Em julho deste ano, Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, anunciou que estaria desistindo de concorrer à reeleição. Semanas depois, foi confirmado que a vice-presidente norte-americana, Kamala Harris, que também é do Partido Democrata, tomaria seu lugar no embate contra o republicano Donald Trump.
Muitos setores da esquerda brasileira viram essa mudança com alívio, afirmando que é melhor apoiar Kamala Harris contra Trump do que apoiar Joe Biden contra Trump. Para justificar esse apoio, utilizaram, mais uma vez, a política do “mal menor”.
Não há dúvidas de que Trump seja inimigo dos trabalhadores. Afinal, quando foi presidente dos Estados Unidos, continuou atacando de maneira truculenta os direitos da população. Entretanto, o que vemos é que, apesar de sua retórica fascista, os democratas são tão ruins senão piores que ele.
Fato é que o aparato do Estado norte-americano se unifica em torno dos candidatos dos democratas que, por sua vez, entram em contradição com Trump, o que representa um ganho para os trabalhadores. Em outras palavras, quando os de cima brigam, os de baixo fazem a festa.
Nesse sentido, será Kamala Harris, de fato, um “mal menor” em relação a Trump? Não. Basta ver o que Barack Obama e Biden, do mesmo partido da atual vice-presidente, o Partido Democrata, fizeram durante seus governos.
Antes de se eleger, a campanha eleitoral de Obama foi feita com a ideia de acabar com a política sanguinolenta de seu antecessor, George W. Bush. Com as guerras do Afeganistão e do Iraque, o governo Bush inaugurou a nova era de invasão dos Estados Unidos, promovendo uma destruição sem precedentes.
Ao chegar no poder, entretanto, Obama não só manteve a política de Bush, mas a aprofundou em várias questões. Para se ter uma noção, o primeiro presidente negro norte-americano aprovou mais ataques com drones em seu primeiro ano no cargo do que o presidente Bush em todo o seu governo.
O suposto pacificador, seguindo a tendência de seus antecessores, foi um verdadeiro criminoso de guerra internacional.
Durante sua presidência, Obama aprovou o uso de 563 ataques com drones que mataram aproximadamente 3.797 pessoas. Ele autorizou 54 ataques com drones apenas no Paquistão durante seu primeiro ano no cargo. Um dos primeiros ataques de drones da CIA sob o presidente Obama ocorreu em um funeral, assassinando até 41 civis paquistaneses. No ano seguinte, Obama liderou 128 ataques de drones da CIA no Paquistão que mataram pelo menos 89 civis.
Esta é uma pequena amostra dos horrores que o governo norte-americano causou nos países pobres. Mais de 940 mil pessoas morreram nas guerras que ocorreram depois de 11 de setembro devido à violência direta da guerra. Além disso, entre 3,6 e 3,8 milhões de pessoas morreram indiretamente nas zonas de guerra após o 11 de setembro, elevando o número total de mortos para, pelo menos, de 4,5 a 4,7 milhões, dos quais mais de 432 mil civis foram mortos em consequência dos combates.
Mais de 38 milhões de pessoas foram deslocadas em decorrência da ofensiva da qual Obama foi um dos líderes. 78 países foram invadidos pelos EUA nessa campanha que, até 2022, custara mais de oito trilhões de dólares ao povo norte-americano.
Em 2011, Obama anunciou aquele que, possivelmente, foi o pior de seus crimes: o bombardeio da Líbia. Agindo como se fosse o dono do mundo, como se pudesse falar o que o povo de um País pode ou não fazer, Obama declarou que “é claro que não há dúvida de que a Líbia – e o mundo – estará melhor com Khadafi fora do poder”. O resultado? O assassinato de uma das maiores lideranças africanas das últimas décadas, Muamar al-Gadafi.
As ações do “mal menor Obama” acabaram com uma das nações mais prósperas da África. A expectativa de vida no País caiu oito anos, a mortalidade infantil subiu de 12 para 24 em cada 1.000 habitantes, mais de um quarto dos jovens ficaram sem escolas, o PIB caiu mais de 50%.
Em 2014, Obama iniciaria uma guerra que até hoje não foi completamente superada, a guerra da Síria. O presidente tentava fazer o mesmo que fez na Líbia: derrubar o presidente sírio, Bashar al-Assad. A guerra criminosa, que contou tanto com a ação de “rebeldes” financiados pela CIA, quanto com bombardeios feitos diretamente pelos norte-americanos, usou de pretexto a guerra contra o Estado Islâmico para atacar toda uma população. Mais de 500 mil pessoas morreram nesta ação dos “democratas”.
Com a mesma desculpa de combater o “terrorismo”, Obama também autorizou incursões na Somália e no Iêmen. A guerra do Iêmen, na qual Obama forneceu bilhões de dólares em armas, bombas e aviões, tomaria 400 mil vidas.
Os países que ele não bombardeou diretamente também foram atingidos duramente pela ingerência de Barack Obama. Entre 2009 e 2016, o Partido Democrata organizou, apenas na América do Sul, golpes contra o governo dos seguintes países: Brasil, Peru, Paraguai, Equador, Argentina e Honduras.
Se Obama foi um vilão para os povos oprimidos do mundo, foi também para os próprios norte-americanos. Obama manteve na cadeia Mumia Abu-Jamal, ex-Pantera Negra acusado (sem provas) de matar um policial branco, e que está preso até os dias de hoje, já com 70 anos de idade, destes, 43 vividos dentro da cadeia. Além disso, nos tempos de Obama, a taxa de desemprego persistiu em dois dígitos (15,9%) para os negros, contra 7,6% dos brancos. Enquanto 27,6% dos negros em geral e 38,2% de suas crianças vivem abaixo da linha da pobreza, esta é a condição de menos de 10% dos brancos.
O governo de Joe Biden, outro “mal menor”, levou à morte mais de 500 mil pessoas na Ucrânia ao começar a guerra contra a Rússia. Ele também patrocinou “Israel” e forneceu bilhões em armas para a ditadura sionista. O conflito ceifou mais de 40 mil vidas diretamente, mas a revista médica The Lancet estima que o total de mortes na Palestina por causas diretas e indiretas chegaria a 186 mil pessoas.
Os democratas, em diversos momentos, garantiram que os trabalhadores não tivessem direitos trabalhistas. Nos anos de 1960, impediram uma lei que permitiria os funcionários públicos de terem sindicatos. Na mesma década, mais de um terço de sua bancada votaria contra a lei que proibiria a discriminação racial, mais até que os republicanos, a direita norte-americana, que apenas 20% votou contra.
Os democratas também votaram contra o estabelecimento de direitos trabalhistas mais amplos em 2010. Em 2014, garantiram que uma lei aumentando o salário mínimo fosse derrotada. Biden garantiu que o salário mínimo de 15 dólares por hora não fosse aprovado em seu mandato, fez com que o acesso universal à saúde também não fosse criado.
Já em relação a Kamala Harris, antes de se tornar parlamentar, ela já era ativa na política como promotora pública da cidade de São Francisco e, posteriormente, como procuradora-geral do Estado da Califórnia.
Harris, que já foi chamada de “policial de primeira linha” pela grande imprensa, se orgulhava, como promotora, de ter ampliado a “eficiência” de seu departamento, isto é, de ter aumentado em 52% a taxa de condenações entre 2003 e 2006.
Como procuradora-geral do maior estado norte-americano, Harris defendeu com unhas e dentes o sistema prisional que estava ajudando a lotar, colocando-se contra as decisões judiciais que condenavam a superlotação e os maus-tratos aos prisioneiros.
Em 2015, a atual vice-presidente tentou anular uma decisão de um tribunal inferior que declarou as leis de pena de morte do estado cruéis e desumanas. Em ambas as situações, alegou apenas estar defendendo seu “cliente”, o estado da Califórnia.
E qual foi o resultado dessa política? Os Estados Unidos têm o maior número de presos em todo o mundo, com mais de dois milhões de pessoas encarceradas a nível federal, estadual e local.
O histórico do “mal menor” nos Estados Unidos é de destruição, pobreza e mortes. Como o povo brasileiro durante a ditadura, o povo norte-americano está preso entre dois partidos. Ambos os partidos, Republicano e Democrata, são como os dois partidos da ditadura militar aqui, como Lula disse, partidos iguais. A barreira para a luta do povo norte-americano é justamente a política do mal menor.
Kamala Harris, o “mal menor”, é a herdeira desse histórico de matança.