O colunista de Brasil247 Ricardo Nêggo Tom publicou no portal um artigo intitulado Messi, Milei, e o pacto da branquitude argentina para apagar os negros da história do país (18/7/2024), defendendo um absurdo tão reacionário que obrigou este Diário Causa Operária a defender a seleção argentina e seu principal jogador, Lionel Messi. Isso porque o Tom defendeu que “para o bem do futebol e da civilização, a seleção argentina deveria ser suspensa por um período de competições oficiais”, “incluindo”, diz Tom, “o alienado Lionel Messi, que precisa entender o tamanho da estatura que atingiu dentro da sociedade e aprender a se posicionar socialmente”.
E qual seria o “posicionamento social” necessário para justificar a suspensão de Messi, demais companheiros de escrete (o que implicaria em um cancelamento de todo o povo argentino de competições oficiais? “Cântico racista e transfóbico entoado pelos jogadores argentinos após a conquista da Copa América”. O primeiro absurdo é que a punição não se deve a algo que fizeram em campo – portanto relacionado ao futebol -, mas fora de campo, ou seja, sem qualquer relação com o esporte.
Exigir um atestado de idoneidade moral e política para um ser humano exercer sua atividade (seja qual for) é algo que só um fascista faria. Imaginemos que os modismos identitários sejam definitivamente superados e na reação, uma turba defenda o mesmo para o próprio Tom, que ele seja cancelado por não exibir os padrões morais esperados dos novos tempos. Estariam os revoltosos corretos? Claro que não.
Uma pessoa verdadeiramente interessada em superar manifestações do atraso cultural, incluindo o racismo, jamais defenderia a repressão como solução, até porque se a repressão fosse solução para qualquer problema social, não haveria no planeta país mais avançado do que o Brasil. Dado que Tom se arrisca a caracterizar o País como uma “república institucionalmente racista”, é possível conjecturar que ele não considera o ultra repressivo Estado brasileiro como exemplo de nada positivo.
Consequentemente, não é a luta contra o racismo que realmente motiva o articulista de Brasil247. O que seria então? Essa parte não fica explícita, mas é possível deduzir, observando-se os protegidos de Tom:
“Os cinco companheiros franceses (todos negros) de Enzo Fernandes, o jogador que gravou o fatídico vídeo no ônibus da delegação, aguardam ansiosamente o seu retorno ao Chelsea para que ele dê mais explicações sobre o ocorrido. Entre eles, o zagueiro francês Wesley Fofana, que criticou os argentinos nas redes sociais. Mais uma bola fora do futebol argentino, conhecido por reduzir jogadores brasileiros a ‘macaquitos’. Gritam-lhes: ‘hermanos’, eu não.”
Aqui começa a ganhar contornos mais definidos os protegidos de Tom, os jogadores franceses. Defendida na propaganda imperialista como uma seleção “multiétnica”, o eufemismo mostrou-se útil para enganar incautos e mascarar uma obviedade: a seleção francesa é tudo menos francesa. Ela expressa a rapina da antiga potência colonial francesa, convertida na etapa do capitalismo aberta em fins do século XIX, em potência imperialista, mas que mantém viva a política de expropriação dos povos atrasados e oprimidos.
Em outro momento do texto, Tom continua:
“Julio Garro cobrou uma retratação por parte dos jogadores argentinos. Garro foi demitido do cargo por Javier Milei, por tentar romper com a tradição racista do futebol argentino. Ainda mais grave foram as declarações da senhora vice-presidente, Victória Villarruel, que disse que “nenhum país colonialista vai nos intimidar por uma canção de campo ou por dizermos verdades que não querem admitir [grifo nosso]. Parem de fingir indignação, hipócritas.”
As verdades às quais quis se referir a advogada ultraconservadora e herdeira da sanguinária ditadura militar que assolou o país por décadas, é que os pretos são mesmo inferiores e que seria hipocrisia defendê-los contra o racismo dos europeus. Incluindo a federação francesa de futebol que acionou a Fifa exigindo providências sobre o caso. Villarruel está alinhada com o pacto da branquitude argentina que convencionou negar a existência de negros na história do país.“
Praticando o famoso “escapando pela tangente”, Tom simplesmente foge do debate proposto pela vice-presidente da Argentina, para falar um monte de bobagens em defesa da seleção francesa sem nenhuma relação com o que apontou a mulher. A tática de fugir do debate foi adotada por uma malandragem, porque entrar nele obrigaria a algo extremamente desagradável de se fazer, mas necessário a qualquer um minimamente comprometido com a verdade: reconhecer que Villarruel está certa nesse embate.
A França não é um país colonialista qualquer, mas uma potência, ainda mais destacada dentre o reduzido conjunto das nações que dominaram não países inteiros em todos os continentes, especialmente na África. Se atualmente o continente negro é o mais pobre e atrasado do planeta, e se dessa desigualdade abissal se origina todo um sistema de preconceitos de ordem racial, são os protegidos de Tom os responsáveis. O articulista de Brasil247 critica deus, o diabo, Neymar e até o Rei Pelé em sua cruzada moral supostamente voltada contra o racismo, mas em seu posicionamento, defende a fonte da opressão racial, alguns dos piores racistas que já existiram.
“Debochar da escravização de seres humanos, do processo de imigração ao qual eles precisam se submeter para tentar sobreviver com alguma dignidade e inferiorizar suas origens étnicas, está longe de ser apenas uma ‘canção de campo’ ou uma provocação ao adversário. Do mesmo modo, tentar ridicularizar um homem por ele se relacionar com uma mulher trans, não deve ser mais aceitável em nossa sociedade. Até porque, muitos homens o fazem às escondidas, no sigilo, sem a coragem que Mbappé teve de assumir o seu relacionamento. Que façam da maneira que julgarem melhor para si, mas não destilem transfobia e hipocrisia disfarçadas de zoeira.”
Finalmente a defesa do “queridinho” do imperialismo, o jogador francês Mbappé, que em campo não é nada além de um velocista, e fora, um instrumento da propaganda imperialista, a ditadura mundial que rouba e mata pobres nos países atrasados em escala industrial. Se o maior craque do mundo, Neymar Jr., pode ser tão duramente avaliado pelo apoio ao líder da extrema direita brasileira, qual adjetivo uma pessoa verdadeiramente preocupada com a opressão de outra gastará para qualificar Mbappé?
Uma pessoa consequente com seu repúdio ao racismo, em primeiro lugar, jamais criticaria seja Neymar Jr., ou quem quer que seja por expressar opiniões que refletem o atraso que acomete as massas, no Brasil, na Argentina e em todo o planeta. Procuraria entender as leis sociais que envolvem o racismo e uma vez com isso compreendido, travaria uma luta eficiente.
Não é o que propõe Nêggo Tom, por uma razão muito simples: não é a necessidade de acabar com o racismo que o move, mas os interesses repressores do imperialismo, interessados em atacar tudo e todos com a máxima virulência, especialmente (ironia das ironias), negros, pobres e trabalhadores. Entre as muitas bobagens ditas por Tom em sua coluna, a sua defesa mais ou menos velada do imperialismo é emblemático do funcionamento do identitarismo.