Na tarde desta segunda-feira (29), o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), sediado em Caracas, proclamou oficialmente a vitória do presidente Nicolás Maduro, do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV). “A Venezuela tem o melhor sistema eleitoral do mundo!”, anunciou o presidente da CNE, Elvis Amoroso, antes de prosseguir com o anúncio formal, que confirmou o anúncio feito pelo órgão na madrugada do mesmo dia. Maduro foi declarado reeleito para um novo mandato com 51,2% dos votos, contra 44,2% dos votos obtidos por Edmundo González, da Plataforma Unitária Democrática (PUD), quando 80% dos votos já haviam sido contabilizados.
“O Conselho Nacional da Venezuela, de acordo com suas funções, confirma que o cidadão Nicolás Maduro é o presidente, eleito no processo realizado em 28 de julho, para um período de seis anos, conforme a Constituição do país”, destacou o chefe da entidade.
Na madrugada do mesmo dia, Elvis Amoroso já havia alertado que houve uma “agressão contra o sistema de transmissão de dados que atrasou de maneira adversa a transmissão dos resultados” das eleições presidenciais. O CNE ainda apontou que solicitou uma investigação sobre o que chamou de “ações terroristas contra nosso sistema eleitoral, contra os centros de votação e contra os funcionários eleitorais”. A página oficial do órgão segue fora do ar.
Pouco depois da denúncia de Maduro, o procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, vinculou a líder da oposição, María Corina Machado, ao caso. Segundo informou Saab, ela seria uma das responsáveis pelo suposto ataque que teria como objetivo “adulterar” o resultado das urnas.
“O principal envolvido neste ataque seria o cidadão chamado Lester Toledo. […] Junto com ele, aparecem como envolvidos o foragido da justiça venezuelana Leopoldo López e María Corina Machado”, disse Saab à imprensa, após anunciar a abertura de uma investigação.
Presidente desde 2012, quando foi indicado por Hugo Chávez para sucedê-lo, Maduro é hoje a maior liderança do nacionalismo burguês venezuelano. Ex-motorista de ônibus e líder sindical, Maduro apresentou um programa de sete pontos para a reeleição. Entre esses pontos, constam:
- “Acelerar a recuperação do Estado de bem-estar social” e fortalecer “os valores do socialismo”;
- “Inserção e liderança da Venezuela na nova configuração mundial”, na qual propõe o fortalecimento dos BRICS;
- “Paz, segurança e integridade territorial”, na qual inclui, entre outros aspectos, “a salvaguarda e o desenvolvimento da Guiana Essequibo”;
- “Modernizar a economia” através de “um novo modelo de exportação produtiva”.
Horas depois do primeiro anúncio do CNE, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Irã, Nasser Kanaani, parabenizou o presidente venezuelano, destacando que as eleições foram bem-sucedidas, mesmo diante de “ameaças” e “sanções cruéis e injustas” impostas ao país caribenho. Kanaani também afirmou que a República Islâmica do Irã renovou seu apoio e solidariedade à República Bolivariana da Venezuela para promover programas de desenvolvimento nacional e fortalecer a cooperação bilateral.
Indo no mesmo sentido, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, parabenizou Maduro e disse ter certeza que a vitória de Maduro “responde plenamente aos interesses dos nossos povos amigos e está em linha com a construção de uma ordem mundial mais justa e democrática”. Aliado de Putin, o presidente sírio Bashar al-Assad cumprimentou Maduro, afirmando que “as mudanças e os acontecimentos no mundo exigem que nós, como Estados que defendem as suas decisões independentes, resistamos às pressões e sanções injustas impostas ao seu povo, para procurarmos a máxima cooperação e apoio mútuo”.
Em coletiva de imprensa, o porta-voz do governo chinês, Lin Jian, reconheceu a vitória de Maduro e afirmou que China e Venezuela e Caracas são “bons amigos e parceiros que se apoiam”. Já o presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, foi às redes sociais dizer que falou com o “irmão Nicolás Maduro” para “transmitir calorosas felicitações em nome do partido, do governo e do povo cubano pela histórica vitória eleitoral alcançada, após uma impressionante mobilização do povo venezuelano”.
O governo nicaraguense também se juntou às saudações a Nicolás Maduro. “O povo venezuelano deu uma mensagem forte contra as agressões e medidas coercitivas unilaterais do imperialismo, que também são aplicadas contra os povos rebeldes da Nossa América, como a Nicarágua”, destacou o presidente do país centro-americano, Daniel Ortega, em nota enviada à Venezuela. Vizinho à Nicarágua, Honduras transmitiu sua própria mensagem de apoio ao presidente Maduro. “Nossas felicitações especiais e saudações democráticas, socialistas e revolucionárias ao presidente Nicolás Maduro e ao corajoso povo da Venezuela pela sua vitória incontestável, que reafirma a soberania e o legado histórico de Hugo Chávez”, escreveu a presidente Xiomara Castro, em publicação nas redes sociais.
Apesar de os governos nacionalistas saudarem a vitória de Maduro, a oposição venezuelana, derrotada nas urnas, se recusou a reconhecer o resultado. María Corina Machado, sem apresentar qualquer prova, acusou o regime venezuelano de ter fraudado as eleições:
“Venezuela tem um novo presidente eleito e é Edmundo González Urrutia. Ganhamos e todo mundo sabe. Todo mundo sabe. Quero que saibam que foi algo tão pesado, tão grande que ganhamos em todos os setores do país, em todos os estratos do país, em todos os Estados do país, em todos. Ganhamos.”
Como é tradicional na Venezuela, o país permitiu que observadores internacionais de vários países acompanhassem de perto o pleito. Entre eles, até mesmo os Estados Unidos, responsável por duras sanções econômicas contra o país. Também estiveram presentes quatro especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU), do Centro Carter, da União Africana e do Conselho de Peritos Eleitorais da América Latina. Nenhum desses observadores, no entanto, foi também capaz de apresentar provas que comprometessem a lisura do processo eleitoral venezuelano.
Apesar disso, a acusação de fraude eleitoral já era esperada, uma vez que, semanas antes, a grande imprensa já vinha apresentando pesquisas não oficiais que apresentavam uma suposta vitória do candidato da oposição contra Maduro. Os institutos responsáveis por tais pesquisas, no entanto, não apenas não apresentaram métodos confiáveis de levantamento dos dados, como são notoriamente controlados por inimigos do regime venezuelano. É o caso de Americas Society (AS) e do Council of the Americas (COA), que têm, entre seus apoiadores, empresas como Exxon Mobil, Google, Global Sachs, General Motors, PepsiCo e J.P. Morgan.
As declarações da oposição venezuelana serviram de pretexto para que os Estados Unidos, bem como os países sob sua influência, não reconhecessem o resultado das eleições.
O secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, afirmou que tem “sérias preocupações de que os resultados anunciados não reflitam a vontade ou os votos do povo venezuelano”. Criticando abertamente o governo venezuelano, Blinken ainda elogiou o povo por enfrentar “a repressão e a adversidade”.
Seguindo o caminho apontado por Blinken, Javier Milei, presidente da Argentina, chamou Maduro de “ditador” e falou que seu país não iria “reconhecer outra fraude”. Milei disse ainda esperar que as Forças Armadas defendessem “a soberania e a vontade popular”. Elogiado pelo Fundo Monetário Eleitoral (FMI) por sua política neoliberal, que levou à redução do poder de compra a níveis tão baixos que fez com que as vendas nas farmácias despencassem pela metade, Milei tem se destacado pela repressão aos manifestantes em seu próprio país.
O governo peruano, resultado de um golpe de Estado contra o então presidente Pedro Castillo, e o governo uruguaio, comandado pelo também neoliberal Lacalle Poe, também se recusaram a reconhecer o resultado eleitoral no país caribenho.
Já o presidente do Equador, Daniel Noboa, que governa com poderes excepcionais desde que alegou uma crise na “segurança pública”, reivindicou que o Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA) se reunisse “para considerar a difícil situação em que a Venezuela se encontra”. Um dos braços da ONU, a OEA havia sido convocada para as eleições bolivianas de 2019. A interferência do organismo internacional acabaria criando as condições para que um golpe militar fosse dado contra o governo eleito.
O governo brasileiro, que tem evitado se chocar diretamente com os Estados Unidos, devido à pressão interna que sofre, ainda não havia se pronunciado sobre as eleições venezuelanas até o fechamento desta edição.
Os mesmos órgãos da grande imprensa que impulsionaram as pesquisas que mostravam a oposição venezuelana em vantagem procuraram apresentar a situação do país como “tensa”. Em artigo publicado no dia 29 de julho, o Poder 360 escolheu como título os seguintes dizeres: Venezuela escolhe presidente e causa tensão na América Latina. Além de indicar que a culpa pela “tensão” seria do presidente reeleito, o portal ainda apresenta uma série de críticas a Maduro, bem como alegações da oposição de que teria sido “perseguida”.
O jornal norte-americano The New York Times, por sua vez, acusou o regime venezuelano diretamente de fraude:
“O governo do Sr. Maduro já inventou resultados eleitorais antes, e essa contagem foi imediatamente questionada pela oposição e por várias autoridades da região.”
O artigo Autocrata da Venezuela é declarado vencedor em eleições contaminadas ainda procura apresentar Maduro como um traidor do chavismo e termina de uma forma dramática, expondo claramente a opinião do jornal sobre o pleito:
“Se a decisão da eleição for mantida e o Sr. Maduro permanecer no poder, ele levará o Chavismo, o movimento de inspiração socialista do país, para sua terceira década na Venezuela. Fundado pelo ex-presidente Hugo Chávez, mentor do Sr. Maduro, o movimento inicialmente prometeu tirar milhões da pobreza. Por um tempo, sim. Mas nos últimos anos, o modelo socialista deu lugar ao capitalismo brutal, dizem os economistas, com uma pequena minoria conectada ao estado controlando grande parte da riqueza do país.
O Sr. Chávez chegou ao poder em 1999 após uma eleição democrática, prometendo refazer um sistema liderado por uma elite corrupta. Hoje, seu movimento administra um estado amplamente visto como corrupto, e os líderes de seu partido são a elite — e a Sra. Machado e o Sr. González prometeram destituí-los.
Em entrevistas recentes em todo o país, alguns apoiadores da oposição prometeram ir às ruas se o Sr. Maduro declarasse vitória.
Luis Bravo, um eleitor que estava vendendo água em um evento da oposição recentemente, disse que se o Sr. Maduro declarasse vitória e houvesse manifestações, ele se juntaria.
‘Estou rezando para que não chegue a isso porque, obviamente, muitas pessoas vão morrer’, disse ele. ‘Mas se eu tiver que fazer isso, eu tenho que fazer’.”
As declarações da grande imprensa, bem como a indisposição dos governos alinhados aos Estados Unidos de reconhecer o resultado, mostram que a situação na Venezuela não deverá permanecer estável nos próximos dias. De acordo com Nicolás Maduro, está em marcha uma operação que visa derrubá-lo:
“Há uma tentativa de impor novamente um golpe de Estado na Venezuela, de natureza fascista e contrarrevolucionária. Eu poderia chamar isso de uma espécie de Guaidó 2.0.”
Em sua participação no programa Análise Internacional, do canal do Diário Causa Operária no YouTube, Rui Costa Pimenta, presidente nacional do Partido da Causa Operária (PCO), concordou com o alerta feito por Maduro. Disse ele:
“O pessoal deveria ficar preocupado porque tudo isso é uma trama golpista estimulada pelo governo norte-americano e pelos governos europeus. É uma trama golpista. Se vai terminar em golpe ou não, é outra história. Eles estão tentando dar um golpe na eleição venezuelana, estão preparando um golpe. Se eles vão conseguir, se eles vão efetivamente começar alguma coisa, não sabemos. […] Eu acho que a posição correta, nesse momento, não é discutir se houve fraude ou se não houve fraude, é denunciar o golpe, a tentativa de golpe na Venezuela.”