No artigo Em meio ao genocídio contra o povo palestino, líder do Hamas é assassinado no Irã, publicado no sítio Esquerda Diário no último dia 31, Vinícius de Oliveira aproveita o assassinato de Ismail Hanié, líder do Hamas, para lançar uma intriga contra o Irã. Segundo a matéria, “enquanto os líderes dos países [Irã e ‘Israel’] e suas respectivas burguesias lançam ameaças uns contra os outros o massacre colonialista segue acontecendo, e milhares de palestinos perdem suas vidas”. Uma crítica gratuita à República Islâmica, organizadora do Eixo da Resistência e principal centro de oposição ao imperialismo não apenas na região do Oriente Médio, mas talvez em todo o mundo.
A confusão parte de uma concepção moral e esquemática da luta política, colocando no mesmo balaio a “burguesia” iraniana e a “burguesia” israelense. Seriam duas burguesias, portanto, seriam dois inimigos do proletariado, dignos de serem atacados. Não é fato.
O Irã, para consolidar a Revolução de 1979, precisou expropriar a burguesia imperialista e, ao fazê-lo, viu ruir o que poderia ser considerado uma burguesia. Estima-se que 60% da economia do país asiático controlada pelo Estado, de modo que o regime é controlado, a rigor, por uma burocracia profundamente anti-imperialista, e não por uma camada de capitalistas diretamente associados ao capital financeiro internacional.
“Israel”, por sua vez, não é um país de verdade, mas uma ocupação imperialista no território da Palestina. Certamente há milionários e alguns bilionários, porém ao contrário do que acontece no país de muitos deles (os EUA), não é essa casta que domina o país, mas os militares. Ao contrário dos EUA, onde os interesses de uma classe dominante moldam as decisões do Estado, em “Israel”, é a burocracia militar dedicada a manter o enclave imperialista funcionando quem toma as decisões. A diferença é que essa burocracia, que, ao contrário da burocracia iraniana, não se formou por meio de uma revolução, é completamente atrelada ao imperialismo, pois depende deste para existir.
O conflito entre Irã e “Israel” não é, portanto, o confronto entre duas classes predadoras. Trata-se, isto sim, do conflito entre o desenvolvimento da Revolução Iraniana de 1979, responsável por derrubar o regime capacho do imperialismo no país mais desenvolvido da região e impulsionar a derrota das ditaduras controladas pelos monopólios norte-americanos e europeus (aqui sim, burguesias de carne e osso), expulsando os invasores. Do outro lado, o papel fundamental de “Israel” é para dar segurança ao domínio imperialista sobre os poços de petróleo e as rotas de comércio que proporcionam uma ligação marítima entre a Europa e a Ásia.
O autor do artigo simplesmente ignora a essência da luta política e o combate fundamental contra o imperialismo, para reduzir um confronto entre uma força progressista (a Revolução Iraniana) e uma força reacionária (o enclave imperialista) a uma guerra entre as “respectivas burguesias” de Irã e “Israel”. Por trás da terminologia marxista, o que temos é um posicionamento moral e não sem outro motivo, mas atacar o Irã, o sujeito oculto, inserido no artigo de maneira totalmente arbitrária, mas não sem uma finalidade política clara.
Em um momento marcado pelo repúdio ao atentado covarde de “Israel” contra o principal dirigente da Revolução Palestina, o que Esquerda Diário faz em seu malabarismo é chamar atenção de parte da esquerda para o Irã, como se a república islâmica fosse parte do problema que aflige os povos árabes, quando, na verdade, é a força que lhes auxilia em sua guerra de libertação. A propaganda do sítio do MRT, portanto, cai como uma luva para os interesses do imperialismo.
“A escalada nessa crise e o possível envolvimento de outros países em uma guerra certamente causará ainda mais mortes da população árabe, e é necessário seguir acompanhando o desenvolvimento da situação e seguir a defesa do povo palestino contra o massacre perpetrado pelo Estado de Israel”, conclui Oliveira.
Certamente, muitas mortes ainda ocorrerão. O problema não é esse, mas saber qual o lado progressista do conflito em marcha. O autor tenta colocar oprimidos e opressores como uma coisa só, o que não trará o fim da mortandade, apenas servirá para barrar o apoio ao Irã e com isso, a superação da barbárie pela única forma que o imperialismo pode ser derrotado: com a força das armas e a determinação inabalável em por fim à opressão.