No artigo Pesquisa confirma opção do País pela democracia, o jornalista Paulo Moreira Leite, do Brasil 247, comemora o resultado de um levantamento do DataSenado que teria indicado que dois terços da população brasileira seriam favoráveis a um “regime democrático”. Segundo o autor, “os dados apontam que 66% dos entrevistados acreditam que a democracia é o melhor sistema para o país enfrentar seus desafios”. Por outro lado, “um terço da população expressa insatisfação com o regime democrático estabelecido desde 1988, após a eleição de uma Assembleia Constituinte pós-ditadura militar, iniciada com o golpe de 1964”.
Nem mesmo se os números forem verdadeiros, há motivo para se comemorar. Não fica claro o que o setor contrário à “democracia” defende, mas se estamos falando de um terço da população que apoie um regime como o da ditadura militar de 1964-1985, a situação está muito, muito mal. Afinal, o Partido Nazista, às vésperas de tomar o poder, não tinha uma maioria absoluto das cadeiras no parlamento, mas justamente algo próximo a um terço.
Independentemente disso, é preciso destacar outro problema. Quem promoveu o estudo foi o Senado Federal, uma instituição que nada tem a ver com algo que possa ser chamado de “democrático”. O Senado, antes de tudo, sequer deveria existir: é uma das muitas tutelas estabelecidas pelo grande capital sobre os órgãos mais representativos do País. O Senado, por exemplo, pode vetar aquilo que é aprovado na Câmara dos Deputados, sendo que, enquanto a Câmara é composta por mais de 500 representantes, eleitos proporcionalmente de acordo com a população dos estados, o Senado é composto por 81 caciques políticos que se elegem por meio de brechas legais absolutamente antidemocráticas. Até pouco tempo, o ex-presidente José Sarney, por exemplo, era senador pelo Amapá, mesmo sendo um notório coronel maranhense. Somados, os senadores do Norte e do Centro-Oeste são onze vezes mais que os senadores do Estado de São Paulo, sendo que a população deste é bastante superior à de ambas as regiões juntas.
Esse mesmo Senado é controlado por bestas feras que nada têm de democrático. O Partido dos Trabalhadores (PT) possui apenas 9 senadores – e esses, por sua vez, são, no geral, parte da ala mais direitista do partido. Todos os outros 72 senadores são filiados a partidos que apoiaram o golpe de Estado de 2016!
É óbvio, portanto, que estamos diante de uma farsa. O próprio Paulo Moreira Leite, que denunciou, em inúmeras ocasiões, o golpe de Estado contra Dilma Rousseff (PT), sabe disso. Por que, então, escrever um artigo exaltando a pesquisa? Porque o resultado, ainda que tenha partido de uma instituição profundamente antidemocrática, é positivo para a política que Leite quer apresentar:
“Os resultados são uma lição clara: num país onde a superação de uma ditadura militar possibilitou a ascensão de governos progressistas focados nas camadas mais vulneráveis, a inclinação antidemocrática se restringe a uma minoria influenciada por táticas agressivas e falácias ideológicas”.
A pesquisa aparece, assim, como uma forma de embasar as ilusões otimistas – e quase infantis – expressas pela direção do Partido dos Trabalhadores (PT). Articulistas como Paulo Moreira Leite acreditam que bastará ao governo Lula se apresentar como “democrático” que ele não será derrubado. Mas o que houve, então, com Dilma Rousseff? Por acaso ela foi derrubada por ser antidemocrática?
O fato é que existe uma ofensiva muito, muito agressiva em curso na América Latina. Uma ofensiva do imperialismo contra todos os povos. E essa ofensiva, por sua vez, não respeita o “espírito democrático” de ninguém. É uma ofensiva que busca estabelecer, por meio da força, regimes autoritários e completamente subservientes aos Estados Unidos.
A regra para a América Latina é estabelecer governos como o do fascista Javier Milei, da Argentina. Este, por sua vez, não se elegeu presidente porque os argentinos passaram a “acreditar” em “ideias antidemocráticas”, mas sim porque o país foi vítima de um golpe de Estado. Assim como os Estados Unidos tentam hoje derrubar o governo de Nicolás Maduro, na Venezuela, assim como derrubaram o governo de Pedro Castillo, no Peru.
A questão central no momento não está na ideologia da população. Está na capacidade desta de resistir à ofensiva golpista. Para isso, não basta se apresentar como “democrático”. É preciso, por um lado, implementar medidas econômicas de impacto, que permitam ganhar o apoio real da população, e, por outro, denunciar os planos do imperialismo, convocando o povo para a luta contra os seus inimigos.