No quarto artigo da série Kamala Harris e a esquerda, apresentamos a explicação do revolucionário alemão Wilhelm Liebknecht sobre o porquê de a classe trabalhadora ser “mais forte” quando atua “sozinha”. A explicação está contida na obra Nenhum compromisso, nenhum acordo eleitoral.
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Liebknecht inicia sua explanação estabelecendo que o partido da classe operária não é “como os outros”. E que, por isso, a sua ação não pode ser igual à dos outros. Afinal, como explicado no terceiro artigo da série, o caráter de classe do movimento operário é o que fará com que este seja vitorioso. “Somos – e nunca será demais repetir isso – separados de todos os outros partidos por uma barreira intransponível, uma barreira que qualquer indivíduo pode facilmente superar; mas, uma vez do outro lado, ele não é mais um social-democrata [um revolucionário]”.
Para comprovar o seu ponto de vista, o líder operário alemão cita o caso de seu próprio partido:
“O que nos tornou, na Alemanha, o partido central, que, segundo o significativo testemunho de Caprivi e o ensino da experiência diária, nos faz o eixo em torno do qual gira a política governamental? Com certeza, não são nossos representantes no Reichstag. Poderíamos ter três vezes mais representantes, e os partidos burgueses aliados não teriam nada a temer de nós. Não, é o aumento em avalanche de nossos apoiadores que, gradualmente, com a certeza de uma lei natural, ou mais corretamente, de uma força natural, cresce de dezenas de milhares para centenas de milhares, e de centenas de milhares para milhões, e está aumentando diariamente, desafiando nossos oponentes e os levando a uma raiva impotente. E esse aumento em avalanche veio e está vindo como consequência de nossa oposição e luta com todos os outros partidos.”
Essa experiência é conhecida também pelos brasileiros. Se hoje os capitalistas declaram, a todo instante, que os trabalhadores não são capazes de serem vitoriosos sozinhos, o que dirá durante a ditadura militar, quando até parte da burguesia era também censurada? Perguntassem aos falsos amigos da época, todos diriam: é impossível que a classe operária consiga o menor dos avanços se não estiver sob a nossa escolta. Essa política conseguiu dominar a esquerda por anos. Para muitos, não havia possibilidade de reivindicar nada que não fosse por meio de um compromisso com o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Não havia nada a ser feito que não fosse torcer para que os falsos amigos do MDB lembrassem dos trabalhadores na hora de suas negociatas com os generais.
Diante do crescimento do movimento operário no final da ditadura militar, a burguesia, preocupada, ofereceu a mão: prometeu aos operários que defenderia suas reivindicações. Não passava, obviamente, de mais um truque. Que os interesses dos trabalhadores e os interesses do MDB eram inconciliáveis acabou sendo provado pela recusa do próprio MDB em aceitar que os operários formassem uma ala sindical dentro do partido. O MDB queria os operários como meros apoiadores. A burguesia sabia que, na medida em que o movimento crescia, não seria possível controlar os operários quando estes tentassem impor o seu programa ao conjunto do partido. As lideranças operárias iriam acabar derrubando os demagogos que não tinham base social e acabariam tomando o controle do MDB.
Da recusa do MDB, surge o Partido dos Trabalhadores (PT). Do caráter inconciliável da relação entre os interesses dos operários e de seus inimigos de classe que surgiu o maior partido de esquerda da América Latina. Tivessem os operários permanecido como meros apoiadores do MDB, nada disso teria acontecido. Pelo contrário: os trabalhadores perderiam cada vez mais o interesse pela atividade política, na medida em que se frustrassem com as manipulações dos falsos amigos, e a burguesia dominaria os trabalhadores com ainda mais facilidade.
O que a experiência do movimento operário mundial já demonstrou, Liebknecht transformou em lei.
“Todos que estão cansados e sobrecarregados; todos que sofrem sob a injustiça; todos que sofrem com as atrocidades da sociedade burguesa existente; todos que têm em si o sentimento do valor da humanidade, olham para nós, voltam-se esperançosamente para nós, como o único partido que pode trazer resgate e libertação. E, se nós, os opositores deste mundo injusto de violência, de repente estendermos a mão de fraternidade para ele, concluirmos alianças com seus representantes, convidarmos nossos camaradas a seguirem de mãos dadas com o inimigo cujas maldades levaram as massas ao nosso campo, que confusão resultaria em suas mentes! Como as massas poderiam continuar acreditando em nós? Se os homens do partido clerical, do partido progressista, e dos outros partidos corruptos são nossos camaradas, por que então a luta contra a sociedade capitalista, cujos representantes e campeões todos eles são? Que razão temos, então, para existir? Deve ser que para as centenas e milhares, para os milhões que buscaram salvação sob nossa bandeira, foi tudo um erro colossal virem até nós. Se não somos diferentes dos outros, então não somos os certos – o Salvador ainda está por vir; e o nosso partido se mostrou um falso Messias, não melhor do que os outros falsos.”
É dessa diferença entre o partido da classe operária e os partidos da burguesia que Liebknecht conclui:
“Exatamente neste fato reside nossa força, que não somos como os outros, e que não somos apenas diferentes dos outros, mas que somos seu inimigo mortal, que juramos assaltar e demolir a Bastilha do capitalismo, cujos defensores todos os outros são. Portanto, somos fortes apenas quando estamos sozinhos.”
Dizer que a classe operária é forte apenas quando luta “sozinha” não significa, obviamente, que deve se isolar. Àqueles que lutam, nunca faltará companhia. A sabedoria está em reunir todos os verdadeiros aliados, todos os que têm objetivos em comum, em um movimento que tenha como fim a derrota de seus inimigos mortais. E não em esquecer a luta de classes, abrir mão de princípios, para embarcar em uma aventura ao lado daqueles cuja existência depende exclusivamente da derrota da classe operária.