O fundador e dirigente do partido de esquerda França Insubmissa Jean-Luc Mélenchon. Escreveu um artigo intitulado Macron está errado, a esquerda francesa venceu (Jacobina, traduzido por Hugo Albuquerque, 17/7/2024), apresentando uma versão fantasiosa do pleito parlamentar antecipado de seu país. Mélenchon inicia o texto dizendo:
“Isso não é um evento como qualquer outro, e nenhum defensor da república pode minimizar nem o seu significado político, nem sua extrema gravidade. O presidente da República, em uma carta dirigida aos franceses, afirma que ‘ninguém ganhou as eleições’. Ele está errado. Todo mundo sabe disso. A Nova Frente Popular ficou em primeiro lugar nas eleições e cabe a ela formar o próximo governo.”
Há dois enganos na avaliação apresentada, o de Mélenchon e o de Macron. O “equívoco” do presidente francês é na realidade uma malandragem, destinada ao golpe que vem organizando para manter o controle do regime político francês. Por isso, está errada a colocação de que ninguém ganhou as eleições. Houve sim um vencedor, mas antes de reconhecê-lo, passaremos ao outro erro de avaliação, do fundador e dirigente do França Insubmissa.
Mélenchon diz que, devido aos votos conquistados pela Nova Frente Popular, “cabe a ela formar o próximo governo”. Indubitavelmente, seria o mais democrático, mas quando foi que Macron ou qualquer serviçal do imperialismo francês demonstrou qualquer apreço por convenções democráticas?
Ao insistir em tamanha tolice, Mélenchon demonstra uma ingenuidade incompatível com militantes que compõem e vanguarda da luta pela libertação dos trabalhadores. Em primeiro lugar, é necessário lembrar ao dirigente esquerdista da França que o risco de se aliar com o cadáver imperialista, é que você será usado para revivê-lo e após isso, receberá o tratamento dispensado a um corno e golpeado sem a menor cerimônia ou consideração.
É também exatamente o que Macron tem feito com Mélenchon, que aparenta uma incapacidade crônica de reagir ao golpe, como demonstrado pela recente “eleição” de Yaël Braun-Pivet, do partido Renascimento, o mesmo do “democrático” presidente francês.
Este tratamento de corno é o que a burguesia sempre fez e sempre faz com seus “colaboradores”. Mélenchon pode ter sido acometido por uma loucura e abandonado completamente tudo o que a história da luta de classes ensina sobre a relação, mas a realidade se impôs.
Não é porque você é um parlamentar bem votado como o francês ou um chefe de Estado como Dilma Rousseff e Lula, que receberá um tratamento diferenciado. O que a história recente indica, inclusive, é que quanto maior a sua autoridade sobre os trabalhadores, pior será o tratamento dispensado pela classe dominante. Mesmo após o golpe sofrido, no entanto, Mélenchon continua demonstrando ilusões com Macron, a “democracia” e o regime político imperialista em geral, como explicitado no trecho abaixo:
“Em todas as democracias do mundo, é assim que as eleições permitem designar o governo”, diz Mélenchon em seu artigo. Ocorre que “todas as democracias do mundo” funcionam exatamente como a francesa, o que torna a surpresa do líder da FI digna de espanto.
Nos EUA, no Reino Unido e no Brasil as eleições sofrem as mais absurdas manipulações. Nos EUA, uma sequência de golpes levou o atual presidente Joe Biden a tornar-se o candidato do Partido Democrata nas eleições gerais de 2020, atropelando o popular Bernie Sanders. Posteriormente, Biden derrotaria Trump por uma estreita margem, em um resultado reconhecido como fraudulento por uma expressiva parcela da população norte-americana.
Não entraremos no detalhe da qualidade da “democracia” no Brasil e nos demais países explorados, onde só os privilegiados mais obtusos ainda defendem a hipocrisia do regime, que nada tem de representativo ou democrático. Basta dizer, porém, que no Brasil, a “democracia” derrubou a presidenta Dilma Rousseff, prendeu o atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva e arbitrariamente, impediu a participação do último nas eleições de 2018.
A “democracia” em que Mélenchon acredita, finalmente, não passa de um engodo, um truque para enganar os trabalhadores, iludindo-os. Mélenchon poderia usar o golpe sofrido para uma análise mais concreta da realidade na França, o que seria um sintoma do crescimento da consciência política sua e do FI, mas não é o que demonstra, como no trecho a seguir:
“O presidente também viola o sentido político do que aconteceu entre os dois turnos das eleições legislativas. Porque faz da ‘frente republicana’ uma aliança política que deveria produzir um governo ou uma maioria no parlamento. Não pode haver dúvida disso. A chamada ‘frente’ não é uma aliança política. Nunca foi discutido. É até o seu significado profundo estar além dos partidos e das fronteiras partidárias para responder a um interesse comum maior. É um ‘cordão sanitário’ contra a ascensão ao poder de um partido hostil ao caráter republicano do Estado como o Reagrupamento Nacional (RN), por todas as razões mil vezes expressas sobre o assunto.”
Ora, Mélenchon pode dizer à vontade que “a chamada ‘frente’[republicana] não é uma aliança política”, mas uma coalizão dedicada a produzir um “cordão sanitário” contra a extrema direita, representada pelo RN, mas a despeito das loucuras que passaram pela sua cabeça, a tal “frente republicana” foi usada para eleger parlamentares. Novamente, torna-se evidente a falta de uma orientação séria.
Sem uma política feita com a cabeça, a esquerda francesa desconsiderou o perigo de se submeter (trocadilho infame, mas necessário) à direita mais ligada ao imperialismo. Nisso, entrou em uma aliança com partidos de direita como o Partido Socialista e o Europa Ecologia – Os Verdes, com quem formou a Nova Frente Popular, o que serviu para ressuscitar os falidos partidos de roupagem esquerdista.
Uma vez devidamente “ressuscitados” (sob a base da popularidade do FI, deve-se sempre lembrar), os “aliados” foram os primeiros a ajudarem Macron a golpear a esquerda, com o PS e os Ecologistas atacando Mélenchon publicamente. Com o desenvolvimento observado, o dirigente do FI pode repetir incontáveis vezes que a “frente republicana” não deveria ter consequências maiores do que as eleições, mas isso não passa de lamento. Finalmente, o meio de Macron e a direita centrista darem o golpe em marcha, e manterem o regime mais ou menos estável para o imperialismo foi dado por Mélenchon, pouco ou nada importando suas lágrimas. Na luta política, ter a cabeça no lugar é fundamental para não se cometer erros estúpidos como o cometido pelo dirigente do FI e depois ser tratado como um idiota é algo importante.
Para um socialista, ter a luta de classes como fator orientador ao invés da luta de campos é também vital para não cair em golpes como o sofrido pela esquerda francesa. Mélenchon demonstrou uma absurda inaptidão e que precisa amadurecer muito para ser a liderança que os operários franceses precisam, ainda mais nesse momento em que o enfrentamento com o imperialismo ganhará contornos mais radicais.