O artigo Vitória de Boulos interessa a todos nós, assinado por Paulo Moreira Leite no Brasil 247, tenta vender a ideia de que uma eventual vitória do candidato psolista à prefeitura de São Paulo Guilherme Boulos representaria uma oportunidade histórica, mas esquece de analisar a trajetória oportunista de Boulos e seu verdadeiro papel no cenário político atual. No texto, Leite exalta a suposta “militância reconhecida nas lutas populares da periferia de São Paulo” como um dos trunfos de Boulos, quando na verdade essa “militância” não passa de um degrau para alavancar suas pretensões eleitorais. Não há como ignorar o fato de que, ao longo de sua campanha, Boulos deixou claro que sua ligação com as lutas populares é puramente instrumental.
Em entrevista ao g1, o atual deputado psolista foi taxativo: “Não sou mais líder de movimento social, sou deputado federal”. Essa declaração é um verdadeiro atestado de que Boulos não está comprometido com os interesses dos movimentos de moradia, mas com sua própria ascensão política. Ao contrário do que Leite sugere, a trajetória de Boulos é marcada pelo abandono de suas bases de apoio assim que surge a oportunidade de galgar posições. Sua atuação no Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) serviu apenas como trampolim para entrar no Congresso Nacional.
A falta de conexão de Boulos com o movimento de moradia e o direitismo do funcionário do IREE é tamanho que o parlamentar reproduziu calúnias típicas da direita para criminalizar os movimentos de luta por moradia, no intuito de justificar a opção pela repressão contra ocupações em um eventual governo psolista da prefeitura paulistana. Disse Boulos ao Estado de S. Paulo, ainda em campanha eleitoral:
“Primeiro, nós vamos dialogar com movimentos sociais. Agora, havendo uma situação como essa [ordem judicial com reintegração de posse], não vou prevaricar. Senão, eu sou preso. Você tem obrigações funcionais. (…) Aqui estou falando de movimento organizado. Outra coisa é movimento clandestino na periferia ligado ao crime.”
Outro ponto abordado por Leite é o “apoio de Lula” a Boulos, como se isso fosse um carimbo de credibilidade inquestionável. Mas é preciso lembrar que essa bênção do ex-presidente já se mostrou uma maldição para o próprio PT e para a classe trabalhadora em diversas ocasiões. Não custa lembrar que Lula também “abençoou” a candidatura de Mário Covas em 1994, sob a desculpa de derrotar Paulo Maluf.
Essa decisão abriu caminho para quase 30 anos de domínio do PSDB no governo do estado mais importante do País. Durante esse período, os tucanos implementaram uma política neoliberal feroz, privatizaram serviços essenciais e rebaixaram enormemente as condições de vida da população.
Mais recentemente, no Rio Grande do Sul, o apoio do PT à candidatura de Eduardo Leite (PSDB), sob o manto da “Frente Ampla”, resultou em mais um desastre. Leite, um político abertamente neoliberal, aprofundou o desmonte do estado e colocou em prática uma política de terra arrasada. As enchentes que devastaram o estado após as chuvas ocorridas no mês de maio deste ano são a consequência direta do governo criminoso de Leite, que se mostrou totalmente indiferente ao drama da população gaúcha.
E quem foi o responsável por ajudá-lo a se eleger? O PT, em nome do mesmo pragmatismo que agora faz Lula apoiar Boulos.
O jornalista de Brasil 247 também ignora a longa lista de alianças nefastas que o presidente já realizou. Em defesa de seus arranjos políticos, Lula já apoiou o Partido Progressista, antigo ninho de Jair Bolsonaro, fez do traidor Michel Temer vice-presidente do governo de Dilma Rousseff, aliou-se a Roberto Jefferson e, para coroar, trouxe Geraldo Alckmin para a vice-presidência de seu próprio governo.
O Alckmin que hoje ocupa a cadeira de vice de Lula é o mesmo que durante anos comandou com mãos de ferro o Palácio dos Bandeirantes (sede do governo do estado de SP), reprimindo violentamente protestos estudantis e de professores, além de implementar políticas de desmonte do serviço público. Portanto, o fato de Lula ter “abençoado” Boulos não deveria ser visto como um atestado de qualidade, mas como mais um sintoma do seu pragmatismo desprovido de uma base teórica mais aprofundada para ler a realidade que o cerca, frequentemente resultando em alianças que traem os interesses populares e causam problemas imensos.
Esse fenômeno também se expressa na capitulação diante dos interesses do imperialismo, observada a partir da forma como o líder brasileiro lidou com os governos anti-imperialistas da Nicarágua e da Venezuela. Em vez de se manter firme na defesa da autodeterminação dos povos oprimidos da América Latina, Lula se dobrou à pressão internacional e passou a condenar abertamente os governos de Daniel Ortega e Nicolás Maduro, repetindo a propaganda do imperialismo, que retrata esses líderes como “ditadores”.
Essa postura não só desmoralizou Lula diante de aliados internacionais tradicionais como Ortega e Maduro, como também fortaleceu seus inimigos, que usam cada uma de suas capitulações para atacá-lo ainda mais. A situação é ainda pior quando se trata do movimento de libertação da Palestina.
Ao invés de condenar veementemente o apartheid sionista, Lula tem reproduzido o discurso do imperialismo e do sionismo ao sugerir que a Resistência Palestina seria um movimento de “fanáticos religiosos”, como disse na ocasião da abertura da Assembleia Geral da ONU. Essa visão não apenas deslegitima a luta dos palestinos, como também alinha o presidente com as potências que sustentam a opressão israelense, que no Brasil, é especialmente defendida pelos bolsonaristas. Essas capitulações não têm trazido benefícios para Lula ou para o Brasil, mas, ao contrário, abriram espaço para ataques ainda mais intensos por parte de setores reacionários que veem suas fraquezas como oportunidades para avançar.
O apoio a Boulos, assim como tantos outros, é um erro crasso que pode ter repercussões desastrosas para o PT. Se a candidatura do psolista sair vitoriosa em São Paulo, é muito provável que o PT seja reduzido a pó na principal cidade do país, a exemplo do que aconteceu no Rio de Janeiro, onde o partido se esfacelou após se aliar a figuras pequeno-burguesas. Guilherme Boulos não é um aliado confiável. Sua trajetória, marcada pelo abandono de bases populares e pelo oportunismo eleitoral, indica que ele está mais interessado em sua própria ascensão do que na construção de um projeto popular.
Assim como Lula já se equivocou ao apoiar figuras como Covas, Eduardo Leite e Alckmin, seu apoio a Boulos não só representa um erro de cálculo, mas também uma ameaça direta ao próprio PT, que pode ver sua base eleitoral na capital paulista minguar ainda mais. Para a esquerda, Boulos não é uma solução, mas um problema.
Seu oportunismo e falta de compromisso real com a classe trabalhadora o tornam um candidato ideal apenas para a direita. Se a esquerda realmente deseja evitar mais um desastre, é preciso denunciar quem realmente é Guilherme Boulos, que não merece nenhuma confiança dos trabalhadores e estudantes paulistanos.