Principal porta-voz do imperialismo francês, o centenário jornal Le Figaro publicou um editorial com teor catastrófico no último domingo (30), ao comentar o resultado das eleições legislativas convocadas pelo presidente do país, Emmanuel Macron. “Quando os historiadores analisarem a dissolução, eles terão apenas uma palavra: desastre!”, escreveu o órgão («Législatives : une tragédie française», Alexis Bréze), acrescentando ainda que o estrago para a estabilidade do regime francês “não poderia ter sido mais completo.”
“Emmanuel Macron tinha tudo, ou quase tudo: o Palácio do Eliseu e três anos à sua frente; uma maioria, ainda que relativa, mas ainda assim uma maioria; um partido em boas condições de funcionamento; uma base eleitoral estreita, mas surpreendentemente sólida; uma imagem pessoal abalada, mas uma autoridade inquestionável. Ele perdeu tudo, exceto o Palácio do Eliseu.”
As críticas devem-se, naturalmente, à vitória da extrema direita, que liderada pelo partido Reagrupamento Nacional (RN), conquistou uma vitória histórica: 33% dos votos parlamentares, superando a esquerda (28%) e o desmoralizado bloco governista (20%). “O chefe de Estado”, continua Le Figaro, “professava ‘bloquear o caminho aos extremos’; eles nunca estiveram tão altos”, ironiza.
Ao longo de todo o artigo, torna-se evidente o tamanho do desastre para a já débil estabilidade do regime francês. Adjetivos como “catástrofe” e “desastre” são os mais usados pelo órgão, que ao fim, enxerga na crise “no sentido literal, uma tragédia, onde o destino, que o obriga a escolher, não lhe oferece senão soluções ruins.” Uma situação similar à enfrentada pelo imperialismo diante da necessidade de escolher entre Jair Messias Bolsonaro ou Fernando Haddad para a presidência da República em 2018. “Uma escolha difícil”, escreveu na ocasião o arquiconservador jornal Estado de São Paulo ou, parafraseando o editorial do órgão francês, “aroniana”:
“Nosso cronista Nicolas Baverez lembrava recentemente esta frase de Raymond Aron, grande figura do Figaro: ‘A escolha em política não é entre o bem e o mal, mas entre o preferível e o detestável.’ Os tempos conturbados em que estamos entrando se anunciam eminentemente aronianos.”
Tal como no caso brasileiro, não é preciso muita imaginação para vislumbrar qual o lado para onde a burguesia francesa se bandeará. Ainda assim, o jornal faz questão de tornar as tendências do imperialismo francês cristalinas ao declarar que “o programa do RN é certamente, em muitos aspectos, preocupante, mas do outro lado”, contrapõe o jornal tratando agora da ultra-moderada esquerda francesa, “antissemitismo, islamo-esquerdismo, ódio de classe, histeria fiscal… Colocado, por mais que o negue, sob a dominação da LFI, a Nova Frente Popular é, de fato, o vetor de uma ideologia que consumaria a desonra e a ruína do país.”
Posto às claras, os mesmos criadores da campanha de histeria contra o avanço da extrema direita e que tanto pressionaram a esquerda a se desmoralizar para caber em uma aliança com o falido centro político, anunciam agora que apoiarão quem retratavam como o diabo encarnado. A menos, é claro, que a esquerda aprofunde ainda mais sua desmoralização e adotem o programa responsável pela falência política do centro, notadamente (como citado por Figaro), apoio a “Israel”, oposição ao nacionalismo dos países islâmicos, peleguismo e cortes de gastos sociais, para aumentar a rapina do erário público pelos banqueiros e demais setores monopolistas.
Após sucessivas capitulações, não se deve duvidar da capacidade da esquerda francesa rebaixar-se a posições absolutamente indignas de representantes da classe trabalhadora. A Nova Frente Popular, finalmente, é composta pelo Partido Socialista, um partido abertamente imperialista, responsável pelo governo neoliberal de François Hollande, entre outras traições à classe trabalhadora. Ainda assim, mais capitulações são demandadas pelo imperialismo francês, que reconhece o fracasso da política de Macron, mas insiste em creditá-la ao homem e não à classe por ele representada.
O jornal reconhece os ingredientes “nesse caldeirão, agora, que fervem os tormentos de nossa crise nacional”, nomeando o “mal-estar democrático” como oriundo da “imigração, insegurança, dívida, déficits, crises dos serviços públicos, desindustrialização”, ou seja, problemas diretamente oriundos da luta de classes, particularmente da prevalência dos interesses dos monopólios.
Os tempos, de fato, são de tormenta e a julgar pela sequência de derrotas colecionadas pelo imperialismo em todos os continentes e em especial as derrotas francesas na África, nada indica que a relativa bonança conquistada nos anos 1990 voltará. Tampouco, os trabalhadores estão livres do inferno fascista que Le Figaro antecipa, após tanta campanha contra o RN.
Usaram a esquerda até onde o capital político do campo permitia adiar a complexa operação de deslocamento do regime à direita, mas agora, para um dos principais países da ditadura mundial, é Le Pen ou a “detestável” Frente Popular. E a opção pelo RN é praticamente formalizada, mesmo nunca tendo sido segredo para ninguém que conhece minimamente a história da luta de classes. Um alerta para os esquerdistas brasileiros que insistem na política de frentes amplas contra a extrema direita nacional, junto aos responsáveis por criar o bolsonarismo.