O que uma condenação por terrorismo, o crime organizado no Brasil e a nova fase da política internacional tem em comum? De acordo com a general norte-americano Laura Richardson, responsável pelo Comando Sul das Forças Armadas dos Estados Unidos, absolutamente tudo.
Em mais um “sincericídio”, desta vez, em entrevista conduzida pela Fundação para a Defesa da Democracia, um “think tank” criado após o 11 de setembro de 2001 para alimentar ideologicamente a “guerra ao terror”, a general aproximou as ameaças dos competidores estratégicos dos EUA – China, Rússia e Irã – ao Hesbolá, no que concerne a segurança do imperialismo.
Na entrevista, Richardson mencionou duas vezes o Brasil ao tratar das “intenções malignas” de seus adversários. “As atividades do Hesbolá (na América Latina) obviamente são uma preocupação”, afirmou a general.
Após listar movimentos da China e da Rússia na América do Sul, como a viagem de Serguei Lavrov, ministro das relações exteriores da Rússia, por Nicarágua, Venezuela e Cuba, em abril. Além disso, a general tratou do partido libanês Hesbolá na América do Sul, segundo Richardson, o grupo é quase sempre sinônimo da Tríplice Fronteira, entre Argentina, Paraguai e Brasil.
A citação ao partido libanês aconteceu logo antes de mencionar as passagens de navios de guerra do Irã e da Rússia no Cone Sul, para assinalar as tais “intenções malignas” dos adversários dos EUA na região. “Navios de guerra iranianos, que estão fazendo um giro global, vieram para o hemisfério a partir do Pacífico e tentaram fazer escalas em inúmeras cidades, que foram negadas. E a fragata acabou recebida no Rio.”
Segundo a general, “estamos vendo uma tendência de aumento de ações na região [América do Sul] também por parte de nossos concorrentes estratégicos e, novamente, é muito preocupante, porque acho que a região está insegura e instável e nós podemos fazer melhor neste momento vulnerável para mantermos fora, concorrentes estratégicos, que têm intenções malignas”.
O giro dos EUA pela África e Oriente Médio em direção à América Latina não é uma surpresa. Aliás, os norte-americanos nunca deixaram o continente ao Sul do Rio Grande “desassistido” e o Comando Sul das Forças Armadas dos EUA é a prova disso. No entanto, com a deterioração das posições norte-americanas no teatro de operações do Oriente Médio e África, nada mais natural que os EUA retomem sua atenção para o “quintal”. Assim foi alertado por analistas, como o Cmdt. Robinson Farinazzo.
“Com a saída forçada da OTAN [do Sahel], vitória do Assad na Síria, o contínuo avanço russo na Ucrânia e o ‘caldeirão’ do Oriente Médio por conta de Gaza, a tendência é os EUA voltarem a atenção para o seu hemisfério”, disse Farinazzo em seu programa no canal A Arte da Guerra, no Youtube.
Para o coronel Paulo Filho, em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, a nova estratégia nacional de defesa dos EUA acentuou a mudança de foco ocorrida no governo de Donald Trump, que listou Rússia, China, Coreia do Norte e Irã como as maiores “ameaças” para a nação. “Até então, o terrorismo figurava, nos documentos oficiais dos EUA, como principal ameaça à segurança do país”, disse.
Segundo o coronel, os BRICS trouxeram uma dimensão estratégica que era ausente na “guerra contra o terror”, doutrina que guiou as Forças Armadas norte-americanas desde o início dos anos 2000. É justamente no Irã e em seu Eixo da Resistência, que se encontraria o nó ideológico entre a guerra ao terror e a atual disputa por hegemonia global contra o polo sino-russo. “Os EUA começaram a expressar abertamente a sua apreensão, inclusive no domínio militar, como exemplificado pelas análises da general Richardson”, concluiu Filho.
A necessária interconexão entre forças insurgentes e atividades ilegais, utilizadas para a aquisição de equipamentos, armas e fundos, também é utilizada pela General para ligar o contrabando na tríplice fronteira, ao Hesbolá. Dessa maneira, a guerra ao terror, o combate ao crime organizado e a luta contra o polo sino-russo se fecham em um novo “eixo do mal” que cativa o estamento burocrático brasileiro. Este é o caso de Frederico Salóes, major e instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), como exemplificou durante o seminário “Análise Situação Israel x Hamas”, promovido pelo Observatório Militar da Praia Vermelha.
Esta colonização ideológica promovida pelos EUA também atinge membros do Ministério Público, Polícia Federal e do Judiciário, para citar alguns dos elementos mais importantes da burocracia brasileira. Não à toa, a prisão e subsequente condenação de Lucas Passos Lima no dispositivo do art. 5º da lei antiterrorismo, revelam o quão manipulável são as entranhas do aparelho de Estado brasileiro.
As falas da general norte-americana Richardson são preocupantes não apenas por revelarem como os EUA enxergam o Brasil e toda a América do Sul, mas sim porque nos lembram que o próprio Estado Brasileiro está infiltrado até sua medula de agentes e ativos estrangeiros, em especial, de corte norte-americano. Este é, se não o maior, um dos maiores desafios das forças populares e, mais imediatamente, do governo Lula. Tal “infecção”, se não tratada, manterá a nação brasileira anêmica, incapaz de atos de verdadeira soberania, como observados na China, Rússia, Irã e até mesmo em nossa pequena vizinha, a República Bolivariana da Venezuela.