Na Europa, os partidos de extrema direita são parte importante do regime político há mais de uma década. Na Inglaterra, estiveram por detrás do Brexit em 2016; na França, estão rivalizando Macron há duas eleições; na Hungria e na Itália, já chegaram ao governo. A questão é que a burguesia imperialista nesse momento não quer a política da extrema direita e, assim, pressiona os partidos a se adaptarem. Na Itália de Meloni, isso ficou muito claro, mas será assim com o Reagrupamento Nacional (RN) de Le Pen na França?
O Le Monde, um dos jornais da burguesia que mais se opõe a Le Pen, está atento a essa questão. O artigo destaca que: “o distanciamento oficial de Marine Le Pen e Jordan Bardella [candidato a primeiro-ministro] de qualquer filosofia política marcou a última etapa de sua tentativa de ‘desdiabolização’ e muitas vezes justificou a ausência de trabalho de base em muitos campos – ecologia, educação, habitação. Mas, se as duas principais figuras da extrema direita francesa juram não serem guiadas por nenhuma ideologia, a organização de seu partido, a composição de seu entorno e a escolha de seus prestadores de serviço testemunham a permanência das correntes radicais que, desde sua criação em 1972, têm irrigado a Frente Nacional (FN, que se tornou RN em 2018), construído seus fundamentos e inspirado parte da base programática defendida nestas eleições legislativas antecipadas”.
O que o artigo afirma aqui é que o RN, que surgiu com uma ideologia abertamente nazista, inspirada no governo nazista de Vichy na França, passou por uma reforma em sua imagem antes de chegar ao estágio atual. No entanto, dentre as fileiras do partido, principalmente em suas bases, ainda há uma grande presença de nazistas e fascistas de forma geral. Esse fenômeno acontece na Itália, o partido do governo Irmãos da Itália possui organizações nazistas em sua base, mas, uma vez no governo, Meloni se adaptou ao neoliberalismo.
Assim, o Le Monde destaca que: “oficialmente, a retomada do controle do FN por Marine Le Pen no início dos anos 2010 pôs fim ao ‘compromisso nacionalista’, ou à coabitação dentro do movimento de várias facções da extrema direita, dos católicos tradicionalistas aos nacionalistas revolucionários, passando pelos identitários, os soberanistas e a nova direita. Acabaram-se as correntes internas às vezes contraditórias, suscetíveis de desafiar a linha da direção ou afetar a ‘normalização’ pela sua violência”.
Ou seja, Le Pen transformou uma frente de todo tipo de fascista em um partido palatável para o regime político francês. Uma estratégia que, dado o resultado atual das eleições, funcionou muito bem.
Um dos aspectos em que há oposição entre Macron e Le Pen é na questão da Ucrânia. O setor da burguesia que Le Pen representa não está feliz com o efeito econômico destrutivo dessa guerra. Assim, a liderança da extrema direita afirmou: “se Emmanuel Macron quer enviar tropas para a Ucrânia e o primeiro-ministro é contra, então não há tropas para a Ucrânia. O primeiro-ministro tem a palavra final”. Ou seja, até perto das eleições, ela mantém uma posição de não se adaptar ao regime político.
Entretanto, quando um membro do governo russo elogiou uma das posições de Le Pen sobre a guerra, ela rapidamente se pronunciou: “se eles pensassem que havia algum interesse [do RN de uma aproximação com a Rússia], não teriam tuitado [essa mensagem]. Quando você faz um tweet tão ostensivo e provocativo, pode ser considerado uma forma de interferência [eleitoral]”. Ou seja, diante da aproximação real com a Rússia, ela fez questão de se demonstrar como alguém distante. Isso indica que, caso haja um governo do RN, ele não necessariamente acabará com a guerra.
O portal de notícias Politico também destacou essa faceta do RN: “na preparação para as eleições desta semana, o partido de Le Pen deu a entender que provavelmente recuaria em alguns dos seus planos de gastos mais luxuosos, incluindo a promessa de reduzir a idade de reforma para 60 anos. O partido também removeu discretamente parte da sua política de defesa do seu sítio digital, eliminando seções que propunham o aprofundamento dos laços diplomáticos com a Rússia, a suspensão de projetos de cooperação com a Alemanha e a saída do comando militar integrado da OTAN. Bardella descreve agora a Rússia como ‘uma ameaça multidimensional tanto para a França como para a Europa'”.
E, além disso, Bardella disse que, embora o RN ainda quisesse deixar o comando integrado da OTAN, só o faria depois de a guerra na Ucrânia terminar. “Você não muda tratados em tempo de guerra”, disse Bardella.
Novamente, o caso italiano, onde a extrema direita já está no governo, é importante. Meloni não rachou com a OTAN, ela apenas dificultou um pouco a participação da Itália na guerra. Quando o secretário-geral da OTAN começou a falar em guerra aberta com a Rússia, ela fez questão de criticá-lo, mas em ações concretas, pouco é feito. Ou seja, é uma adaptação da extrema direita ao regime político. O mesmo aconteceu com Bolsonaro no Brasil, ele atuou como um neoliberal “tímido” durante o seu governo.
Ou seja, a vitória eleitoral de Le Pen não significa que a extrema direita ideológica assumirá o poder, ela pode estar no governo tendo ainda que travar uma luta contra o regime político francês. A questão é o que fará a classe operária caso o RN tome controle do Parlamento.