No final dos anos 1940, o Brasil vivia um episódio até hoje inédito na história do País: a cassação do Partido Comunista do Brasil (PCB) pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi um dos mais descarados atos de arbítrio, além de uma agressão direta ao povo brasileiro e um prenúncio sombrio do que o imperialismo pretendia impor ao país, sendo finalmente implementado em 1964.
A cassação do PCB se deu a partir de uma declaração dada por Luís Carlos Prestes, senador pelo partido e então secretário-geral da agremiação. Em sessão da Assembleia Constituinte, o deputado Juracy Magalhães (UDN) questionou Prestes sobre quem o parlamentar apoiaria caso o Brasil entrasse em guerra contra a Rússia.
A pergunta procurava explorar uma resposta do secretário-geral do PCB a uma pergunta similar, feita pelo Jornal do Commercio e o órgão Tribuna Popular, ocasião em que a questão foi ligeiramente diferente: em caso de guerra entre os EUA e a extinta União Soviética, na qual o governo brasileiro se alinhasse ao imperialismo, o PCB ficaria contra o Brasil? “Ingenuamente, Prestes respondera que ficaria, sim, contra o Brasil, caso o governo se colocasse ‘a favor do imperialismo’”, informa o artigo Direita parte para cassação do PCB, do sítio Memorial da Democracia.
Essa resposta, imediatamente distorcida e utilizada como propaganda pelos inimigos do partido, foi o pretexto que Dutra e a casta conservadora tanto aguardavam para lançar uma ofensiva brutal contra a crescente influência comunista. Com apenas um ano de legalidade, o PCB já era a quarta maior força dentro da Assembleia Constituinte, com 14 deputados e um senador, além de contar com mais de 200 mil filiados e cerca de 10% dos votos nas eleições presidenciais. Entre os quadros partidários, figuras como Carlos Marighella, Graciliano Ramos e Jorge Amado reforçavam o vigor do partido junto à intelectualidade brasileira, unindo as massas operárias ao setor mais avançado da pequena burguesia.
A declaração da ilegalidade do PCB pelo TSE, sob o argumento cínico de que o partido seguia diretrizes do comunismo internacional, foi apenas o início de um ciclo de repressão brutal. A justificativa de “salvação nacional” usada pelos juízes que apoiaram a cassação, como José Antônio Nogueira, revelou o verdadeiro objetivo por trás dessa medida: silenciar uma força política que poderia vir a se tornar um problema para os planos destrutivos do imperialismo contra o País.
Com a campanha frenética empreendida pela direita, em 1948, veio o golpe final: a extinção dos mandatos dos parlamentares do PCB em todos os níveis. Foi uma demonstração clara de que a crise do varguismo e a ofensiva imperialista contra os países atrasados tornavam o regime brasileiro incapaz de conviver com uma organização como o PCB, mesmo que comandado por uma burocracia submetida ao stalinismo.
A cassação do PCB foi o passo importante para um regime que já vinha se deslocando à direita com muita velocidade.
Durante a presidência de um dos maiores entreguistas que já governaram o País, Eurico Gaspar Dutra, o governo adotou uma postura rígida contra as manifestações trabalhistas e comunistas, resultando na proibição de eventos relacionados ao Dia Internacional do Trabalhador, que tradicionalmente reunia operários em protestos e reivindicações. A medida ditatorial foi parte de uma série de ações truculentas adotadas para conter a influência política das organizações sindicais e movimentos progressistas da época.
À perda do registro partidário pelo TSE em 1947, seguiu-se um ataque ainda mais duro do governo Dutra, que colocou o PCB na ilegalidade por meio de um decreto-lei. Antecipando o método que seria consagrado 17 anos depois, com o Golpe de 1964, a decisão foi baseada em alegações de que o partido tinha vínculos com o comunismo internacional, o que o tornava, portanto, uma ameaça à segurança nacional.
A cassação do registro partidário e a declaração de ilegalidade do PCB foram parte de uma ampla repressão aos movimentos políticos considerados subversivos na época. Foi também uma dramática demonstração do erro de leitura cometido pelos setores da esquerda que, dominados pela propaganda imperialista, acreditaram no conto de fadas da “vitória das democracias” na Segunda Grande Guerra.
Pior ainda, a ofensiva do regime contra o partido abriu caminho para que os direitos políticos de toda a população fossem atacados, um prelúdio trágico para os anos de chumbo que o Brasil enfrentaria, quando os interesses imperialistas consolidaram sua dominação por meio de uma ditadura militar. O ataque ao PCB, portanto, não foi apenas uma ação contra um partido, mas um ataque contra o povo brasileiro e seu direito de escolher seu próprio caminho, livre das garras do imperialismo.
O caso ganha destaque pelas semelhanças com o momento atual. Fora o período declaradamente de exceção da Ditadura Militar (1964-1985), o País nunca mais teve um ataque tão contundente do regime contra um partido como ocorre atualmente com o Partido da Causa Operária (PCO). As posições políticas da agremiação trotskista em defesa da Resistência Palestina levaram o deputado estadual Guto Zacarias (União-SP), vice-líder do governo Tarcísio de Freitas, a requisitar a cassação do registro partidário do PCO junto à justiça eleitoral.
O processo foi montado em fevereiro de 2024 e, no segundo semestre, enquanto o TSE retém ilegalmente os recursos do fundo partidário do partido operário, o processo foi uma das razões elencadas pela burocracia para impedir o acesso do Partido ao montante a que tem direito por lei. A exemplo dos anos 1940, o imperialismo se encontra em uma crise extremamente aguda, a maior desde então, o que coloca à ditadura mundial a necessidade de uma ditadura brutal, que ataque duramente o povo e impeça a organização de uma reação ao programa econômico que precisam implementar, além do “rebalanceamento” político em escala global que precisam para conter a revolta dos países atrasados.
Por isso, é urgente que a esquerda reaja com a máxima energia a este contundente ataque aos direitos políticos que está sendo organizado pelo Judiciário, concretamente, os Tribunais e o Ministério Público, que, em um regime democrático, não devem interferir na organização partidária. Como nos anos 1940, o ataque ao PCO certamente é apenas o primeiro passo e demonstra que toda a virulência iniciada na campanha golpista contra a presidenta Dilma Rousseff (PT) voltará, se as organizações de luta dos trabalhadores e estudantes falharem em dar uma resposta à altura desse contundente ataque contra a organização popular.