O presidente da França, Emmanuel Macron, anunciou no último dia 5 seu novo primeiro-ministro, que, como sinalizado, não foi uma pessoa indicada pela esquerda, mas o ex-deputado europeu Michel Barnier, do partido direitista Os Republicanos (LR, na sigla em francês), o mesmo do ex-presidente conservador Nicolas Sarkozy. A indicação de Barnier é a continuação do golpe de Macron contra a Nova Frente Popular (NFP, coalizão dos centristas Partido Socialista, Partido Comunista Francês e o partido de esquerda França Insubmissa, além de outras agremiações menores), vencedora das eleições parlamentares antecipadas convocadas pelo presidente francês e encerradas no dia 7 de julho.
Nas eleições, o LR conquistou apenas 39 cadeiras na Assembleia Nacional (equivalente à Câmara dos Deputados do Brasil), mantendo a tendência de queda iniciada logo após o fim do governo Sarkozy, em 2017, quando ganhou 112 lugares (perdendo 82 cadeiras). Nas eleições parlamentares de 2022, o partido perdeu mais 51 assentos, conquistando 61 lugares e, finalmente, os atuais 39 parlamentares dos 577 da Assembleia. Para reverter a crise, o líder da sigla Éric Ciotti aproximou o partido da principal agremiação de extrema direita, o Reagrupamento Nacional (RN), formando a aliança informal União da Extrema Direita.
As reações à indicação de Barnier por Macron, como era de se esperar, foi recebida com muitas críticas entre os golpeados na esquerda, que fizeram uma “aliança republicana” com o presidente francês para impedir a vitória da extrema direita e acabaram na situação atual. Em seu perfil oficial no X, o principal dirigente da esquerda francesa e líder do França Insubmissa (FI), Jean-Luc Mélenchon, acusou o presidente francês de “roubar” as eleições:
“Emmanuel Macron nega oficialmente o resultado das eleições legislativas. Ele acaba de nomear Michel Barnier. Membro, entre outros, de um partido que foi o último nas eleições legislativas. Emmanuel Macron roubou as eleições ao povo francês.”
Em outra mensagem, acusa o novo primeiro-ministro de já ter roubado uma eleição, em referência à votação da Constituição Europeia em 2005:
“Michel Barnier já roubou uma eleição. Após a votação contra a Constituição Europeia em 2005, preparou a votação do mesmo texto no Congresso do Parlamento. Ele votou contra a descriminalização da homossexualidade. Qual é o significado de tal mensagem?”
Por fim, o dirigente do FI convocou uma mobilização partir do próximo dia 7, contra a indicação de Macron:
“Neste sábado, 7 de setembro, junto com as organizações juvenis, apelo à mobilização mais poderosa possível. Unamo-nos pelo respeito pela democracia e pela dignidade pessoal de cada pessoa. O povo é o único soberano. Viva a República.”
O primeiro secretário do Partido Socialista Olivier Faure foi além e chamou de “negação da democracia” a indicação de um representante do LR para o cargo de primeiro-ministro. Na mesma rede social, o deputado do PS declarou:
“Ao nomear Michel Barnier para Matignon [Hôtel Matignon, residência oficial do primeiro-ministro da França], representando uma força política que saiu derrotada das eleições legislativas, Emmanuel Macron está pisoteando o voto do povo francês e indo contra o espírito da nossa República”, reagiu o Olivier. “Um primeiro-ministro do partido que ficou em quarto lugar e nem sequer participou da frente republicana. Estamos entrando em uma crise de regime”, concluiu.
Por outro lado, a indicação fora bem recebida entre o RN. Jordan Bardella, presidente do partido e deputado do parlamento europeu, publicou no seu perfil oficial no X, uma mensagem dizendo que o partido irá esperar “seu (Barnier) discurso, suas decisões e sua ação”:
“Após uma espera interminável, indigna de uma grande democracia, tomamos nota da nomeação de Michel Barnier como Primeiro-Ministro de Emmanuel Macron.
Os 11 milhões de eleitores do Reagrupamento Nacional merecem respeito: essa é nossa exigência primordial.
Julgaremos com base em seu discurso de política geral, suas decisões orçamentárias e sua ação. Defenderemos que as principais urgências dos franceses, o poder de compra, a segurança e a imigração, sejam finalmente tratadas, e nos reservamos todo meio político de ação caso isso não ocorra nas próximas semanas.”
Em uma linha similar, a principal líder do RN Marine Le Pen manteve seu tom mais duro contra Macron e em uma série de publicações de seu perfil oficial no X, disse que seus correligionários estarão “atentos ao projeto que irá realizar e atentos para que as aspirações dos nossos eleitores, que representam um terço do povo francês, sejam ouvidas e respeitadas”, disse, acrescentando:
“Estamos aguardando o discurso de política geral de Michel Barnier.
A imigração fora de controle, a explosão da insegurança, o poder de compra dos franceses e a modificação do sistema eleitoral são assuntos que deverão ser levados em consideração.”
Le Pen anunciou também que o RN “não participará de um governo de Michel Barnier”. “Estamos hoje na situação que anunciamos, a do caos. Veremos se Michel Barnier consegue, ao menos, fazer com que o orçamento possa ser equilibrado”, disse, acrescentando ainda:
“Fortes dos votos de mais de 11 milhões de francesas e franceses, o grupo que presido considera intolerável que os parlamentares não sejam reunidos em sessão extraordinária para honrar, sem mais delongas, todas as responsabilidades que nos foram confiadas pelos nossos concidadãos.”
Ex-ministro das Relações Exteriores da França, Barnier ocupa cargos públicos no país imperialista desde 1978, quando foi eleito para o parlamento francês pela primeira vez, tendo sido comissário europeu em duas ocasiões e também atuado conselheiro da chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
Apresentado como um político favorável à União Europeia, foi também um negociador do Brexit, além de ter sido ministro dos governos François Mitterrand (PS), Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy (ambos do LR). Embora apresentado como um relativamente típico político imperialista ensaboado, “Barnier surpreendeu alguns de seus admiradores na União Europeia”, escreveu o jornal francês France24, “ao se posicionar pedindo um ‘choque elétrico’ na segurança, uma moratória na imigração e a reintrodução do serviço militar”, destacou a matéria The long political career of France’s new prime minister, Michel Barnier, matéria onde é comparado ao mandatário norte-americano Joe Biden, devido a sua longeva atuação política.
É preciso acompanhar os próximos desenvolvimentos, mas ao nomear um representante centrista da extrema direita à chefia do governo, Macron evidenciou de maneira ainda mais clara que a frente republicana contra o fascismo nunca foi nada além de uma farsa, criada para permitir um deslocamento controlado do regime à direita, uma operação para o qual a esquerda foi fundamental.