Em coluna publicada no jornal golpista O Globo, a empresária Rachel Maia (apresentada em alguns sítios como a “primeira CEO negra do Brasil”) enaltece a vice-presidente dos EUA Kamala Harris, destacando que a provável candidata democrata (que ainda precisa ser oficializada na convenção do partido, marcada para agosto) “se movimenta de maneira assertiva assim como fez durante toda sua trajetória profissional e política”, o que, segundo a empresária, faz da norte-americana um exemplo de que “que estamos [as mulheres negras] preparadas até para alcançar o cargo mais alto e dirigir uma nação” (Estamos a um passo das mudanças que queremos para o mundo, e Kamala Harris representa todos nós, 29/7/2024).
Destacando-se principalmente pelo que esconde, o artigo de Maia brinda os leitores com uma pérola sobre o currículo de Harris, que. segundo a colunista, tem “posições progressistas e uma carreira consolidada, pautada por temas de combate ao crime”. Ser progressista e ter “uma carreira consolidada pelo combate ao crime” é uma contradição em termos para qualquer um que não seja um fascista, mas evidencia qual o parâmetro de “progressista” para os identitários. Para estes, é perfeitamente possível uma pessoa ser “progressista” e ser diretamente responsável pelo encarceramento em massa de pobres, sobretudo negros.
A colocação acima é o máximo de profundidade política a que Maia se arrisca ao defender Harris, o que já depõe contra a democrata, mas, acima de tudo, possibilita que a democrata tenha “posições progressistas” e mantenha a mesma política do Partido Democrata. Mais concretamente, um eventual governo liderado pela provável candidata do partido poderia, tranquilamente dar uma escala ainda maior à repressão contra a população negra e continuar sendo “progressista”.
No âmbito da política externa, a propaganda imperialista produz a mágica da incrível “progressista” que apoia com a máxima firmeza o genocídio do povo palestino, sem se abalar nem mesmo com as horríveis cenas vindas da Faixa de Gaza ou o fato de a maioria das vítimas serem crianças e mulheres árabes. É preciso lembrar ainda que Harris é simplesmente vice-presidente de um governo que está, nesse momento, organizando um golpe de Estado na Venezuela, sem outro objetivo além de derrubar o popular regime bolivariano para em seu lugar, impor ao país uma direita que nada deixa a dever aos ucranianos do Pravy Sektor, a famigerada milícia nazista impulsionada pelos democratas para derrubar o regime nacionalista do país eslavo em 2014 e submeter os ucranianos ao regime de terror atual.
Para Maia, nada disso “vem ao caso”. Importa o sexo e a cor da pele, independente de qualquer elemento político, o que cai como uma luva para a demagogia pró-imperialista. Por meio dessa manobra, torna-se possível ao imperialismo se infiltrar no interior da esquerda e espalhar confusão entre a vanguarda que representa os trabalhadores, a única classe verdadeiramente progressista e que em sua composição, tem uma expressiva quantidade de negros no continente americano, além de ser em geral composto por metade deles do sexo feminino.
“Estamos a um passo das mudanças que queremos para o mundo”, diz expressamente a empresária e colunista de O Globo, “e Kamala Harris representa todos nós”. Há um sujeito oculto na frase, solta, vaga, mas óbvia pela política que Maia expressa: o imperialismo. É a ditadura mundial, que com a “mulher-negra-filha-de-imigrantes” avança um passo a mais em sua capacidade de manobrar e derrotar seus opositores, permitindo aos grandes monopólios norte-americanos e europeus massacrar bilhões de mulheres e negros em todo o planeta.
Com esse componente social esclarecido, é possível dizer que, apesar de extremamente cínica, Maia não está sendo mentirosa. Ela está, isso sim, defendendo os interesses do imperialismo. Seu artigo é um belo exemplo da natureza do identitarismo, do uso demagógico de setores oprimidos para defender a política que só interessa ao grande capital e a ninguém mais, especialmente os setores oprimidos usados pela demagogia.