Nesse sábado (10), ocorreu a I Conferência Norte-Nordeste dos Comitês de Luta em Defesa da Palestina. A atividade, convocada por dezenas de entidades, aconteceu no Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações de Pernambuco (SINTTEL-PE).
A Conferência teve início às 10h, com uma solenidade em homenagem a Ismail Hanié, líder do Hamas assassinado pelo Estado de “Israel” em 31 de julho. As irmãs Dulce Rocha, Hosana Anjos e Naia Petra recitaram, em árabe, a Sura Al-Fatiha, o primeiro capítulo do Alcorão, cuja tradução para o português, apresentada logo em seguida, diz:
“Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso.
Louvado seja Deus, Senhor do Universo.
O Clemente, o Misericordioso.
Soberano do Dia do Juízo.
Só a Ti adoramos e só a Ti imploramos ajuda!
Guia-nos à senda reta.
À senda dos que agraciaste, não à dos abominados, nem à dos
extraviados”.
Em seguida, Dulce agradeceu a todos os presentes pelo evento e disse que “estamos aqui para somar e para lutar por uma Palestina livre”. A irmã continuou a sua fala se referindo ao trágico acidente de uma aeronave da Voepass, ocorrido na última sexta-feira (9), em Vinhedo (SP):
“Ontem, um avião caiu, comoveu o Brasil, e aí fiquei pensando, meditando em minha casa: 61 pessoas morreram e causou essa comoção, mas 30 mil ou mais palestinos [mortos], crianças mutiladas, mulheres estupradas, sendo torturadas não comove tanta gente.”
Depois da fala marcante de Dulce, foi a vez de Hosana Anjos tomar a palavra. Ela destacou que a guerra atual é o “primeiro genocídio televisionado do mundo”, mas as pessoas ainda se encontram divididas. A irmã, então, passou a denunciar diretamente os crimes cometidos pela entidade sionista:
“O que me comoveu foi a forma de abusos sexuais cometidas nessa semana, onde cães foram treinados para violentar homens para ofender a sua honra, e isso me deixou perplexidade diante de tanta perplexidade.”
Hosana citou o próprio Ismail Hanié, que teia dito que “nunca se viu tamanha covardia e tamanho sadismo” e que “o fascismo e o nazismo viraram amadores diante do Estado de ‘Israel'”. A irmã concluiu sua fala dizendo que “enquanto houver opressão e sofrimento, haverá resistência” e que “a Palestina é um exemplo de luta e resistência para toda a humanidade”.
Após Hosana, Naia Petra iniciou sua fala dizendo que “eu não posso me senti covarde e não me engajar nessa luta”. A irmã, então, prosseguiu, declarando que:
“O que está acontecendo na Palestina é um ensaio para o que o Império quer para o mundo. Ele não quer só isso, ele quer muito mais. Que fiquemos atentos a todo esse massacre, a todo esse sofrimento, e lutemos para que isso se acabe, porque é uma coisa inconcebível. A nossa natureza não aceita, a nossa humanidade não aceita essa perversidade que está acontecendo. É muito doloroso para todos nós. A gente deseja uma Palestina livre, do Rio ao Mar. Insha’Alá.
Uma vez concluídas as falas das irmãs muçulmanas, o público presente teve a oportunidade de assistir a declaração de Ismail Hanié ao povo brasileiro, gravada em fevereiro de 2024, durante uma viagem feita por uma delegação do Partido da Causa Operária (PCO) ao Catar. Na declaração, que já havia sido publicada pela Causa Operária TV, o mártir se mostrou alegre em saber “que existem no Brasil, como no mundo, pessoas livres e conscientes que defendem sua luta, luta e resistência, e afirmam o direito do povo palestino de estabelecer seu Estado independente com Jerusalém como capital, e o retorno do povo palestino (os refugiados palestinos) para viver na sua terra e no solo da sua pátria”.
Para encerrar a solenidade em homenagem ao martírio de Ismail Hanié, a mestre de cerimônias, Anne Vieira, do Comitê de Luta em Defesa da Palestina de Ilhéus (BA), chamou para a mesa Ahmad Roberto Silva, presidente da entidade histórica Centro Islâmico do Recife, e Eduardo Santana, coordenador do Centro Cultural Islâmico Imam Sadeq.
Em sua fala, Eduardo Santana denunciou os crimes do imperialismo nas terras palestinas, destacando que eles começaram a ocorrer antes mesmo da fundação de “Israel”. Em seguida, criticou as forças do dito “campo progressista” que se negam a apoiar a luta do povo palestino:
“Qual o discurso que n[os vimos? ‘Ah, eu apoio a luta do povo palestino, mas eu não apoio o Hamas’. ‘Ah, eu apoio a luta do povo palestino, mas eu não apoio o Islã’. ‘Ah, eu apoio a luta do povo palestino, mas as mulheres são oprimidas no mundo muçulmano’.Sem dúvidas o trabalho do senhor George Soros foi muito bem feito no meio das forças que deveriam estar unidas contra o mal maior. E o mal maior é o imperialismo ocidental. E não há nada maior que nos impeça de criar uma unidade em prol dessa luta porque só vamos poder apoiar o povo palestino se estivermos unidos.”
Destacando a necessidade da unidade em defesa da Palestina, Eduardo Santana contou uma anedota para explicar como os inimigos sempre tentaram dividir os muçulmanos.
“Neste momento, havia uma conspiração muito forte em Medina, por várias forças, inclusive forças judaicas, para diga-se de passagem, e por conspiradores de Medina, para dividir os muçulmanos. E é um negócio incrível como o profeta e os muçulmanos unidos reagiram a isso e conseguiram instituir, em Medina, um Estado Islâmico. Não estou me referindo aquele ‘Estado Islâmico’ do ‘Paraguai’, criado pela CIA no Iraque e na Síria, estou me referindo ao Estado Islâmico verdadeiro. Estado de pureza, de paz, de unidade e de justiça.”
O muçulmano continuou falando que essa “esta era a maior batalha que a humanidade já enfrentou”. E disparou: “queira a Conib [Confederação Israelita do Brasil] ou não, ‘Israel’, a entidade sionista, é a síntese do mal”.
Após a fala de Eduardo Santana, Ahmad Roberto tomou a palavra, criticando “essa matança indiscriminada, esse genocídio”, com “crianças morrendo de fome e mulheres morrendo após o parto porque não tem assistência médica, nem o que comer, nem como se sustentar”. O presidente do Centro Islâmico chamou as autoridades israelenses de “criminosos de guerra” e passou a criticar o comportamento da grande imprensa e dos organismos internacionais frente ao genocídio:
“A mídia internacional o apoia, dando total consistência ao governo assassino de ‘Israel’. Hoje, nós vemos uma situação, em que vou fazer uma comparação. Na guerra entre a Rússia e a Ucrânia, o grande líder da Justiça Internacional condena o governo de Vladimir Putin a ser preso em qualquer país, caso faça uma viagem internacional, por ser um ‘criminoso de guerra’. Esse fato não acontece com o governo israelense. Onde está a lógica dos líderes e da Corte Internacional?”
A autoridade muçulmana não se furtou de comentar sobre a conduta dos políticos brasileiros diante do genocídio. Disse ele:
“O nosso governo brasileiro, os nossos políticos, fazem muito pouco para que venha a acontecer uma negociação séria para a paz na Palestina. A extrema direita brasileira, junto com a mídia estúpida brasileira alimenta a esse genocídio.”
Após criticar duramente os líderes internacionais que nada fazem para parar o genocídio do povo palestino, Ahmad Roberto passou a falar sobre a figura de Ismail Hanié:
“A negociação [do cessar-fogo] era feita por Ismail Hanié, o único que estava trabalhando para uma situação de paz, e foi cruelmente assassinado pelo governo judeu. Isso leva tudo a uma estaca zero porque o próximo que vier a assumir a posição de Ismail Hanié vai ter de remar muito até chegar a um ponto que seja plausível.”
No final de sua fala, Ahmad Roberto ainda criticou os países árabes, que são “negligentes com a situação imposta à Palestina”, criticando os “acordos bilaterais feitos com ‘Israel’ e com o governo norte-americano”.
Encerrada a solenidade em homenagem a Ismail Hanié, o poeta Marcelo Mário Melo, militante histórico da esquerda pernambucana, que lutou contra a ditadura militar, declamou alguns versos de sua autoria em homenagem à resistência palestina.
Logo em seguida, teve início a mesa de debates, com o título “o que fazer para parar o genocídio do povo palestino”. Mediada por Anne Vieira, a mesa foi composta por Mailson da Silva Neto, vice-presidente do Sindicato dos Engenheiros de Pernambuco (Senge-PE), Gilson Goés, da Central Única dos Trabalhadores (CUT-PE), Inácio França, jornalista da revista independente Marco Zero Conteúdo, Eduardo Santana e Ahmad Roberto.
Antes da primeira fala, Victor Assis, membro do Comitê Central Nacional do Partido da Causa Operária (PCO), leu uma declaração de Sonia Alvarado, cônsul venezuelana no Brasil que reside em Recife, mas que estava em visita ao país caribenho na data da Conferência. “Viva a Venezuela, viva a Palestina e viva os povos reprimidos pelos grandes impérios, que só vêm massacrando e cometendo injustiças”, destaca a nota da cônsul.
O primeiro a falar foi Inácio França, que fez uma breve saudação do evento e contou um pouco sobre a sua relação com a questão palestina. França teve contato com palestinos desde jovem, quando conheceu André Frej, notório militante da Aliança Palestina-Recife. O jornalista relatou que sempre via a mãe de Frej com vestes árabes e sempre associou o povo palestino às pessoas que conhecia – pessoas de bom coração, que nada tinham a ver com a campanha feita pela imprensa imperialista de que seriam “terroristas”.
Após França, foi a vez de Gilson de Goés tomar a palavra. O dirigente cutista relacionou a luta em defesa da Palestina com a luta contra o racismo, da qual também é militante. Ele ainda saudou a posição do presidente Lula, quando comparou os crimes de “Israel” aos praticados pela Alemanha Nazista:
“O companheiro Lula teve uma coragem imensa de falar o que ele falou. Não é qualquer líder fala o que ele falou. É pouco? É. É insuficiente? É. Mas já pensaram se, quando ele falou isso, milhões fossem às ruas?”
A fala do dirigente da CUT foi seguida pela de Mailson Neto, que detalhou os interesses por trás da questão palestina:
“Ali tem quase 70% do petróleo usado no mundo. Essa ambição é que faz essa pressão em cima desse povo. É contra esse tipo de ser humano que, pelo egoísmo, impõe o massacre, que nós estamos lutando.”
Após as falas de Eduardo Santana e Ahmad Roberto, a I Conferência dos Comitês de Luta em Defesa da Palestina teve uma pausa para almoço. Na ocasião, os participantes tiveram a oportunidade de optar por uma deliciosa feijoada ou por um especialíssimo risoto de cogumelos.
Na volta do almoço, foi o momento foi a vez de o público se manifestar. Foram mais de dez pessoas inscritas, revelando a diversidade da Conferência, bem como o interesse dos participantes em debater a campanha contra o genocídio na Palestina.
O primeiro a pedir a palavra foi Lino Alves, integrante o movimento de solidariedade à Palestina na cidade de Juazeiro do Norte (CE). Em seu discurso, Alves destacou o massacre de Sabra e Chatila, no Líbano, que marcou a sua juventude.
O cearense foi seguido pela irmã Dulce, que fez um comovente discurso falando sobre a situação da mulher muçulmana no Brasil:
“Na minha experiência de militância, sempre por partidos de esquerda, eu sempre fui discriminada por causa das minhas vestes, com brincadeiras discriminatórias. Eu até muitas vezes tenho dificuldade de vir [a eventos em defesa da Palestina] por causa de brincadeiras sem graça. ‘Mulher, tira o seu véu’, ‘não era para você estar aqui’. Isso aqui é nossa veste religiosa. Isso aqui não impede a gente de lutar por outras mulheres. E quando tem essa questão da Palestina, as pessoas pensam que a gente é refugiada, e não brasileira. E elas começam a nos discriminar e dizer: ‘volta pra tura terra, volta pra lá’. Então, a importância dessa Conferência é porque elas nos traz esclarecimentos, divulgação, dismistificação e o nosso amado profeta disse: ‘todo muçulmano deve buscar o conhecimento’. A primeira palavra que foi revelada em nosso Alcorão – e nosso profeta era analfabeto – foi: ‘leia, leia, leia’.
Nós, muçulmanos, sempre estamos em busca do conhecimento. E, quando eu fiquei sabendo dessa Conferência, como eu já conhecia ela [Marina Dias, militante do PCO e do Coletivo de Mulheres Rosa Luxemburgo], que vai sempre ao Centro Islâmico, eu não senti essa rejeição. Porque tudo é a maneira esclarecedora das coisas.”
A irmã Hosana também voltou à tribuna para falar sobre o genocídio do povo palestino. Ela criticou “o volume, tanto em livrarias, da obra de Anne Frank”. Ela explicou que, embora ela se comovesse com a história da judia que escreveu um diário na época da Alemanha Nazista, merecia destaque o fato de que os autores árabes não são divulgados. Hosana também lembrou que todos os líderes anteriores do Hamas foram assassinados, mas que, por sua história de luta, o Hamas ficará ainda mais forte com o martírio de Ismail Hanié.
Após a fala de Hosana, foi a vez do secretário de Cultura do Centro Islâmico do Recife e presidente da Associação de Senegaleses do Norte-Nordeste, Amadou Toure, dar o seu recado. Amadou falou um pouco sobre como o Islã sempre pregou uma tolerância entre as diversas religiões, destacando que as distintas etnias conviviam em paz na Palestina antes da criação do Estado de “Israel”. O secretário de Cultura ainda agradeceu especialmente ao PCO por estar “sempre presente na luta”.
Ao pedir a palavra, Camilo Duarte, membro do Comitê Paraibano de Solidariedade ao Povo Palestino (Compapal), criticou o que chamou de “deterioramento da esquerda”. Segundo ele, o 7 de outubro teve o mérito de esclarecer “quem realmente estava do lado da luta dos trabalhadores, da luta da população, da luta dos oprimidos, e quem está do lado dos opressores”. O paraibano, ao comparar a situação palestina com a situação brasileira, assinalou que:
“O imperialismo faz tudo isso lá porque lá vivem apenas alguns milhões. Se ele conseguisse dividir o Brasil em 20 ‘brasis’, iria fazer o mesmo ou pior aqui. A luta dos palestinos é a mesma que a nossa. É uma luta só. É a luta dos oprimidos contra os opressores.”
No momento aberto ao público, o professor Hilquias de Paula, militante de base do Partido dos Trabalhadores (PT), também pediu a palavra. O petista demonstrou como o próprio Direito Internacional legitima que os oprimidos peguem em armas na luta contra os seus opressores. “É preciso defender o Hamas sem nenhuma condição”, concluiu o professor.
No final da sessão, Eduardo Oliveira, militante do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), também foi à tribuna falar sobre o Comitê de Luta em Defesa da Palestina da cidade de Olinda (PE), que terá, em breve, o seu evento de lançamento.
Na parte final da Conferência, um integrante de cada comitê presente integrou a mesa para discutir as atividades práticas que serão feitas dali para frente. Entre as resoluções aprovadas, que ainda seão publicadas em um documento aparte, estão:
- Formação de comitês em um total de 28 municípios no Norte-Nordeste
- Realização de seminários anti=imperialistas em 7 cidades do Norte-Nordeste
- Realização de lançamentos do livro O Hamas conta o seu lado da história em atividades conjuntas do PCO com os comitês
- Realização de atos estaduais simultâneos, em data a ser definida
- Realização de um festival cultural no dia 21 de setembro, em Caruaru
- Formação de comissões de trabalho regional
- Formação de uma coordenação regional
Após a discussão das propostas, Rosália Nascimento, militante do Quilombo Raça e Classe, fez uma apresentação cultural em homenagem ao povo palestino, ao som da canção A bandeira vermelha é erguida, uma canção popular das Brigadas Abu Ali Mustafa, o braço armado da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP).