O jornalista Florestan Fernandes Jr., em seu artigo Boulos contra a roleta-russa, publicado no Brasil 247, tenta convencer a esquerda paulistana de que o deputado Guilherme Boulos (PSOL) é a única opção capaz de garantir a preservação da democracia no Brasil. Fernandes Jr. argumenta:
“Uma vitória de Boulos é importantíssima, não só para o sucesso econômico e social do país, mas para a preservação da democracia, sustentada hoje a duras penas pelo presidente Lula, sua frente progressista e pelo STF.”
O que Fernandes Jr. convenientemente esquece é que Boulos surgiu para a política nacional não como defensor dos trabalhadores, mas como um dos principais algozes do governo petista. Foi ele quem, em 2014, às vésperas do golpe de Estado que derrubou a presidenta Dilma Rousseff, declarou que o governo era “indefensável”, e que a saída da crise passava pela “renúncia de Dilma”.
A frase exata foi: “O governo Dilma é indefensável. Tem que mudar, e é melhor que mude com mobilização do que pelo impeachment no Congresso.” Ou seja, um falso esquerdista pedindo mobilização, mas em linha com os desejos da direita golpista.
Antes que alguém pense que Boulos “mudou” sua postura, basta lembrar de suas declarações recentes. Na campanha à prefeitura de São Paulo, o candidato do PSOL não só repetiu seu apoio às ações de repressão estatal contra movimentos sociais como deixou claro que seu compromisso não é com os trabalhadores, mas sim com a ordem estabelecida: “Não defendo manifestações violentas. Tive um histórico de 20 anos atuando no movimento social em que foram raros os casos de violência como esse. O meu papel era defender as pessoas com unhas e dentes. Hoje estou em outro lugar, não sou mais líder de movimento social, sou deputado federal.”
Essa frase sintetiza a postura de Boulos. Para bom entendedor, meia palavra basta. Ele assumiu que usou os movimentos sociais como trampolim para o alpinismo político e, após se eleger, desfez-se do compromisso com os trabalhadores. Como se não bastasse, na mesma campanha declarou, sem rodeios, que atenderá a pedidos de reintegração de posse e ainda deu a senha para a repressão contra os próprios movimentos de moradia: “Primeiro, nós vamos dialogar com movimentos sociais. Agora, havendo uma situação como essa, não vou prevaricar. Senão, eu sou preso. Você tem obrigações funcionais. (…) Aqui estou falando de movimento organizado. Outra coisa é movimento clandestino na periferia ligado ao crime.”
Quem se ilude com a ideia de que Boulos representaria um “novo rumo” para a esquerda paulistana precisa repensar. Se esse é o futuro oferecido pela candidatura do PSOL, não há dúvida de que ela representa um retrocesso. É um engano achar que Boulos não participa da roleta-russa política descrita por Fernandes Jr. Ele é, na verdade, uma das balas que o imperialismo e o capital usam para manter a esquerda sob controle, enquanto reprime os movimentos sociais com a mão de ferro da “legalidade”.
Ao apoiar Boulos, Fernandes Jr. tenta vender uma ilusão que só serve para manietar ainda mais a esquerda e forçá-la a se alinhar a um direitista oportunista disfarçado de progressista. Essa defesa de Boulos lembra a traição de outro “esquerdista” ilustre, Fernando Henrique Cardoso.
FHC, que também tinha um histórico como acadêmico e se dizia de esquerda, ao chegar ao poder declarou: “Esqueçam tudo o que escrevi.” E passou a impor uma política neoliberal tão feroz que ao final de seu mandato, o Brasil vivia uma crise social devastadora, com milhares de crianças morrendo de fome diariamente.
Como FHC, Boulos já deu todas as sinalizações de que fará o que for preciso para garantir seu lugar na ordem burguesa. Incluindo colocar a ROTA e dobrar o efetivo da GCM como promessas de campanha. O final do artigo de Fernandes Jr. só faz sentido se considerarmos “democracia” como um regime de opressão comandado por uma burocracia autoritária que usa falsos esquerdistas como Boulos para legitimar sua repressão aos movimentos populares.
Ao contrário do que Fernandes Jr. quer fazer crer, uma vitória de Boulos seria, na verdade, uma derrota para os trabalhadores e movimentos sociais. Não existe diferença substancial entre ele e os demais candidatos direitistas. A defesa apaixonada de sua candidatura é um claro aviso de que o mesmo truque usado para eleger FHC pode ser empregado novamente para colocar um fantoche neoliberal no governo.