A política da Venezuela é a mais impressionante da América do Sul. Em um continente onde a direita reina impondo golpes de Estado permanentemente, um país se destaca, a grande Veneza de Nicolás Maduro. Um dos grandes fatores que separa o país de seus vizinhos continentais é o armamento da população, algo crucial para defender a nação de uma possível invasão. Como disse Hugo Chávez uma vez: “nossa revolução é pacífica, porém armada”. Esse armamento tem três diferentes frentes.
A primeira delas é a milícia popular em sua mais tradicional forma, os grupos são conhecidos como Coletivos. Estes tem uma herança na antiga esquerda dos anos 1960 que pregava a luta armada. Mas diante da grande onde de mobilização popular, que teve um pico em 1989 com o Caracaço, elas se tornaram organizações de base muito populares. São grupos armados de esquerda que atuam em bairros operários e favelas venezuelanas. Há fontes que indicam que só no bairro de 23 de Enero, o principal foco dessas organizações, há 46 coletivos. O mais famoso deles são os Tupamaros.
Esses coletivos foram essenciais para a derrota do golpe de Estado de 2002 contra Hugo Chávez. Eles foram a tropa de choque da classe operária para derrotar o exército golpista. Conhecidos como “motorizados” a juventude desceu das favelas com motos e fuzis para proteger o governo nacionalista. Onde são mais organizados, os coletivos expulsam a política dos bairros e, ao mesmo tempo, não permitem o tráfico de drogas. Não há uma centralização geral, mas atuam como a base mais à esquerda do chavismo.
Depois do golpe de Estado derrotado, as próprias Forças Armadas venezuelanas se tornaram uma organização nacionalista. São a segunda frente armada popular. Os generais entreguistas foram expurgados. Agora o exército tem relações diretas com a Rússia, com Cuba e com o Irã, dentre outros países. A ausência de guerras na região dificulta uma avaliação do exército venezuelano, mas de forma geral é o exército mais forte da região. E isso leva a terceira estrutura armada, a milícia bolivariana.
O presidente Hugo Chávez, vendo a tendência de armamento do povo nos Coletivos, criou uma estrutura oficial do governo, a Milícia Nacional Bolivariana. Esta é uma organização de centenas de milhares de trabalhadores que recebem algum treinamento militar, voltada principalmente para a defesa da Venezuela em caso de invasão. Nos momentos de crise, como a tentativa de golpe de 2019, Maduro distribuiu dezenas de milhares de fuzis para essa organização. Não é uma organização radical como os coletivos, mas seu tamanho a torna importantíssima. E em caso de uma mobilização revolucionária do povo já é um grande setor com acesso a armamentos.
Aqui aparece de forma discreta a ajuda iraniana aos venezuelanos. A Força Quds do Irã, que era liderada pelo general Qassem Soleimani, atua na Venezuela como consultoria para questões militares, com destaque para essa milícia bolivariana. O modelo é semelhante ao de algumas organizações do Iraque, que participam das Forças de Mobilização Popular. No Iraque elas são ligadas ao governo, mas, ao mesmo tempo, atuam de forma independente. A experiência do Oriente Médio, portanto, serve de inspiração para a Venezuela por meio do Irã.
Ou seja, não só o povo venezuelano está armado como as estruturas militares são diversas. Isso torna a invasão do país quase impossível. Um momento em que isso ficou claro foi em 2020, quando a milícia dos pescadores da vila de Chuao atuou junto a marinha para capturar mercenários dos EUA. Esse tipo de ação pode ser feito em larga escala no país inteiro. Nesse sentido, o grande problema da Venezuela é que, ao contrário de Cuba, eles não acabaram com o inimigo interno, a burguesia serviçal do imperialismo.