ele se apresentou como um candidato “boca dura”, bruto, irreverente, como se fosse um cara de fora do sistema. O que mostra que o trabalhador está mais preocupado com o problema do poder político, ou seja, de quem vai tomar as decisões do combate ao sistema político vigente, do que com alguma proposta específica, banal. Isso é muito importante.
E a política de tentar combatê-lo por vias policiais, judiciais, fracassou. Caçaram as redes sociais dele, ele abriu outras que cresceram rapidamente. Isso, inclusive, não afetou a popularidade dele. Trótski tem uma frase importante, ele diz que os trabalhadores têm que aprender quem são os seus inimigos sem nenhuma dica da polícia.
E isso é muito importante, porque o trabalhador vai entender que a repressão é o sistema e os reprimidos são o antissistema. Então, nós temos que ser contra essa repressão. Agora, como combater o Marçal e a direita? Nós temos que transformar o debate em um debate político.
Primeiro, nós temos que nos desvencilhar, o PCO já faz isso, mas o resto da esquerda e dos trabalhadores tem que fazer isso também. Nós todos temos que nos desvencilhar da ideologia identitária e desse flanco que é a política burguesa, porque isso é muito explorado pela direita. Segundo, é preciso um ataque sistemático contra a direita nas questões que importam.
Por exemplo, mostrar o fato de que eles são um movimento burguês de empresários, a hostilidade deles aos direitos dos trabalhadores, a falsidade do combate deles ao sistema, mostrar que no fundamental as posições deles e do sistema são as mesmas. Temos que buscar mostrar isso daí. E a grande questão para combater a extrema-direita é a criação de uma alternativa antissistema pela esquerda.
Internacionalmente, mesmo com partidos que não são revolucionários, são reformistas, os que buscaram fazer isso daí começaram a obter um resultado. Então, acho que a questão fundamental é essa daí. E é claro, nós temos que buscar mobilizar os trabalhadores, os sindicatos, os movimentos sociais, para que eles façam coisas além de propaganda.
Por exemplo, o sindicato entrar em greve, os movimentos de moradia de terra ocuparem, os estudantes entrarem em greve, fazerem manifestações, etc. Porque as ações dos movimentos populares e, portanto, do povo, vão apenas polarizar ainda mais. Porque você vai ter uma greve, a direita vai pedir a repressão da greve. E vai ficar cada vez mais claro esse papel burguês e contra-revolucionário deles.
O que o PCO quer com as eleições? O partido adota a posição clássica dos socialistas. As eleições são uma tribuna para o partido.
Tanto para divulgar o seu programa, suas posições, fazer campanha, combater a campanha dos outros, ajudar a expor as limitações da democracia burguesa. E aqui, democracia vem com muitas aspas. Esse é uma das questões fundamentais. Usar a eleição para questionar o sistema.
E se um partido como o nosso adquirir um potencial eleitoral e chegar a algum cargo é importante porque você consegue uma determinada estrutura e um determinado reconhecimento do conjunto da população de que o partido está obtendo resultados. Muita gente, por inexperiência política, considera que o resultado eleitoral é a medida da influência e do crescimento de um partido.
Terceiro, se você disputa as eleições, o resultado eleitoral, se ele for correspondente àquilo que o povo votou, é uma representação, ainda que distorcida, da atual situação da conjuntura, da relação de forças entre o proletariado e a burguesia e da consciência dos trabalhadores. Acho que isso também é um dos motivos fundamentais para a gente participar das eleições.
Sua candidatura traz a juventude para o debate político. Têm se discutido novas formas de fazer política, de trazer a juventude. Como você responderia a isso? Quais as propostas e como mobilizar politicamente a juventude? A questão dessas novas formas de fazer política são justamente as coisas que estão espantando o pessoal, principalmente os mais jovens, da política que querem, na verdade, as velhas formas. Não as de 20 anos atrás. Mas a da Revolução Russa, por exemplo. A mobilização de massas, a defesa dos interesses dos trabalhadores, a defesa de fazer greve, piquete, manifestação de rua, brigar com a polícia, rebeldia etc. Mas a esquerda promove mobilização que é um faz-de-conta, geralmente na campanha eleitoral.
A juventude quer a mobilização que busca alterar, através da força das massas, a conjuntura. Então, assim, você quer mobilizar a juventude? Você precisa de uma mobilização que tenha esse caráter do ponto de vista da forma e do método e tem que ter esse caráter do ponto de vista das propostas políticas que você vai defender, ou seja, do programa. Isso eu acho que é o mais importante.
Em meio ao boicote, censura, restrições financeiras ao PCO, como é fazer campanha na maior e mais importante cidade do país? É um período como qualquer outro, só que nós estamos trabalhando com mais intensidade.
Em geral, o nosso partido não tem dinheiro e tudo aquilo que é feito, os companheiros arrecadam, vão lá, fazem um trabalho de campanha para, de forma unificada, conseguir vencer os obstáculos e é isso que nós estamos fazendo.
Nós já tiramos uma boa quantidade de panfletos, estamos distribuindo esses panfletos, estamos arrecadando dinheiro entre os apoiadores, estamos fazendo o trabalho aqui de forma que nós estamos mostrando que um partido revolucionário não depende de ninguém para fazer a revolução. Isso eu acho que é o mais importante.
Por exemplo, um candidato normal, a imprensa vai atrás dele para entrevistar. A gente, aqui em São Paulo, é que vai atrás dos veículos para ver se vão marcar uma entrevista.
Um candidato burguês, o Estado dá o dinheiro e ele gasta. O trabalho dele é gastar. No PCO o trabalho é de arrecadar, produzir o material, e distribuir.
Tem também a censura que é uma coisa importante, porque muita coisa que a gente fala, simplesmente não pode ser dita, porque se opõe ao regime e o TSE corre atrás de impor restrições. Isso tudo atrapalha, impõe obstáculos, mas não impede a nossa mobilização política. E na minha opinião nós estamos causando um estrago nos interesses da burguesia nesta eleição.
Que proposta do programa do PCO você destacaria como mais importante para São Paulo? De todas as coisas que o programa do partido tem, a mais importante de todas não está diretamente relacionada com a Saúde, Educação, Emprego, Segurança, mas tem a ver com todos eles, pois tudo isso depende do problema do poder político. A proposta mais importante do PCO para São Paulo é o problema do governo dos trabalhadores. Significa o quê? Colocar o processo da tomada de decisões e de controle da máquina municipal sob controle do povo.
Significa fazer com que as escolas, as decisões sejam tomadas pela comunidade escolar, usuários e trabalhadores do sistema de saúde. O transporte, pelos trabalhadores do transporte e o conjunto da população que utiliza o transporte público. Que nos bairros as decisões sejam tomadas pelas pessoas que moram lá, que eles decidam a destinação de recursos, etc.
Que o povo, através dos seus movimentos e da participação direta em assembleias, em conselhos populares, tome as decisões. Porque a questão é a seguinte, isso é profundamente revolucionário. A ideia de que o poder político, ou seja, a capacidade de decidir o que vai ser feito e de combater os inimigos da classe trabalhadora, de tirar o Estado do controle da burguesia e colocar os trabalhadores, essa é a proposta mais importante.
Do ponto de vista do programa marxista geral, a viabilidade de fazer isso daí é relativa. Porque coexistir com a burguesia e fazer com que ela aceite que ela não controla o Estado é, em grande medida, impossível. Na hora que você propõe para que a classe trabalhadora controlar cada vez mais partes do aparato estatal, você está criando uma situação de duplo poder, em que você questiona a existência do Estado burguês e o Estado, que é, em grande medida, operário, começa a coexistir por um período prévio a uma revolução.
Então, nosso trabalho é defender essas coisas agora, como sempre disseram os marxistas, as reformas são um meio, a revolução um fim. Bem, então acho que essa é a questão fundamental.