O lendário rapper Chuck D, vocalista do grupo Public Enemy, juntou-se ao Youtube e à CIA no renovado programa de “embaixadores globais da música” dos EUA. O programa era utilizado pela CIA durante a Guerra Fria para infiltração de agentes em regimes socialistas e anti-imperialistas e para propagação de propaganda anticomunista e pró-Estados Unidos.
O programa de “embaixadores globais da música” foi anunciado pelo secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, em uma coletiva de imprensa em conjunto com o Youtube. O evento contou a participação de diversos artistas, entre eles: Herbie Hancock, Armani White, BRELAND, Denyce Graves, Grace Bowers, Jelly Roll, Justin Tranter, Kane Brown, Lainey Wilson, Teddy Swims e Chuck D. O vocalista do Public Enemy agradeceu o Departamento de Estado e o Youtube durante o evento: “Gostaria de agradecer a todos do Departamento de Estado dos EUA e também ao YouTube por terem me convidado para ser um embaixador global da música dos Estados Unidos”.
O diretor global do Youtube, Lyor Cohen, explicou que a empresa está se unindo ao Departamento de Estado dos EUA para ajudá-los a “alavancar eventos globais”. “Utilizaremos grandes reuniões internacionais para inspirar ações”, disse ele.
Cultura e Guerra Fria
Ao longo da coletiva Cohen e Blinken mencionaram diversas vezes o programa original criado na Guerra Fria. Blinken declarou, inclusive, que “a arma secreta dos Estados Unidos é uma nota azul e um acorde menor. A música é uma força diplomática tão poderosa porque, creio eu, ela toca em algo fundamental, universal (…). Em Berlim, pouco antes da queda do muro, Bruce Springsteen tocou para a adoração de inúmeros fãs”.
Durante a Guerra Fria o Departamento de Estado dos EUA inundou países inimigos com propaganda, contudo, muitas vezes utilizavam uma estratégia mais discreta. Utilizando de músicos, escritores, artistas, intelectuais e outras formas culturais para influenciar a opinião popular. Grandes artistas foram utilizados, muitos sem seu consentimento, para infiltrar agentes da CIA em países inimigos e assassinar lideranças. Nina Simone, Louis Armstrong, Dizzy Gillespie e Ella Fitzgerald tiveram suas turnês infiltradas e suas músicas surrupiadas pelo Estado norte-americano, ao ponto que o jazz chegou a ser tratado como sinônimo de individualismo e democracia. Redes de mídia dos EUA bombardearam a Europa Oriental com músicas proibidas pela União Soviética.
A utilização de artistas negros não foi por acaso, a CIA utilizava-os como forma de combater as críticas – bem fundamentadas – russas sobre a sociedade estruturalmente racista norte-americana. Estes também foram utilizados para infiltrar países africanos inimigos dos EUA. A CIA se infiltrou na turnê de Louis Armstrong no Congo em 1960, acompanhando-o por todo o país a agência reuniu informações cruciais para assassinar o presidente Patrice Lumumba – definido pelo diretor da CIA à época como um “Fidel Castro africano”. Meses depois da turnê, Lumumba foi assassinado.
O Estado profundo americano criou durante a Guerra Fria o Congresso para Liberdade Cultural, no qual artistas e intelectuais de todo o mundo trabalhavam para promover materiais anticomunistas – muitos sem saber que estavam sendo financiados pela CIA. Um dos principais responsáveis por este projeto foi filósofo anticomunista Sidney Hook.
O Congresso para Liberdade Cultural produziu, promoveu e patrocinou desde alta à baixa cultura. O Departamento de Estado americano controlou o Museu de Arte Moderna (MOMA), promoveu o trabalho de Boris Pasternak, publicou o trabalho de George Orwell como literatura anticomunista, publicou revistas de fofoca e astrologia, entre milhares de outros materiais.
Para mascarar a operação, a CIA utilizou de artistas e intelectuais que pareciam de esquerda. A fim de confundir a população e impedir que possíveis revolucionários se radicalizassem de fato. Assim como o identitarismo, mascaravam uma conduta dita “progressista” para corromper o movimento revolucionário por dentro da esquerda.
Revolucionários, comunistas, esquerdistas e lideranças genuínas eram excomungadas pelo Congresso e pelo macarthismo. Paul Robeson, Charlie Chaplin, Albert Einstein, Arthur Miller, Marilyn Monroe e outros foram todos perseguidos e censurados – em maior ou menor grau – pelo Departamento de Estado dos EUA. Contudo, talvez os mais perseguidos foram as lideranças negras dos EUA; Martin Luther King, Malcolm X, os Panteras Negras e outros grupos revolucionários negros foram perseguidos e, em sua maioria, assassinados pela CIA.
CIA e a cultura no pós-Guerra Fria
Apesar do fim da Guerra Fria, a CIA continua a utilizar a música e a cultura como arma contra nações e inimigos políticos. Em 2021, patrocinaram, promoveram e tentaram uma contrarrevolução em Cuba, liderada por artistas de hip-hop que vinham financiando e promovendo há anos.
O maior exemplo desta tentativa foi o rapper Yotuel, cuja música “Patria y Vida” tornou-se o hino do movimento fracassado. A música foi promovida por autoridades e mídias americanas, incluindo a NPR, o The New York Times e o próprio presidente Joe Biden.
A publicação do banco de dados do National Endowment for Democracy (NED) – organização de fachada da CIA criada por Reagan – lista vários exemplos de projetos similares ao de Yotuel. Também em Cuba, um projeto chamado “Empowering Cuban Hip-Hop Artists as Leaders in Society” (Capacitando os artistas cubanos de hip-hop como líderes na sociedade, tradução livre) tinha por objetivo “aumentar a conscientização sobre o papel que os artistas de hip-hop têm no fortalecimento da democracia na região” enquanto inundava o cenário musical com dinheiro da CIA.
Na Venezuela, a NED também apoiou e financiou bandas de rock contra o regime de Chávez. Em 2011, a organização esteve envolvida em aproximadamente duas dúzias de acordos para financiar a execução e a distribuição de tais músicas. Financiou, inclusive, um concurso nacional de música em Caracas; documentos obtidos com base na Lei de Liberdade de Informação revelaram que o projeto visava “promover uma maior reflexão entre os jovens venezuelanos sobre a liberdade de expressão, sua conexão com a democracia e o estado da democracia no país”.
No meio da música, o governo americano utilizou a quarta arte para desestruturar a música de vanguarda e popular. O rap, nascido como música de contestação contra o governo e as estruturas sociais, teve – e ainda tem – como figura central na produção de artistas e músicas o sionista Lyor Cohen – atual diretor global do Youtube. Cohen é filho de oficiais das Forças de Ocupação de “Israel” e é responsável por censurar músicas antissionistas e pró-Palestina no meio.
A CIA também está intimamente envolvida na produção da cultura pop atual. Diversos filmes, séries e jogos foram cuidadosamente produzidos ou coproduzidos pelo Departamento de Estado americano. Filmes blockbusters como Homem de Ferro, Os Vingadores, Jurassic Park, Top Gun, Missão Impossível, Borat e Salt tiveram o envolvimento da CIA. Jogos como Call of Duty são produzidos diretamente por ex-agentes da CIA. Brian Bulatao, diretor de administração da Activision Blizzard, produtora de Call of Duty, foi anteriormente diretor de operações da CIA – terceiro na cadeia de comando da agência.
Atualmente a CIA está intrinsecamente envolvida com outra parte fundamental da cultura do século XXI: a internet e as redes sociais. A agência americana foi uma das principais financiadoras do Google durante sua criação e até 2005 ainda era uma das maiores acionistas da empresa. Hoje a CIA é uma das principais clientes do Google, utilizando o Google Earth como software de espionagem do governo dos EUA para vigiar e atingir seus amigos e inimigos, garantindo bilhões de dólares para a empresa todos os anos.
O jornal MintPress News revelou também que agentes do Departamento de Estado dos EUA estão alocados em todas as direções das chamadas Big Techs. Entre eles estão Jacqueline Lopour, gerente sênior de coleta de inteligência e confiança e segurança do Google, que passou mais de dez anos como analista da CIA; Ryan Fugit, que deixou a CIA em 2019 para se tornar gerente sênior global de confiança e segurança do Google; e Bryan Weisbard, ex-oficial de inteligência da CIA e funcionário do Departamento de Estado, que, em 2021, tornou-se diretor de confiança e segurança do YouTube.
Embaixadores da música e a nova política da CIA
Não é segredo que o imperialismo está em crise. A desestruturação político-econômica do imperialismo e a preparação para uma guerra deste com a Rússia, China, Irã e todo o Eixo da Resistência impele os agentes do imperialismo a utilizar das mais diversas táticas.
Já há planos para criação de romances de um “Tom Clancy taiwanês” com o objetivo de demonizar a China e desmoralizar seus cidadãos. Aplicativos vinculados à China, como o TikTok, estão sob ameaça de possível exclusão. Estrelas do Youtube colaboram com os militares para promover o complexo militar-industrial.
É nesse sentido que o Departamento de Estado está recorrendo ao seu antigo programa de músicos. Os “embaixadores globais da música” são parte deste projeto de dominação cultural e, se seguir com os moldes da Guerra Fria, de assassinato.
A transformação do rapper Chuck D de uma lenda da luta anti-sistêmica para um vassalo do Estado profundo faz parte da subordinação e corrupção da cultura popular perante o imperialismo. Assim como a CIA utilizou pseudo-progressistas no pós-Segunda Guerra Mundial, utiliza agora figuras que, há anos atrás, representavam a luta contra o poder, mas que agora trabalham para ele.