Já mostramos diversos exemplos em que apoiar a política do “mal menor” resultou em fracassos devastadores para a classe trabalhadora. Mas existiram também situações em que, cansados e desiludidos com as tentativas de golpe por parte da burguesia, os trabalhadores tomaram a frente da situação e viraram o jogo. Um desses exemplos culminou na criação de um dos maiores partidos de esquerda da América Latina: o Partido dos Trabalhadores (PT).
Durante a ditadura militar, a burguesia tentava manter a aparência de regime democrático de várias maneiras, entre elas, por meio da realização de eleições fajutas. A maioria da população sabia que estava vivendo em uma ditadura, mas esse tipo de coisa era importante para manter a aparência de que o regime seria democrático.
Os partidos que disputavam essas eleições eram a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), ambos criados pela ditadura. O primeiro era o partido de apoio ao regime, e o segundo uma falsa oposição, ou, a “esquerda”.
Por muito tempo, continuando a tentativa de conferir uma aparência democrática ao regime militar, o MDB tentou ganhar os trabalhadores, forçando a população a se adequar a essa situação política e a escolher entre os dois partidos. A tática da ditadura era forçar o povo a escolher o “mal menor”.
Naquele momento, os trabalhadores e as organizações populares acreditavam que não havia possibilidade de reivindicar nada sem ser por meio de um acordo com o MDB, que não havia possibilidade de independência.
Era assim no parlamento, era assim nos sindicatos e era assim também no movimento estudantil. Não havia qualquer perspectiva de participar da política nacional que não fosse por meio dos caciques do MDB. Com essa política, os trabalhadores não tinham suas reivindicações atendidas, mais ainda, a esquerda e os trabalhadores cometiam o grande erro que fortaleceu a ditadura por mais de 14 anos, eles deram legitimidade ao regime militar e a suas eleições farsescas.
Isso começa a mudar em 1977. Nesse ano, os estudantes arriscaram suas vidas e começaram a libertação do povo brasileiro. Em 30 de março, os estudantes da USP tomaram as ruas, mesmo que em pequeno número, para protestar contra os ataques à universidade e o ensino superior. Sem MDB, sem políticos da ditadura, eles foram reprimidos, sim, mas isso não os parou. Em 5 de maio, tomaram as ruas, agora aos milhares, com a coragem de gritar, pela primeira vez em mais de uma década: “abaixo a ditadura”.
O exemplo dos estudantes inspirou o País inteiro. Jovens estudantes não são, contudo, a força capaz de derrotar uma ditadura, nem derrotar os partidos da ditadura. Esse papel caberia à classe trabalhadora.
No dia 12 de maio de 1978, um punhado de trabalhadores metalúrgicos, da ferramentaria da Scania, um departamento minúsculo da fábrica no ABC paulista, fariam o impensável: começariam a onda que acabaria com a ditadura. Os trabalhadores largaram suas ferramentas e, contra o MDB e a ditadura, declaram que iam parar suas atividades até que os salários fossem reajustados.
Rapidamente, o processo de uma dúzia de trabalhadores tomou conta de todas as fábricas do ABC, começava a primeira greve em mais de uma década. Mais de 100 mil operários se juntaram aos bravos companheiros da ferramentaria, depois de 15 dias de greve, eles conseguiram aumento salarial. Não era tudo que queriam, mas foi a centelha que acenderia a chama. A revolta contra o sistema havia conseguido, pela primeira vez em anos, uma vitória.
Greves eram proibidas pela ditadura, mas eles fizeram mesmo assim, criticados tanto pela ARENA, como pelo MDB. Lula iria dizer, durante esse período: “não vejo também o MDB como salvação de nada. É um partido como a ARENA”. Era o fim da política do “mal menor” e o começo do PT.
Em 10 de fevereiro de 1980, os estudantes que tomaram as ruas em 1977, os metalúrgicos que fizeram greve em 1978,1979 e 1980 e a maioria da esquerda, os trabalhadores conscientes, fundaram o PT, um partido que exigia a independência política dos trabalhadores.
Foi rejeitando votar no MDB, rejeitando estar dentro dele e apoiá-lo que Lula virou a liderança que é hoje. Os anos finais da ditadura mostrariam a verdadeira face do MDB, mostrariam que ele era um falso amigo.
Em 1984, por exemplo, em São Paulo, foi o momento do governador Franco Montoro, muitas vezes colocado como amigo e aliado dos trabalhadores. O episódio mais marcante durante seu governo foi a repressão dos boias-frias (cortadores de cana-de-açúcar) no interior do estado, que reivindicavam melhorias de salário e condições de trabalho. Mais de sete mil trabalhadores cruzaram os braços e, desarmados, foram reprimidos por policiais com cães, cassetetes e armas de fogo — foram registrados dezenas de feridos e uma morte. Não coincidentemente, o então secretário de Segurança Pública do estado era Michel Temer, também do MDB.
De acordo com o presidente do sindicato da época, Montoro havia decidido “acabar com a greve não importa como”.
Durante a Constituinte, o MDB iria se posicionar contra os direitos trabalhistas e, inclusive, defender anistia aos torturadores da ditadura.
Não foi apenas a violência militar que manteve a ditadura por 21 anos, principalmente depois de 1974, mas sim, a dificuldade dos trabalhadores de romper com o MDB. A ditadura acabou, na prática, quando o povo viu que poderia confiar apenas em si mesmo, nos seus representantes, e não se contentar com menos do que isso.
É preciso lembrar da história das lutas do povo para nunca mais cometer o mesmo erro.