A poucos meses de completar 10 anos, o desaparecimento de 43 estudantes no México segue longe de implicar criminalmente os militares envolvidos. O Centro de Direitos Humanos Miguel Agustín Pro Juárez (Centro Prodh) denunciou no último domingo que mais um general envolvido foi posto em liberdade. O episódio ocorrido entre 26 e 27 de setembro de 2014 é considerado um massacre, pois nem nas versões oficiais a possibilidade de sobrevivência dos estudantes era considerada. Análises de laboratório chegaram a identificar restos mortais de alguns deles.
Os estudantes da Escola Normal Raúl Isidro Burgos (de Ayotzinapa) haviam viajado para a cidade de Iguala para protestar contra o governo capacho dos Estados Unidos, Enrique Peña Nieto do PRI (Partido Revolucionário Institucional). Os estudantes foram interceptados pelo exército e presos. A partir daí, foram “desaparecidos”. O país vivia justamente um período de intensas e numerosas manifestações contra as reformas neoliberais do governo e o desaparecimento dos estudantes acentuou o clima de embate entre governo e população.
A versão oficial apontava que os estudantes que estavam presos teriam sido sequestrados por policiais e por membros do cartel de narcotraficantes “Guerreros Unidos”, para serem executados em seguida num aterro sanitário da cidade de Cocula. A versão oficial ainda dava conta de que os restos mortais dos estudantes haviam sido incinerados e as cinzas transportadas para descarte no rio San Juan. Outros seis estudantes teriam sido assassinados antes da prisão em massa. O prefeito de Iguala, sua esposa e o chefe de polícia da cidade se tornaram fugitivos após o acontecido. Divergências nas investigações posteriores abrem a possibilidade de que tenha ocorrido tortura e outros abusos antes dos assassinatos.
A expectativa diante do governo López Obrador era de que o caso avançasse na justiça, pois o atual presidente mexicano apoiou publicamente as famílias, inclusive criando uma comissão da verdade para investigar o que ocorreu de fato aos estudantes. No entanto, como denunciado pelo Centro Prodh, no caso Ayotzinapa “não há justiça nem verdade”:
“O caso Ayotinapa segue desmoronando. A Fiscalía (espécie de Ministério Público) é complacente. A SEDENA (Secretaria de Defesa Nacional) defende os militares acusados com o apoio da Guarda Nacional. Os juízes presenteiem com acordos que não vemos em casos envolvendo civis. Nem justiça nem verdade“.
O episódio mais recente desse desmoronamento do caso foi a concessão de liberdade condicional ao brigadeiro-general José Rodríguez Pérez, que havia sido preso em setembro de 2022. Segundo relatório da Comissão de Verdade e Acesso à Justiça de Informação do Caso Ayotzinapa ele teria ordenado o assassinato de seis estudantes que ainda estavam vivos em 30 de setembro de 2014, num armazém na comunidade de Pueblo Viejo, Iguala. Apenas dois militares ligados ao caso seguem presos, o sargento Eduardo Mota Esquivel e o segundo-tenente Fabián Pirita Ochoa.
Como apontado neste Diário, a relação de López Obrador com a cúpula militar nunca foi de contradição, mas de acordo. Especialmente em questões centrais no país como o tráfico de drogas e o crime organizado. Justamente o setor do poder no México, menos interessado na elucidação dos crimes cometidos no massacre dos estudantes em 2014. Enquanto distribuiu migalhas para a população pobre, seu governo seguiu privilegiando o alto escalão militar. Com o mote do fortalecimento da “segurança pública” e do “combate” ao crime organizado, seu governo tem destinado enormes recursos para as forças armadas. O impacto sobre as investigações do caso Ayotzinapa não poderia ser diferente.