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Direito das mulheres

No debate sobre aborto, o tempo de gestação não importa

Estabelecer um prazo para realizar o aborto é a brecha para acabar com o direito das mulheres

Diante da luta das mulheres pelo direito ao aborto, um falso argumento se apresenta para servir de obstáculo a essa reivindicação. Trata-se da questão do tempo de gestação, que, arbitrariamente, conforme pensam alguns, serve para limitar o momento em que se pode ou não realizar um aborto.

Parte dessa polêmica, Fernando Reinach redigiu um texto para o editorial do Estadão e afirmou que “direito à interrupção da gravidez deveria ser expandido para todas as mulheres, independentemente de como ocorreu a fecundação, mas fixando prazo máximo em que poderia ser praticado, o que regra atual não prevê“.

Segundo ele, “dada a demora no diagnóstico da gravidez (principalmente em adolescentes), a dificuldade em demonstrar o estupro e a recusa dos médicos em realizar o procedimento, a gravidez se estende até a 22ª semana, com casos reportados de 31 semanas”.

“A lei precisa ser mudada, expandindo o direito ao aborto a todas as mulheres, independentemente de como ocorreu a fecundação, e estabelecendo uma data máxima em que ele pode ser praticado.”

Nos termos de sua proposta, de fato, a lei precisa garantir o direito ao aborto para todas as mulheres, de acordo com a vontade delas. Mas a questão do prazo não pode realmente ser estabelecida, ao menos sob o ponto de vista do direito a ser exercido.

A vida, como se diz, não tem uma semana específica em que aparece no feto. Na verdade, ela sempre esteve lá. As células vivas sempre estiveram lá, mesmo antes da fecundação. Espermatozoides e óvulos são compostos por células vivas. Nesse sentido, a vida, como se entende, é um processo contínuo, e não existe um evento específico para o seu início. 

O problema é resultado de uma necessidade social, tendo em vista que quase um milhão de abortos são realizados por ano no Brasil. E isso acontece, especialmente, pela completa falta de apoio e estrutura social para que uma mulher leve adiante sua gestação e tenha uma criança.

Afirma, o redator do Estadão: “a legalização do aborto é polêmica porque exige da sociedade uma decisão sobre como conciliar o direito de dois seres vivos. De um lado, o direito da mãe de controlar e decidir o que se passa em seu corpo. Do outro, o direito do embrião se tornar uma criança”.

De fato, é uma decisão a ser tomada, e pela mulher, que é a mais interessada, não pela sociedade em geral. Tal como está colocado pelo redator, a sociedade, toda ela, deve decidir se a mulher deve ou não manter uma gestação, o que seria uma verdadeira ditadura. A mulher tem o filho se ela quiser. O raciocínio do colunista é o que manteve as coisas tais como estão nos dias de hoje. Sem direito ao aborto, a mulher recorre à ilegalidade, colocando em risco sua própria vida.

Nesse sentido, o “direito do embrião”, na realidade, é um direito da própria mulher. O embrião não é uma pessoa, com seus direitos constituídos. A mulher, sim, já o é e, por isso, absorve e é detentora dos rumos do embrião que ela carrega. Não é possível pensar de outra forma sob pena de uma interferência absurda nos direitos das mulheres, todos eles. 

“Se no início desse período o embrião não passa de um agrupamento de células, logo ele se desenvolve e, a partir de certo ponto, o feto ainda em formação já é capaz de sobreviver no caso de um parto prematuro. Até que momento esse processo pode ser interrompido por um aborto?”

A resposta é simples. Em qualquer momento, pois não se trata de uma discussão biológica, mas de um direito advindo de uma necessidade social. A realização de aborto não é fruto de uma maldade inerente às mulheres que o praticaram. Não é resultado de algo oculto. É resultado da situação em que a mulher se encontra. 

“Portanto, ao longo da gestação, uma célula minúscula, ao se transformar em uma criança, adquire gradualmente características que justificam seu direito de sobreviver”. O problema é que o inexistente “direito de sobrevivência” do feto esbarra no direito de quem já está vivo, no caso, a mulher. Na verdade, não existe direito de sobrevivência, pois essa discussão só aparece quando a mulher precisa realizar um aborto. Mas o direito dela, de sobrevivência, após o nascimento da criança, não existe. Não há nenhum aparelho social constituído para dar amparo às mães, e elas precisam se virar sozinhas.

Obviamente, a existência de um critério temporal serve para restringir o direito ao aborto. Por isso, o redator conclui: “por esse motivo, o aborto só deveria ser permitido durante a janela temporal em que o direito da mulher de decidir sobre seu corpo é claramente preponderante sobre o direito do embrião de continuar seu desenvolvimento, mesmo nos casos em que não houve estupro”.

Essa janela temporal, obviamente, se estabelecida, serve para, amanhã ou depois, ir encolhendo de acordo com a política estabelecida pelo regime para as mulheres. E em um regime controlado pela burguesia, a tendência é o aumento da repressão, ou seja, a redução do direito ao aborto. 

“Para os defensores radicais da ilegalidade do aborto, o direito de sobrevivência do embrião começa no dia da fecundação independentemente da vontade da mãe. Já para defensores radicais do direito ao aborto, o direito a sobrevivência do feto só começa a existir no nascimento.”

Esta última posição, de fato, é a mais correta. E mesmo assim, após o nascimento, existem atenuantes para mulheres que cometem o chamado “infanticídio”. Ou seja, não é “homicídio”, e isso está previsto no próprio Código Penal de 1940:

Art. 123 – Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena – detenção, de dois a seis anos.

Por isso, ao determinar o direito ao aborto tendo como base a questão temporal, o resultado é que mesmo o pouco que existe hoje, o aborto legal, acabará sendo restringido: “nesse sentido, a lei brasileira atual, que formalmente permite o aborto de fetos oriundos de um estupro, é uma aberração, pois permite o aborto sem qualquer limite temporal”, e aí está o truque da discussão temporal.

O autor, assim, passa a uma descrição da formação biológica do feto, o que não vem ao caso. Finalmente, se discute o direito das mulheres diante de uma necessidade social que é o aborto e/ou as tremendas dificuldades de se levar adiante uma gestação e criação de uma criança. 

“Na minha opinião e na de muitos religiosos e especialistas em ética, durante a fase embrionária o direito de decidir da mãe claramente é superior ao direito do embrião de continuar seu desenvolvimento contra a vontade da mãe […] E, no terceiro trimestre, o direito de sobreviver do feto tem de prevalecer sobre a vontade da mãe de abortar em condições que levem à morte do feto.”

Se esse entendimento se estabelece em lei, o fato é que a brecha para reduzir o período em que o aborto pode ser praticado pode ser alterado a qualquer momento. Basta alguém achar (e já são muitos os que acham) que o “direito” do feto prevalece desde a fase embrionária. 

Conclui: “abortos após a semana 22 deveriam ser proibidos e só poderiam ser feitos em casos excepcionais”. Ou seja, é a manutenção do crime de aborto. Em último caso, ao contrário do que pareceria no começo do texto, o autor é contra a legalização do aborto. 22 semanas, hoje, 12 amanhã. Uma semana depois de amanhã, ou mesmo antes disso.

A discussão do prazo, do tempo, de quando pode ou não ser feito o aborto, é uma forma de impedir o direito da mulher em realizá-lo. O direito é dela, e só existe esse direito em discussão. Não existe direito do embrião, do feto, ou qualquer coisa que o valha. E isso é assim em razão da realidade. O aborto já é praticado, independente da previsão punitiva que não impede a mulher de buscar a realização do aborto.

O correto é que as mulheres tenham todo o suporte social para o desenvolvimento de uma gestação. Mas isso não existe, o que é uma barbaridade completa. Diante do problema, a mulher deve interromper uma gestação indesejada quando o quiser, e o Estado deve realizar o procedimento, gratuitamente.

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