Ditadura Militar

Ernesto Geisel preparou o caminho para FHC, Temer e Bolsonaro

Esquerdistas esquecem que economias se assemelham a outros seres vivos: nascem de uma determinada forma e a partir disso, evoluem, ou, nesse caso, regridem ainda mais

No artigo Sobre Ernesto Geisel: os méritos do general e algumas comparações com Lula, escrito por Paulo Nogueira Batista Jr. para o Brasil 247, o jornalista retoma a defesa do presidente da Ditadura Militar (1964-1985) Ernesto Geisel como um dos grandes “nacionalistas” do País, ao lado do atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, e de Getúlio Vargas. Como se fosse um feito muito extraordinário, Batista Jr. defende o general dizendo que “Geisel foi um presidente desenvolvimentista e nacionalista, mais do que qualquer outro da ditadura militar. E mais do que qualquer outro dos presidentes da República que vieram depois – com as exceções de Lula e Dilma”, uma consideração que indica um problema de método.

A referência de Batista Jr. é o general João Batista Figueiredo e José Sarney, responsáveis pela manutenção da farra da “dívida” externa que arrebentava a economia nacional enquanto fazia a festa dos banqueiros imperialistas, e depois, Fernando Collor, FHC (talvez o mais criminoso de todos), o golpista Michel Temer e o igualmente golpista Jair Bolsonaro. Os quatro últimos dedicaram-se a organizar não apenas o assalto dos cofres públicos (que mantiveram), mas também a entrega do patrimônio público aos monopólios internacionais, o que torna a comparação esdrúxula pelo simples fato de que sem uma análise mais aprofundada, qualquer entreguista pode ser considerado nacionalista, se a base de comparação for FHC. 

Não é assim, como veremos adiante, mas antes, Batista Jr. continua defendendo sua tese, falando dos cinco anos de governo Geisel com mais entusiasmo do que atenção aos detalhes:

“Era um Brasil que confiava em si mesmo e no seu potencial de desenvolvimento. Havia muitos problemas não resolvidos e que sequer foram realmente enfrentados – em especial a péssima distribuição de renda e riqueza –, mas a economia crescia rapidamente e gerava empregos. O PIB cresceu 7% ano em média, resultado não igualado nos governos posteriores. O II PND se baseava no chamado tripé – o Estado, o setor privado nacional e o setor privado estrangeiro. Uma economia mista, portanto, com forte presença das empresas estatais, mas aberta ao capital estrangeiro.”

É justamente a presença do capital estrangeiro (o imperialismo), o que desmascara o mito do “nacionalismo” de qualquer governo da Ditadura Militar. Getúlio Vargas, por exemplo, não se dedicou a importar a indústria norte-americana e europeia do aço, da eletricidade, das telecomunicações ou do petróleo, mas a fundar empresas brasileiras para atuar nos respectivos ramos, garantindo com isso que os setores estratégicos da economia nacional estivessem sob controle do País e, consequentemente, apoiassem a expansão da indústria nacional.

O capital estrangeiro, longe de ser um parceiro do desenvolvimento brasileiro, foi um parasita que, limitou o progresso nacional, sufocou a tentativa de se construir uma indústria automotiva 100% brasileira e com ela, uma indústria pesada nacional. A destruição da Fábrica Nacional de Motores, da Vemag e o fim da produção automobilística da Romi provam a qualidade dos “nacionalistas” que assaltaram o poder em 1964.
A partir dos anos 1980, com a consolidação dos monopólios imperialistas na economia nacional, dedicaram-se a uma nova etapa, a que vivemos atualmente e que se reflete no verdadeiro cemitério industrial que se observa nos grandes centros da nação. Curiosamente, Batista Jr. parece ter um lampejo do problema representado pela invasão dos monopólios imperialistas, como na passagem em que diz:

“O meu segundo emprego, aliás, foi como estagiário do BNDE [atual BNDES] e pude ver como o banco com entusiasmo no cumprimento da missão de apoiar o desenvolvimento de setores estratégicos da economia nacional privada. E ressalto: o apoio era a empresas privadas nacionais. Os engenheiros, economistas e advogados sob cuja orientação eu trabalhava resistiam ferozmente a qualquer tentativa de empresas estrangeiras se travestirem de nacionais para obter financiamento de longo prazo a taxas favorecidas junto ao BNDE. O argumento, naquele tempo, era o de que filiais e subsidiárias de empresas estrangeiras podiam recorrer ao capital de suas matrizes e tinham acesso mais fácil ao mercado internacional de crédito. Não deviam e nem precisavam, portanto, buscar apoio nos bancos públicos brasileiros.”

Ora, viu, mas nitidamente não assimilou direito a extensão do problema, como fica evidente ao continuar:

“A essa altura do texto, já se percebe por que economistas nacional-desenvolvimentistas têm razões de sobra para apreciar o que foi feito no período Geisel. Basta comparar com o que aconteceu em governos posteriores em matéria de compromisso com o desenvolvimento, com o último da ditadura militar, o governo Figueiredo, e com o governo Sarney (exceção feita ao breve interregno do ministro da Fazenda Dilson Funaro, do qual também participei, já na condição de economista). Já nem peço a comparação com os governos antinacionais de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso.”

Batista Jr. parece esquecer que economias em alguma medida, se assemelham a outros seres vivos: nascem de uma determinada forma e a partir disso, evoluem, ou, nesse caso, regridem ainda mais. A destruição do varguismo e o vertiginoso processo de industrialização da economia brasileira começou a apresentar feições mais contundentes a partir dos anos 1990, mas as condições para que isso fosse possível foram dadas antes, com o golpe de 1964 e com os governos militares da Ditadura, Geisel entre eles. Não foi um processo fácil.

Imediatamente após a Segunda Grande Guerra, o imperialismo viu a necessidade de acabar com o nacionalismo das mais desenvolvidas entre as nações atrasadas, onde essa política era forte. Foi assim com o Irã, a Argentina e naturalmente, a principal de todas: o Brasil.

Após as revoluções de 1930, uma incipiente, mas poderosa burguesia brasileira surgiu sobretudo em São Paulo e no Rio de Janeiro. A força dessa burguesia conseguiu garantir transformar radicalmente o País e só pode ser quebrada com uma sucessão de golpes de Estado, primeiro contra Vargas e depois contra seu principal herdeiro político, João Goulart.

Nunca foi o comunismo, mas o nacionalismo o problema que o governo norte-americano precisava resolver e a solução foi Geisel.

Claro que a economia brasileira cresceu durante o período do governo do general. Com a dívida externa mais do que dobrando, durante o período 1974-1979, saindo de US20 bilhoões para US$55,80 bilhões, a contratação alucinada de empréstimos teria de beneficiar também a burguesia nacional, uma estrutura social que ainda tinha força para exigir sua parte na festa.

Ainda assim, não se comparava com o saque feito pelos banqueiros norte-americanos e europeus, que encontraram no gigante latino um porto seguro para a especulação e o rentismo. A alta dos juros nos EUA após o segundo choque do petróleo e a crise da dívida externa a partir de 1980 encerrariam definitivamente a participação da burguesia brasileira. A partir de então tudo para o imperialismo, conforme o plano traçado desde o começo e do qual Geisel foi não apenas parte durante o golpe, mas organizador durante uma etapa crucial.

Desde então, o País foi posto de joelhos para as potências imperialistas. FHC, Temer e Bolsonaro são filhos diretos de uma política voltada a atender os interesses da classe social dominante, que mesmo no atual governo Lula, continua obrigando a Petrobrás a pagar dividendos como nenhuma empresa no mundo enquanto o desemprego e os salários aprofundam o drama da população. Se isso é nacionalismo, nada mais é entreguismo.

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