Em meio a centenas de arbitrariedades, incluindo o não pagamento do Fundo Eleitoral do Partido da Causa Operária (PCO), juízes da Justiça Eleitoral no Rio de Janeiro decidiram, da própria cabeça, impedir candidaturas supostamente ligadas ao tráfico e à milícia do estado ainda nas eleições deste ano, que ocorrem em pouco mais de 20 dias. A medida completamente surreal surgiu na sexta-feira (13), a partir de um julgamento em segunda instância que confirmou uma decisão da 154ª Zona Eleitoral, embasada numa interpretação da Lei de Inegibilidade.
No caso julgado, Dinho Resenha, candidato a vereador pelo Republicanos em Belford Roxo, teve o registro de candidatura negado. O motivo? A “vida pregressa” do candidato! Mesmo sem ele ter condenações que, do ponto de vista legal, o impedisse de se candidatar.
Dinho Resenha está preso desde 23 de agosto, suspeito de ter comprado votos na eleição de 2020 (obteve 1,4 mil votos e alcançou a segunda suplência) e na deste ano. E responde também por corrupção e associação criminosa. Contudo, seu processo não foi concluído – o que, portanto, faz com que ele não possa ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa.
O novo entendimento do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro se baseia no nono parágrafo do artigo 14º da Constituição Federal, que prevê “lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função (…)”. O problema, no entanto, é que não se estabeleceu uma lei complementar – simplesmente os desembargadores que, neste caso criaram a lei.
Ao todo, dez crimes podem vir a ser encaixados nesse novo entendimento do TRE, com a dispensa de condenações ante a análise da “vida pregressa”. Entre eles, estão o tráfico, a lavagem de dinheiro, atos cometidos por organizações criminosas, entre outros.
A medida é um ataque flagrante à Constituição Federal em vários aspectos. Em primeiro lugar, está a confusão entre a determinação de um juiz e uma lei. Qualquer lei complementar deve ser elaborada pelo parlamento, não pelo TRE. Em segundo lugar, está o fato de que, de acordo com a própria Constituição Federal, todo poder emana do povo – neste sentido, é o povo quem deve escolher os seus representantes, e não uma burocracia judicial. Por fim, vale destacar ainda a completa arbitrariedade de se criar uma lei a pouco mais de 20 dias para a ocorrência das eleições – algo que torna o regime completamente vulnerável a mudanças de acordo com os interesses políticos de quem o controla.
A cassação de candidaturas supostamente ligadas ao tráfico é mais um abuso dos tribunais eleitorais. É preciso denunciá-los como tal e rechaçar de maneira intransigente a tutela da Justiça Eleitoral sobre os partidos e os candidatos.