Macaé Evaristo, recém-empossada no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, resolveu chamar a atenção para um tema que sempre traz à tona o lado mais moralista e repressivo do Estado: as apostas e os chamados “jogos de azar”. A ministra, que parece seguir a mesma linha conservadora de figuras como Damares Alves, se mostrou extremamente preocupada com a “exposição excessiva” das crianças aos bets. Em declarações recentes, Evaristo afirmou:
“Sou avessa a jogos de azar, apostas, e a tudo que faça a pessoa perder a sua casa por uma brincadeira. Isso não é natural nem normal, nem deve ser incentivado em termos de sociedade. Do ponto de vista da política, temos debates sobre essa questão no âmbito do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. É um tema que afeta as famílias.”
Mais uma vez, um discurso carregado de moralismo se sobrepõe à verdadeira questão: a condição miserável em que se encontram as massas trabalhadoras do Brasil. A ministra, em vez de abordar a raiz do problema — a pobreza extrema e o desemprego que empurram milhões a buscarem alternativas desesperadas para sobreviver —, prefere demonizar as apostas como se fossem um mal por si só e não um reflexo.
Essa tentativa de criminalizar o comportamento das pessoas, apelando para um discurso pseudo-protetor, nada mais é do que um jeito de transformar um problema econômico em uma questão moral. Aliás, se a situação econômica do povo fosse estável, com empregos e salários decentes, é evidente que o apelo aos jogos de azar seria menor.
O verdadeiro “problema” das apostas não está na sua prática, mas no desespero de uma população que, sem perspectiva e empurrada à miséria, enxerga nesse tipo de jogo uma esperança — ainda que ilusória — de conseguir escapar da condição sub-humana em que vive. Se Macaé Evaristo estivesse minimamente preocupada com o bem-estar das famílias, estaria defendendo políticas que garantissem moradia, emprego e uma renda digna ao trabalhador.
Porém, o que se vê é a ministra se alinhando com um discurso que em muito lembra os argumentos usados por Damares Alves e outros expoentes do bolsonarismo, que, sob o pretexto de proteger a “moral e os bons costumes”, defendiam uma intervenção estatal cada vez mais repressiva e invasiva nas vidas das pessoas. Esse paternalismo estatal, travestido de preocupação com as crianças, na verdade serve para camuflar a falência das políticas econômicas.
Para Macaé, é mais fácil proibir e reprimir do que enfrentar de frente a crise social e econômica que obriga os trabalhadores a apostar até o salário mínimo em um jogo. Não satisfeita, a ministra ainda aprofundou o tom dramático, chegando a afirmar:
“No dia a dia e a toda hora, quando usamos o celular, estamos expostos a uma propaganda que é massiva e naturaliza uma questão que não é natural. Não é natural pegar o salário, que é para comprar comida, e colocá-lo no jogo de apostas porque, no geral, quem ganha é a banca. Você vai perder. Tenha certeza disso. Vai perder seu salário, sua casa e o alimento dos seus filhos.”
Essas palavras soam como uma caricatura das pregações moralistas típicas dos fundamentalistas religiosos que já comandaram a pasta. A lógica do mercado financeiro e dos banqueiros que suga o salário do trabalhador através de juros abusivos e de uma política de arrocho fiscal não causa a mesma indignação? E o constante aumento do custo de vida, o desemprego e a destruição de direitos trabalhistas não são também fatores que fazem com que famílias percam suas casas e o alimento de seus filhos?
O fato é que o governo, ao tratar as apostas como um problema moral, ignora (ou finge ignorar) que a verdadeira ameaça à estabilidade financeira das famílias está no próprio sistema econômico. A pobreza não se resolve com proibição ou com sermões moralistas. Para resolver o problema do trabalhador que aposta suas economias em um jogo, é preciso, antes de mais nada, dar-lhe uma alternativa digna, que assegure a ele e à sua família condições mínimas de subsistência.
De que adianta falar sobre o perigo de perder o salário no jogo, se esse mesmo salário, tão minguado, mal cobre o básico? No final, o Estado se preocupa mais em vigiar e punir do que em garantir um padrão de vida decente.
Ao propor uma tutela estatal sobre o comportamento individual, Evaristo assume uma postura que em muito se assemelha ao que de mais reacionário vimos durante o governo Bolsonaro: uma tentativa de impor padrões morais conservadores para controlar a sociedade. E não para por aí.
Em uma jogada típica de populismo barato, a ministra apresenta o vício em apostas como comparável ao vício em drogas, criando uma falsa equivalência que só serve para inflamar a opinião pública. Um desavisado poderia até se perguntar se a autora dessa fala é mesmo uma ministra de Estado do PT ou uma remanescente do bolsonarismo.
Se o objetivo fosse realmente proteger o povo, a ministra estaria exigindo políticas econômicas que garantissem estabilidade financeira, segurança no emprego e salário equiparado ao mínimo vital para as famílias. Ela estaria denunciando as políticas neoliberais que o próprio governo que integra vem implementando, sob o comando de Fernando Haddad, e que têm aprofundado a penúria das famílias operárias, mas não. A ministra, no entanto, prefere o caminho mais fácil, o da repressão e do moralismo.
O mais impressionante é ver uma figura que supostamente representa um governo de esquerda replicar as mesmas posições reacionárias que, durante quatro anos, atacaram os trabalhadores sob o manto da moralidade e da proteção da família. Sobre o que realmente está na alçada da ministra, a crise social representada pela população carcerária, nem uma palavra. Esconder-se atrás das crianças é uma cortina de fumaça para desviar o foco do que realmente importa, mas que levaria o governo a uma guerra contra a burguesia, a única classe interessada em reprimir e prender pessoas.